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“Meu trabalho consiste em levar soluções eficientes às famílias, casas e as empresas, de forma em que haja mais qualidade de vida às pessoas”

Por Italo Charles

Organizar espaços e torná-los funcionais nem sempre é uma atividade fácil. Para muitas pessoas pode parecer uma tortura, mas para outras pode ser algo prazeroso e até mesmo  uma profissão.

Em meados da década de 1980, nos Estados Unidos, um grupo de amigas empreendedoras – Bewerly Clower, Stephanie Culp, Ann Gambrell, Maxine Ordesk  e Jeanne Short – se reuniram para oferecer serviços de organização na cidade de Los Angeles.

A partir de então, a prestação de serviços do grupo ganhou grandes proporções e em menos de três anos fundaram a National Association Productivity & Organizing, que atualmente conta com mais de 4 mil membros.

No Brasil, a atividade de organização se iniciou por volta dos anos 2000. Não há registros da primeira pessoa que começou a atuar nesse ramo de forma profissional no país. Mas sabe-se que a maioria começou auxiliando familiares e amigos.

Ao decorrer do tempo, os serviços prestados foram crescendo e em 2006 profissionais da área se juntaram para criar uma associação a fim de subsidiar e regulamentar a profissão, porém apenas em 2013 que de fato a Associação Nacional de Profissionais de Organização e Produtividade (Anpop) foi estabelecida.

Mas, ainda hoje existem rumores e desconhecimentos sobre a profissão  e atuação de Organizers no Brasil. Em entrevista ao Jornal Contramão, Karina Carneiro Elian Costa, personal há três anos e proprietária da Kaetrenos Organização, fala sobre a profissão e dá dicas de como deixar o home office mais organizado e eficiente.

 

Como você descobriu a área de atuação como “Personal Organizer”? 

A organização sempre foi um dom, um hobbie e uma ferramenta de organização dos próprios sentimentos e emoções (organizar algo ou algum ambiente, sempre foi para mim uma forma de me organizar internamente).

Mas, como nenhuma profissão se faz apenas com dom ou habilidades, comecei a ver a possibilidade de profissionalizar esse, até então hobbie, a partir do olhar de amigos próximos, familiares e posteriormente, alguns programas de canais fechados de TV.

Após pesquisas, descobri que a profissão já existia fora do Brasil há mais de 20 anos, mas aqui (Brasil) ainda não era conhecida e muito menos regularizada. Comecei então a ler a pouca literatura existente antes de me profissionalizar em um curso e, como pedagoga de formação, reconheço que é um mercado que exige muito conhecimento (de diversas naturezas).

E, claro, com um olhar empreendedor de natureza, esses conhecimentos foram aos poucos, ao encontro das necessidades das pessoas ao meu redor. Organizar a casa, organizar o espaço de trabalho, a agenda, entre outros.

Apesar de parecer uma novidade, a profissão de Personal Organizer surgiu na década de 1980 nos Estados Unidos,

 

Quais foram/são os maiores desafios? 

No início, confesso que o maior desafio era enxergar a atuação de organizer como profissão reconhecida e valorizada. A grande maioria da população brasileira não sabia o que era (o que ainda é uma realidade hoje) ou, achava que era um serviço supérfluo e destinado à Classe A.

O meu maior desafio hoje é apresentar o serviço de organização para todos os níveis sociais. Mostrar como a vida organizada (interna e externamente) traz inúmeros benefícios e, não necessariamente é preciso ter a casa mais bonita, decorada, os melhores organizadores e etc.

Hoje a profissão tem crescido bastante, mas ainda é preciso percorrer um longo caminho, sobretudo no que diz respeito a valorização de mercado.

Infelizmente, muitas pessoas ainda acham que é só ter o dom e acabam entrando no mercado sem qualificação, o que desvaloriza a profissão.

 

Como funciona a rotina de um profissional Personal? Há passos fundamentais a serem seguidos? 

Sim… Há alguns passos fundamentais na minha rotina de organizer.

O primeiro deles é ouvir o cliente: entender um pouquinho da sua rotina e quais as suas principais queixas em relação à organização atual do seu espaço. Também é  dar a oportunidade de conhecer melhor como funciona o trabalho, o portfólio e esclarecer as suas dúvidas, etc.

