Alexandre Beck traz Armandinho à BH

Alexandre Beck traz Armandinho à BH

No sábado, 15, o agrônomo publicitário e ilustrador Alexandre Beck veio à Bienal do Livro e conversou com o Jornal Contramão sobre o seu trabalho com Armandinho. A tirinha de sucesso traz uma criança como personagem principal e, mesmo com os limites da idade, contesta o mundo como poucos fazem. Beck falou sobre como surgiu a tirinha, qual o seu futuro e o que é esperado dessa nova geração de leitores. Após a entrevista, o desenhista participou de um bate-papo com os presentes e realizou uma sessão de autógrafos com os fãs.

Como surgiu?

“O Armandinho nasceu de um momento de urgência. Eu tinha outros personagens de uma tirinha no jornal. E me ligaram da redação e falaram, ‘a gente precisa de três tiras pra ilustrar uma matéria que vai sair amanhã’, e não dava tempo pra desenhar. Eu tinha acabado de retornar para o Jornal e não me senti a vontade em dizer não. Então peguei um bonequinho que já tinha pronto de outro trabalho e coloquei no espaço das tiras, rabisquei as pernas e falei, aqui é o pai e aqui é a mãe, mandei pro jornal e funcionou. O jornal gostou e eu também.”

A construção do personagem:

“Eu não fujo muito da linha de raciocínio do Armandinho, tenho filhos e observo muito eles. Desde 2000 faço trabalhos aproveitando os conhecimentos da agronomia, sou formado na área. Comecei a fazer trabalhos de quadrinhos educativos, voltados ao meio ambiente, e usava personagens infantis. Nas tiras que tinha no jornal meus personagens eram adultos, mas eu fazia muitas críticas. Então desde 2000 venho me exercitando pra fazer esses trabalhos tentando ver o mundo do ponto de vista da criança, pra passar informação que era voltada pra crianças. Quando surgiu o Armandinho juntei essa experiência que tinha dos quadrinhos educativos com a experiência e visão crítica das tirinhas que eu tinha no jornal e coloquei em um personagem só. Acabou sendo assim, continuo aprendendo com as crianças até hoje, reaprendendo a ver o mundo como elas.”

O objetivo:

“Meu objetivo é discutir comigo mesmo, a principio. Na página do Facebook consigo discutir com muita gente, aprendo muito com isso, mas meu objetivo foi sempre discutir comigo mesmo, eu mesmo pensar e eu mesmo refletir.”

Ao ser questionado o autor também brincou sobre a possibilidade de inverter a visão nas tirinhas e sobre mostrar por completo os pais, já que nos quadrinhos é mostrado apenas as pernas desses personagens. “É uma boa ideia. Nunca tinha pensado nisso. Quando fiz as três primeiras tiras foi por acaso, foi na pressa, precisava dos pais ali. Depois eu considerei colocar. As pessoas pedem muito pra que eu deixe elas verem se o Armandinho é parecido com o pai ou com mãe. Cheguei a considerar desenhar eles, mas o fato de não desenhar os pais me dá muita liberdade de trabalhar preconceitos. O ponto de vista dos pais as vezes coloco naquela tirinha do pai ou a mãe falando com o Armandinho. É realmente algo a ser considerável, mas acredito que não passe a mostrar os adultos. Eu acredito que as crianças merecem ser mais vistas que os adultos”.

O protagonista é usado para retratar vários questionamentos da sociedade. Um deles é o preconceito. Primeiramente para gerar uma indagação do leitor ele colocou de uma forma que “ninguém sabe a cor de pele dos pais do Armandinho, do tipo de cabelo, se eles são gordos ou magros” explicou Beck.Também é usado um outro personagem recorrente no desenho para discutir essa questão. “O sapo é vítima de preconceito na sociedade. Dizem que o Sapo faz xixi e deixa a gente cego e o sapo é um bicho inofensivo, é muita crueldade. Alguns sapos tem um veneno na pele, mas é só não colocar na boca. Se não morder o sapo está tudo bem (risos)” disse.

O que o incêndio da Boate Kiss tem a ver com o personagem?

Quando saí de Santa Catarina e fui morar no Rio Grande do Sul, uma coisa que marcou muito a minha vida foi aquele incêndio que teve em uma boate em Santa Maria. A gente já morava lá, minha esposa era professora da federal e perdeu alunos com isso, e a gente sentiu toda essa angústia da cidade, a gente estava envolvido com aquilo. E isso me deu um certo sentido de urgência. Eu estava ali com o material que é uma espécie de comunicação, e podia usar isso pra questionar e rediscutir algumas coisas. Então a partir daquele momento o meu sentido de urgência aumentou. Acho que a gente tem que discutir algumas coisas e o Armandinho acabou me ajudando nisso. E essa tirinha foi um desabafo meu e depois a minha esposa disse que também era o que ela estava sentindo. Foi a primeira tirinha que foi largamente compartilhada e essa era a angustia que muita gente estava sentindo. E ela nunca foi publicada em um jornal, só na internet e assim se espalhou. Essa foi talvez a tirinha mais doída de ser feita, e ela serviu pra abrir um pouco o coração”.

           Armandinho


E essa nova geração…

“Quando começou a tecnologia e toda essa corrida tecnológica o objetivo era termos mais tempo pra coisas mais importantes, inclusive cuidar dos filhos. Mas aí todo mundo está em uma competição, numa correria e cada vez tem menos tempo. E os pais acabam dando uma tecnologia para os filhos como se ela fosse ocupar o espaço que ele tinha que ter com os filhos, e eu acho isso uma grande perda. E isso vai ter consequências. Ler um livro com o filho à noite, fazer o filho criar esse gosto, a gente tem universos incríveis nos livros. Eu acho que precisamos resgatar isso. Ou a gente resgata nisso ou vamos entrar por um caminho que daqui um tempo vai ter consequências muito ruins.”

Novidades?

“Em relação ao meu trabalho não. A grande novidade pra mim é que eu nunca estive em uma feira desse tipo. É a primeira vez que eu vim falar de um personagem aqui em Belo Horizonte. Pra mim é tudo novidade, acho que o mais espantado e ansioso aqui sou eu.”

Texto e foto: Ítalo Lopes

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