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Por: Ícaro Ambrosio, Ana Lívia Nascimento.
Atualização Henrique Faria
Fotos: Arquivo pessoal Felipe Arco

Escrevendo trechos de poesias nas lixeiras, o grafiteiro e poeta Felipe Arco cravou seu nome na história capital mineira e também como um dos artistas contemporâneos belorizontinos. Neste mês, fomos surpreendidos ao saber que o artista estava sendo processados pela Prefeitura de Belo Horizonte, por suas poesias serem expressas nas lixeiras das cidades. Entenda clicando aqui.

Na última edição do jornal impresso de Fevereiro/Março de 2017,  publicamos uma matéria sobre o grafiteiro, onde contamos um pouco sobre como ele lida com a arte.

É com a mão direita que Felipe Arco transcreve suas percepções e sentimentos para o papel, ou para a parede. Conceituado como artista contemporâneo, o jovem belohorizontino, de 25 anos, soma palavras em poesias e adentra no universo das cores para desenhar em forma de grafite.


“Sou mais uma alma em busca de viver e compreender o amor”, ele se define. Definição lógica, já que o amor é praticamente a base de toda sua construção artística. Seja na poesia, com descrições de cenários ou petições de amor entre os homens, ou no grafite, com rebeldia e alusão a liberdade, sempre que há uma brecha, o garoto abre o coração.

Ao conversar, Felipe se mostra tímido, talvez medroso e com certeza cético. Talvez a sua espontaneidade que permita tais percepções. Felipe é claro e não sente vergonha de seu jeito. De barba grande e cabelo bagunçado, suas características transparecem pelo sorriso – ele sorri com os olhos e os lábios acompanham. Chega a ser sedutor. O linguajar é livre. Felipe não se incomoda com as palavras. Apesar de um empório lírico nos textos, os seus dizeres são desprendidos de aceitação ou reputação. Gírias são presentes, opiniões também. Daí nota-se uma diferença entre o homem e o artista.

Chamaremos o homem de Felipe e o artista de Arco para ser possível distingui-los. Felipe é mais tranquilo, desgarrado e batalhador. O Arco parece ser mais exigente, maduro e didático. Na correria do dia-a-dia, os dois caminham juntos ou separados, depende da circunstância. Arco é inspiração, é referência. Felipe é guerreiro, é exemplo. Exemplo de um jovem que tinha um dom e um proposito e os queria deixar fluir. Por acreditar no Arco, Felipe lutou, venceu e tornou-se poeta. E com passar do tempo, também se fez grafiteiro.

Foi no metrô de Belo Horizonte que toda sua poesia ganhou notoriedade. Em busca de público, Arco escrevia e vendia sua poesia por apenas R$0,50. Entre um vagão e outro, o ainda garoto tentava inserir ideias e inspiração em seus leitores de momento. Ele queria ganha-los, e conseguiu.

Felipe é da rua, do povo. Gosta de pintar e ver filme. Tem admiração pelos infinitos tons da cor azul. Tem preferência pelo sabor azedo. É apaixonado por limão e por pratos que levam a fruta. Sonha marcar a história e ser feliz. Acredita que político seja todo ser que se preocupe com o bem da comunidade, bem mesmo, como a palavra vinda do grego significa. Acredita que cada ser e povo tem sua cultura e considera linda a pluralidade cultural. Diz que o ser humano devia ser mais respeitoso com as diferenças e entender o valor presente em todas as manifestações artísticas. Defende a arte.

Foi há dez anos, ainda aos treze, que Arco entendeu que seu lugar era na arte. Foi exatamente quando conheceu mais afundo da cultura Hip Hop. Mas foi nos últimos quatro anos que ele a tornou um propósito. Hoje, além de propósito, a arte é um ofício, tanto para Arco quando para Felipe.