A partir daí, começamos o trabalho na visita técnica. É nessa visita, que pode ser presencial ou através de vídeo conferência e até mesmo por vídeos e fotos, que consigo entender a real necessidade do meu futuro cliente, qual a sua rotina, espaço e o que ele espera de mim. 

Uma Personal Organizer não organiza apenas closets, o serviço é amplo e pode ajudar em qualquer âmbito da vida de uma pessoa, desde a organização de documentos, mudanças, residências e empresas inteiras!

Nessa hora muita gente fica com vergonha, com medo do que a personal organizer vai pensar quando ver a bagunça. Mas, um profissional sério não tem olhos julgadores para o espaço. E pode acreditar que, com nosso olhar apurado, até a bagunça nos ajuda a entender o que não está funcionando ali e buscar soluções que tragam um resultado eficiente. Quanto mais soubermos sobre a rotina no espaço a ser organizado, melhor será o resultado da organização.

É o resultado desta etapa que vai me permitir criar o projeto com mais eficácia e esclarecer o que pode ser esperado do resultado da organização do seu espaço.

Essa é a próxima etapa: criar um projeto baseado no que foi conversado e visto do local, apresentando as soluções pensadas para aquele cliente especificamente. Ou seja: tudo é personalizado porque ninguém tem o mesmo espaço, a mesma quantidade de objetos, a mesma rotina.

No projeto, além das soluções, também envio o orçamento e a quantidade de tempo que será necessária para a transformação acontecer. Não existe uma tabela de preços. Cada profissional decide o seu preço e, em geral, leva em conta a sua experiência, os custos necessários para manter a sua estrutura, entre outras questões. Assim como em qualquer profissão.

Na maior parte dos projetos, também sou eu quem faz a compra dos produtos organizadores, previamente acordados com o cliente. O que também é opcional. Trabalho de uma forma que tento, ao máximo, otimizar e aproveitar tudo o que o cliente já possui. Mas, é claro que, na maior parte das vezes, como as pessoas não costumam investir tanto nisso ou não possuem conhecimento específico em organização, é necessário levar itens básicos que permitirão a “mágica” da organização acontecer.

Uma Personal Organizer também ajuda a cliente a se livrar de objetos que fazem mal emocionalmente para ela (e). Orientar e escutar é uma das rotinas cruciais na organização. 

Como o mercado e o público entendem a profissão e atuação dos profissionais? 

Quando comecei, esse era um grande mercado adormecido no Brasil, o da organização pessoal, residencial e corporativa. Não havia empresas, sites ou blogs que falassem tanto assim no assunto.

Porém, o mercado tem estado cada vez mais aberto e o tema organização e produtividade tem sido referência constante na mídia. Novas empresas, blogs e sites surgem a cada dia. Principalmente pelo fato de que, na pandemia, as pessoas passaram a conhecer melhor os seus lares, e assim, passaram a enxergar os “vilões” de um espaço e uma vida desorganizada. 

Os tempos modernos fazem com que o tempo fique mais curto e mais valioso. É nesse cenário que o trabalho de um Personal Organizer passa a ganhar um papel cada vez mais importante. A tendência é que as pessoas utilizem seu tempo com a sua família, com o lazer ou com o seu próprio desenvolvimento pessoal. 

Hoje, também cresce a compreensão da necessidade de se otimizar os espaços residenciais (mais praticidade e economia) e de trabalho (mais produtividade e menos stress) e, para alcançar tudo isso é necessário organizar, e é exatamente aí que entra o Personal Organizer, oferecendo serviços, orientação e soluções para uma vida mais organizada, e claro, com mais praticidade e produtividade.

Se ficarmos atentos, considerando que tudo evolui, assim como no mercado americano, que já tem quase 30 anos de desenvolvimento, iremos entender que há muito ainda por acontecer por aqui. Até o mercado do varejo está mais atento ao mercado da organização. Grandes lojas já contam com setores específicos para a venda de produtos desse segmento.

 

Acredito que exista um tabu em relação à profissão e que muitas pessoas acham que não é pra elas por ser “caro”, como mudar essa visão? 

Esse tipo de serviço foi por muito tempo e ainda é considerado para para uma classe mais provida de recursos financeiros. É aí que entra um dos meus diferenciais no mercado pois, a organização está para todos, e nos mais variados aspectos das nossas vidas.

Por muito tempo, a organização estava associada a um espaço planejado, decorado, estruturado e, principalmente, para quem tinha espaço. Com a mudança dos espaços residenciais para casas cada vez menores, as rotinas de trabalho e cada vez mais corridas das pessoas e com isso, a falta de tempo, a organização se faz necessária para todas as pessoas. Com ela, deixamos de perder tempo, multiplicamos o espaço que temos, alcançamos uma vida mais produtiva e temos mais prazer em nosso dia a dia. Bem estar é tudo!

 

O serviço de personal organizer não está condicionado somente a casas, certo? Em quais outros espaços ocorre essa atuação? 

Os clientes estão em todos os lugares e as necessidades de uma vida organizada se fazem em todas as áreas. Com os diversos cursos existentes no mercado hoje, já temos especialização para as diferentes demandas: residencial (que é o mais demandado), pré e pós mudanças, organização corporativa, organização baby e infantil, arquivos digitais, organização de fotos e documentos, organização de barcos, luto, malas/viagem.

Depende da segmentação que você fizer do seu negócio. Algumas organizadoras só dão consultoria. Outras, só organizam armários.

Com o crescimento do mercado, as organizadoras profissionais estão se especializando cada vez mais.

Durante esse período de pandemia em que as pessoas estão a maior parte do tempo em casa, trabalhando em casa, fica até difícil manter uma organização  e talvez, para além disso, dificulte o seu trabalho.  Como tem sido atuar nesse período, quais os desafios e, sobretudo, como as pessoas podem manter o espaço de casa e trabalho organizados? 

De fato, o período da pandemia trouxe um olhar extremamente diferenciado para os ares, adicionando esse ambiente fundamental nos dias de hoje: o home office.

Não é tão difícil assim criar esse ambiente de produtividade, mesmo para aqueles que não possuem um escritório em casa, ou seja, um espaço para ler, trabalhar, produzir…A importância de se manter um escritório em casa organizado vai além da questão estética, auxiliando também na concentração e aumentando a produtividade.

Como personal organizer, recebi muitas demandas de auxílio/consultoria, para organizar e até mesmo criar esses espaços nos lares. O maior desafio do momento, é estar auxiliando meus clientes presencialmente. Porém, com a tecnologia a nosso favor, tenho me re-inventado e criado atendimentos adaptados para trazer soluções ao meu público.

No exemplo do home office, é importante que esse espaço seja pensado de forma específica dentro de casa, através de local que não tenha tanto barulho, que sejam aproveitados ambientes com iluminação natural

Crie um local (casinha) para todos os objetos necessários para o trabalho (agendas, canetas, blocos, fios dos eletrônicos, papéis, livros…) 

Utilize mobília, tapetes e divisórias como painéis móveis para criar múltiplos espaços e aumentar a funcionalidade

Use acessórios organizadores como caixas e revisteiros para manter os itens guardados (nesse caso, para quem não tem gavetas disponíveis). Opte sempre pelos organizadores móveis

Mantenha a mesa limpa: quanto menos objetos espalhados, maior a sensação de limpeza e organização

 

Sua conta no Instagram é bem ativa, como surgiu a ideia de usar a Internet como complemento do seu trabalho? 

Acredito muito no poder da internet há algum tempo. Claro que hoje, além de importante, usar esse espaço é essencial. A melhor forma de ser visto e reconhecido, sem dúvida.

Como comecei na organização atuando como pedagoga empresarial, essa foi uma maneira de dizer às pessoas não próximas a mim que esse também seria o meu trabalho. Fez parte do processo de transição de carreira, me estabelecer como P.O e ser vista assim. 

Existe a possibilidade de prestar o serviço de personal organizer virtualmente? 