Ele se lembra bem do dia que se deu conta do sentido da poesia. Foi quando uma criança, de aparentes três anos, segurava um de seus trabalhos e se entretinha com o papel, que por sinal estava de cabeça para baixo. De imediato, Arco pensou “até criança que não sabe ler entende poesia”. Depois veio o choque de realidade e Arco se deu conta de que o que vale não é a arrecadação. A função do artista não é entreter. É inspirar. E ele trabalhou a inspiração.

Arco comenta de inúmeros casos de pessoas que o procuraram para contar com se sentiram ao ler sua poesia. O garoto compreendeu finalmente que ele não escolheu a arte, foi a arte que o escolheu por necessidade. Como se ela o quisesse para ser uma espécie de portão entre a subjetividade e a realidade. Neste dia Arco e Felipe se misturaram e se tornaram um só – Felipe Arco. Para a transição, inspirações não faltaram. Foram muitas. As mais fortes, segundo o próprio, são Gandhi, Basquiat, Renato Russo, Leminski e Mano Brown. “Acredito que sou uma mescla desses artistas. Tem muito deles em mim”, ele diz. Forte também foi a presença do Rap em sua vida. Rima improvisada e impulsão nas palavras poderiam ter o tornado um MC, mas ele não trilhou este caminho. E desta rebeldia nasceu a paixão pelo grafite.

Novo e artista.

Felipe Arco já se considera um escritor e um grafiteiro. Comenta que escreve para desabafar e para se esvaziar. “Escrevo por necessidade, pra mudar vidas e tocar corações. Fazer a revolução em cada vida é meu maior objetivo” ele diz. Sua poesia é confusa em um ponto: a dedicatória. O poeta tem intimidade com as palavras, a impressão é que ele escreve diretamente para alguém. Que os demais leitores saibam captar! Ao ser questionado sobre a possível dedicatória, o poeta confessa que nem sempre escreve para alguém, mas na maioria das vezes sim. Ele acredita que é mais verdadeiro.

Sexo não é um tabu na obra de Felipe. Ele trata a relação com naturalidade e formosura. Em um de seus poemas, o qual ele descreve uma relação com uma mulher, o poeta torna o corpo da parceira uma verdadeira obra de arte e deixa o prazer em segundo plano.

A preocupação é com a descrição de um momento de união entre homem e mulher. “Acredito que o sexo seja algo natural do ser humano, uma ligação maravilhosa e única. Eu acho fascinante a forma que duas pessoas podem se ligar, por isso escrevo”, explica. Com estas palavras, outra vez, nota-se a afinidade pelo amor. Desta um amor carnal e dual, o qual é o tiro de largada para a vida.

Apesar de Felipe confessar que não há um critério para determinar o que escrever, é notável um encaixe semântico de rimas ao longo dos versos. Geralmente, os poemas do artista nascem de uma única palavra, de forma bem natural. “A medida que as coisas vão desempenhando, as palavras soam na minha mente e assim nasce o processo criativo”, confessa.

Tato, paladar, audição, visão e olfato, os sentidos do corpo humano, aparecem, não como sensações, mas como identidade, na obra de Felipe. O jovem dá uma brecha para o leitor absorver e sentir o ambiente de sua imaginação. Ele é certo de que tal absorção depende da concentração e sensibilidade de cada um, mas acredita neste caminho. Jogada inteligente. Oferecendo uma paisagem não vista, é causada a curiosidade no leitor e, de certo modo, o torna fiel.

O Escritor

O Felipe escritor é um cara que não aceita viver de outra coisa. Poesia é o que move o coração dele. Liberdade é o bem maior da sua vida e escrever é isso para ele. Outra característica é a humildade. Felipe é humilde, não com as palavras, mas sim com os seus ídolos. “Obrigado é o que eu diria se caso visse um deles”, confessa o rapaz. “Também diria que palavras mudam vidas, inclusive mudaram a minha” conclui. Sempre a um passo de distância do seu entrevistador, o Artista parece preservar pelo limite entre leitor e ídolo. “Acho que tanto o escritor, quanto o leitor tem uma vida particular. Saber separar vida pública se vida privada é o ideal, pois muitas vezes rola uma invasão desnecessária”, comenta.