Claro!! E como dito anteriormente, após a pandemia, foi necessário me reinventar e deu super certo. Até mesmo para aquelas pessoas que achavam ser impossível contratar uma personal organizer, essa também foi uma solução. Hoje em dia, além da consultoria online, onde conheço virtualmente o espaço do cliente e apresento as melhores soluções, também faço a venda dos acessórios (atualmente estou desenvolvendo uma linha de produtos organizadores que já conta com colméias organizadoras, ganchos e planner), e material exclusivo ensinando as técnicas (dobras) em um ou dois encontros virtuais. A pessoa executa, mas todo o projeto é proposto por mim e acompanhado.

 

Conheça mais sobre o mundo da organização acessando o perfil de Instagram @kaentrenos.organizacao da Karina.

 

“Organizar é solucionar!!!

E todo mundo merece uma vida e um ambiente em ordem”  – Karina Carneiro

 

*A entrevista foi produzida sob a supervisão da jornalista Daniela Reis

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A semana começa com um  texto do e-book “Escrita Criativa: O avesso das palavras”, produto final do projeto de extensão conduzido pela escritora e  professora do Centro Universitário Una, Geanneti Tavares Salomon. 

A produção é de Larissa Medeiros, que é estudante de Publicidade e Propaganda na Una e contadora de histórias desde que se entende por gente. 

Mulher de vinte

Larissa Medeiros

As luzes estão apagadas quando chego, a casa está silenciosa, exceto pelo som da televisão na sala. Vejo Daniel dormindo na poltrona, os óculos escorregando para a ponta do nariz; ainda de sapatos e com a roupa do trabalho, caiu no sono assistindo a um programa qualquer de entrevistas. Decido dar uma olhada nas crianças primeiro, subo as escadas pisando o mais suave que consigo, abro a porta, que range um pouco, mas que não incomoda duas pequenas criaturinhas enroladas em seus cobertores. Beijo a cabeça de cada um e sinto o cheiro de xampu nos cabelos, um livro de fábulas está caído no chão e tenho certeza de que fizeram o pai lê-lo ao menos três vezes antes de pegarem no sono. Sorrio, eles são a melhor coisa que eu poderia ter feito no mundo.

Desço as escadas e vejo a TV desligada, Daniel agora está escorado no balcão da cozinha com um copo na mão; ele ergue os olhos pra mim, e por um momento tenho certeza de que ele sabe. Que consegue ver algo em meus olhos, que sente o cheiro a metros de distância. Mas ele sorri, um sorriso cansado. Me aproximo e o beijo de leve, ele toca minha cintura – não segura, não puxa, apenas toca. Ele diz que vai pra cama e, apesar do semblante abatido, sugere algo na voz. Ouço-o arrastar os pés pelos degraus, mas me permito um momento a sós na cozinha.

Passo os dedos pela bancada cara que terminamos de pagar há pouco tempo, e sei que é uma vida boa. Daniel é um bom homem. E é por isso que não conto, porque nenhuma vez é culpa dele, nenhuma vez é para machucá-lo. Quando me deito na cama de outro homem, faço isso por mim mesma. Faço isso pela garota de vinte anos que, num momento de carência, ligou pro cara que ela tinha certeza de que iria correndo feito um cãozinho bem treinado e, num descuido, fez um bebê com ele. Faço isso por tudo o que perdi desde então, todas as noites em que troquei taças de champanhe por mamadeiras. Sexo selvagem no sábado à noite por sexo conveniente no domingo à tarde. Todas as viagens que poderia ter feito, todos os caras que poderia ter conhecido e por quem poderia ter me apaixonado loucamente.

Apago as luzes e subo para o quarto, Daniel está no banho. Por um milésimo de segundo, me ocorre entrar no chuveiro com ele, mas então penso em todo o tesão e empenho que teria que colocar nisso, e acabo indo pro banheiro das crianças do outro lado do corredor. Quando volto, ele está sentado na cama com a luz do abajur acesa e quando me deito, ele a apaga. E ele não faz ideia de como odeio isso, de como odeio que ele não queira ver meu corpo. Ele toca em mim com gentileza, mas sem paixão. Como se fôssemos fazer a lista de compras pro mercado, e não sexo.

Então, quando um cara charmoso fez eu me sentir jovem e desejável outra vez, eu cedi. Uma aventura boba e sem significado, uma estupidez. Uma noite para não pensar em trabalho, casamento, filhos ou qualquer coisa pela qual os adultos se matem. Uma noite pra ter vinte anos de novo e fazer sexo sem amor, sem medo de acordar as crianças no quarto ao lado ou de ouvir ele dizendo que não, não quer tentar uma posição nova. E quando a embriaguez passou, juro que me arrependi. Me senti suja e mentirosa, covarde.

Mas tudo sempre recomeça. Na segunda, uma crise com os filhos e você precisa perder um dia inteiro de trabalho numa reunião na escola. E esse dia perdido significa muito quando as contas chegam na terça e você não tem ideia de como pagar mais uma prestação do maldito carro que você nem queria. Mas comprou porque sua amiga Cláudia da faculdade tem um igual e, quando vocês saem pra almoçar na quarta, ela diz que você precisa retocar o botox, o que só te lembra o quão velha você está ficando. Te tirando totalmente a vontade de vestir uma lingerie nova na quinta e acaba transando com uma camiseta manchada de molho. E é tão frustrante, que quando a sexta chega e você, só por um dia, pode fingir que é jovem e sexy, e que pode tomar quantos drinks quiser – mas só toma dois, porque no dia seguinte tem alguma apresentação de escola e você não pode estar de ressaca –, você não resiste.

Eu não deveria pensar em prestações ou botox enquanto a respiração de Daniel está ofegante no meu ouvido. Enquanto ele pressiona meu seio por cima da blusa que ele nem se deu ao trabalho de tentar tirar. Às vezes finjo um orgasmo, mas em dias como hoje ele está cansado demais para notar.

E não o culpo, não vou obrigá-lo a me fazer gozar quando sei que ele precisa acordar cedo para levar as crianças pra escola, enfrentar trânsito para chegar ao trabalho e aturar um emprego que odeia, mas que nos permite viajar duas vezes ao ano.

E é por isso que não conto a Daniel. É injusto, eu sei. Mas quando sinto um homem que não é meu marido dentro de mim, não é no pecado que penso. Não penso em abandonar minha família, em largar meu emprego, em sumir no mundo com um cara quase dez anos mais novo que eu. Não poderia fazer isso. Quando sinto um homem que não é meu marido dentro de mim, não é no pecado que penso. É na liberdade. Na liberdade de poder ser uma pessoa que não existe mais, de ser a mulher que eu queria ter sido, de dar a ela a vida que ela merecia. Esquecer só por uma noite a vida tranquila e confortável, mas que não traz novidades. As responsabilidades de ser uma boa profissional e ao mesmo tempo uma boa mãe, que é exaustivo. E principalmente, o marido gentil e excelente pai, mas por quem nenhuma de nós duas jamais esteve apaixonada.

Sinto que ele vai gozar, não tento impedir, não tento fazer durar mais. Seu corpo relaxa e ele me puxa pra perto, Daniel nunca foi o homem que simplesmente deita de costas e pega no sono, ele me abraça e beija minha testa e sussurra que me ama. E sussurro de volta. Não é uma completa mentira, eu o amo quando brincamos com as crianças no quintal, o amo quando vamos à casa dos meus pais e eles riem juntos por horas, o amo quando ele assa biscoitos no natal. Eu só não o amo da forma como uma esposa deve amar um marido. Desesperada e irrevogavelmente.

Quando ele está quase adormecendo, ouço uma voz chorosa no corredor e rapidamente me levanto dizendo para ele não se preocupar. Depois de uma música de ninar para afastar pesadelos, não volto pra cama imediatamente, caminho pela casa por um tempo. Como um fantasma, como alguém que não devia pertencer a um lugar bonito e cheio de vida. Como alguém que por destino ficou preso ali. Acorrentado. Se lamentando pela vida que teve – ou pela que não teve. Esperando pela hora certa de se libertar. Esperando pra descobrir como se libertar.

 

Para acessar o e-book completo clique no link.