Como todo bom artista inspirado, o nosso não deixa de escutar música brasileira. Sempre com um fone de ouvido, Felipe predilecia a escuta de suas melodias favoritas antes de escrever, durante não. Ele é disperso, perde a concentração fácil. Ainda mais se for um Rap, Raggae ou MPB, na caixa de som.

Depois de tanto sentimento meloso, a impressão que fica é que nosso personagem é apenas romântico. Mas não. Felipe é agitado também. Talvez por isso que se familiarizou com o seu segundo dom, o grafite. “O grafite me chamou atenção desde a primeira vez. Foi amor à primeira vista. Eu sabia que aquilo tinha vindo para ficar”, comenta sobre o primeiro contato com a manifestação artística.

Treino. Treino. E treino. Esse é o caminho para se tornar um bom grafiteiro. Habilidade está longe do pensamento de Felipe. Para ele, tudo é uma questão de passo-a-passo unido da inspiração. E se perguntarem ao rapaz o que é o grafite, ele não mede palavras e brilho no olhar para responder.

“Considero o Graffiti uma arte marginalizada, assim como o pixo é a voz da cidade. Uma parede colorida tem um poder transformador”, respondeu. Sua preferência é a utilização de cores diversas, mas confessa que preto e o branco tem seu valor. O homem, que se torna um garoto brincando um giz de cera, ao desenhar. A latinha de spray em sua mão é manuseada com tanta facilidade e precisão que parece até uma refeição. E, ao contrário do nosso sistema digestivo, ele come a imperfeição e defeca a perfeição. Uma parede desgastada, velha e úmida, nas mãos de Felipe se tornam uma tela. Se há ele for dado alguns minutos, uma Monaliza pode nascer. A percepção pode não ser a mesma de Da Vince, mas a pureza da obra sim. Ele é transformador.

Para ele, não há um parâmetro para concluir a coloração e a tonalidade correta. Tudo depende da obra a ser feito, da mensagem por trás desta obra e do local onde ela será feita. Felipe compara o grafite com a pintura clássica, mas teme o preconceito. “ É impossível ser traduzido, mas é um dos poucos momentos em que me sinto pleno. Apesar de estar ganhando algumas galerias, o preconceito ainda é muito grande. Principalmente com o real Graffiti”, ele diz.

Depois de ganhar o metrô, o moço ganhou a rua, e dela não quer sair mais. Ele balança a cabeça em sinal negativo e rir timidamente quando a pergunta é sobre quantas obras grafitadas ele já fez. Já há quase quatro décadas, a arte mistura ideias e revoluciona a cidade. Felipe concorda.

E apesar do preconceito da sociedade contra o grafite, o Artista não tem preconceitos contra uma prima desta arte – a pichação. Mesmo sabendo que o ato de pichar é tratado como crime, Felipe prefere não observar desta forma e dá ao pichador uma posição de libertador dos próprios monstros.

“O pixo, apesar de ser uma transgressão, não deixa de ser arte. Tem um processo criativo, tem uma mensagem por trás também. É um outro fenômeno, mas que é muito criminalizado” é o que ele pensa a respeito.

Agressivo é a melhor palavra para utilizar ao tratar o Felipe Arco grafiteiro. Diferente do Felipe poeta, no qual a melhor palavra é amoroso. A pergunta que este texto reponde é: Dá para manter dois sentimentos tão extremos acesos juntos ou realmente é necessário se dividir em dois para viver cada um deles?

Um jovem apaixonado por adrenalina. Se preocupa pouco com estética. Dá maior importância ao amor. Vive num mundo onde a importância é a mensagem por trás da realidade. Às vistas do seu público, Felipe Arco é apenas um, mas no íntimo de quem o observa com o coração, o jovem apostador é dois. Sob sua percepção de si mesmo, o Artista pode ser quantos quiser, basta sentir.

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