 

 

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Por Bianca Morais

Hoje, 19 de março, é dia de São José de Nazaré. Biblicamente falando ele é o esposo da Virgem Maria e pai adotivo de Jesus Cristo. Além desse título, São José ainda é tido como “Padroeiro dos Trabalhadores”, de acordo com a tradição cristã, ele era carpinteiro, praticava ofício de maneira artesanal, e por conta disso, divide sua data comemorativa com a linha de profissionais que o tem como protetor, 19 de março também é então Dia Mundial do Artesão.

Artesão é aquele indivíduo que pratica arte ou ofício que dependem de trabalhos manuais. São produtos feitos de formas únicas, por mãos de profissionais que depositam toda sua dedicação para produzir algo exclusivo.

Os produtos artesanais fogem daquela linha de produção em série das indústrias e são encontrados por todo o país, principalmente em feiras livres e eventos de exposições. Na capital mineira existe uma das maiores feiras de artesanato do país, que também é um dos principais pontos turísticos de Belo Horizonte, a Feira de Artesanato da Afonso Pena, popularmente conhecida como Feira Hippie.

Antes da pandemia, todos os domingos, a avenida, que é uma das mais movimentadas da capital mineira, se fechava para receber artesãos e visitantes. Por lá se encontrava de tudo, arranjos decorativos, móveis rústicos, cestos, tapetes, cortinas, calçados, bolsas, bijuterias, vestuário adulto e infantil, enxoval para bebês, brinquedos, pinturas, esculturas e muito mais, quase tudo feito a mão pelos expositores. Atualmente, a feira se encontra fechada para evitar aglomerações, mas muitos desses artesãos continuam a produzir e vender seus produtos de forma online, em sites, redes sociais e aplicativos. Um exemplo é o Fala Feira, um instagram criado exclusivamente para exposição e venda desses produtos na internet.

O artesanato é sem dúvida a profissão mais antiga do mundo e nesse dia não poderíamos deixar de homenageá-los. Hoje o Jornal Contramão conta a história de Maria Aparecida dos Santos Ferreira,também conhecida como dona Cida, uma das milhares de talentos da feira. Ela que cresceu com a feira e dela tirou o sustento para criar seus filhos. 

Cida, a artesã

Linha, agulha, tesoura, cola, arco, bico de pato, fitas dos mais diversos modelos, tamanhos e larguras, decoração à gosto. Esses são os materiais utilizados pela artesã Maria Aparecida dos Santos Ferreira, 68 anos, para produzir a mão seus artigos de cabelo para crianças e vendê-los na Feira de Artesanato da Afonso Pena. O material é este, agora a criatividade de inventar o que vai sair dali com intuito vender é um elemento a mais.

Maria Aparecida, está no ramo de artesanato há 40 anos. Começou seu trabalho como artesã por meio de uma oportunidade que teve de trabalhar com uma senhora, a Dona Carmem. Era Cida que colava as caixas, produzidas por Carmem, e trabalhava em cima delas dando seu toque especial e único para cada uma delas. Essas caixas se transformavam no final em lembrancinhas de casamento, aniversários de 15 anos, ou para qualquer finalidade que o cliente quisesse. 

Através de dona Carmen, Cida, teve a chance de aprender e confeccionar para si própria, foi então que conseguiu sua primeira licença na prefeitura e começou a trabalhar como feirante, na Praça da Liberdade. Na época, conseguir uma barraca era menos burocrático e demorado, diferente dos dias de hoje, que os trabalhadores manuais esperam meses e até anos para receberem a licença para expor seus produtos em feiras ao ar livre. Nesse período, não existiam concorrências, a feira era muito grande e tinha espaço a favor de todos. Na Praça da Liberdade, Cida trabalhou durante muitos anos, todas as quintas e domingos. Lá ela fez seu pé de meia e conquistou sua clientela.

Em 1991, a Feira Hippie, foi transferida da Praça da Liberdade para a Afonso Pena, onde se tornou a maior desse estilo a céu aberto da América Latina.

Um novo lugar, uma nova história 

Cida, com outros feirantes, lutaram muito com objetivo de continuar na Praça da Liberdade, afinal, ali já tinha um ponto fixo reconhecido por seus clientes. A artesã sabia que ao mudar de área precisaria começar de novo e foi exatamente isso que aconteceu.

O recomeço teve início com um sorteio, onde os vizinhos de barraca se perderam, os pontos das barracas foram redefinidos, a feira passou a ser dividida por setor, letra e fila. Maria Aparecida havia perdido seus clientes, ninguém encontrava ninguém, logo, ela precisou se reinventar.

A história recomeçou com o conselho de uma amiga, a Dona Hilda, que sugeriu a ela que aprendesse a fazer lacinhos de cabelos, pois os mesmos sempre foram acessórios obrigatórios nas meninas quando crianças. Dessa forma, a feirante entrou em um novo ramo, agora de arranjo e complemento e comercializava laços, tiaras, faixas, tic-tacs, clips e carequinhas.

Como todo recomeço foi preciso se organizar, planejar, plantar o novo, procurar clientes, tratá-los bem em prol de fidelizá-los. Sua rotina era puxada, chegava à feira todos os domingos às duas da madrugada e finalizava seu dia de comércio às três da tarde. Grande parte dos clientes vinham de fora, a maior parte das vendas eram pelo meio de atacado. A Afonso Pena recebia em média cem ônibus por final de semana, eram visitantes do mundo inteiro. Cida já enviou laços para os quatro cantos do Brasil, além de vender presencialmente para gringos e exportar seus adereços. 

É com muito orgulho que a artesã relata que em seus 40 anos de feira recebeu apenas um cheque sem fundo, que guarda até hoje. Numa época em que não existia máquina de cartão e os feirantes trabalhavam apenas com dinheiro e cheque. Ter tido apenas um prejuízo é muita sorte, garante ela orgulhosa.

Artesãos x China 

Após anos expondo sua arte, dona Cida, acredita que os artesãos de verdade, de linha, agulha e tesoura, perdem muito seu espaço para a China, que é grande produtora em larga escala de diversos tipos de produtos. 

“A China tomou conta da feira hippie, nem se fala que é feira hippie mais. Você vai em São Paulo, compra qualquer coisa a 50 centavos e vende aqui a 5 reais” desabafa.

A principal ferramenta do artesão são suas mãos e o diferencial é a criatividade. Muitas pessoas preferem pagar mais barato em algo industrializado e importado da China, desmerecendo o trabalho desses profissionais milenares, que passam seu ofício através de gerações. No entanto, ainda existem aqueles que entendem o quão especial é ter um produto único, feito a mão, produzido por alguém que saiu de sua casa, pegou ônibus, foi até o centro da cidade, comprou meio metro de fita e desenvolveu com todo cuidado cada detalhe da peça. O que vem da China é barato, mas o valor pago a um artesão pelo serviço, é resultado de muito esforço e carinho depositado em cada produto.  

Um artesão que dedica sua vida àquilo, enfrenta diversas dificuldades para estar ali todos os domingos e entregar suas peças. Tem o perigo de chegar tarde da noite e trabalhar no escuro, enfrentar as chuvas e o sol quente debaixo de uma barraca de lona, e tem também, a dificuldade financeira.

O padrão de consumo tem mudado bastante, ultimamente não são todos os consumidores que têm dinheiro para gastar em supérfluo e acabam por comprar apenas o necessário. No caso de dona Cida, se antes os clientes compravam seus adereços aos montes, hoje as vendas se resumem em uma ou duas peças para uma ocasião especial, onde os laços e apetrechos são considerados peças essenciais, como as datas comemorativas.

São muitas décadas de profissão e Maria Aparecida garante que é preciso gostar muito da profissão. É o prazer de trabalhar durante toda a semana e se encontrar aos domingos com os outros amigos feirantes a fim de vender. Ali tudo se cria e também se copia, e não existe problema nenhum nisso. Cida conta que um criava uma novidade e compartilhava com o vizinho de barraca e assim ela se espalhava. “Eu fazia um modelo, quando é na outra semana elas apareciam com um igual o meu, aí eu pegava o modelo delas e fazia a mesma coisa”.

A feira para Cida é uma segunda casa, é uma família que ela construiu, lá ela conversa, ela ri, chora, brinca. Alguns já se foram, como é o caso da dona Hilda, aquela que lhe ensinou a fazer os artigos de bebê, mas sua herança e seus ensinamentos sempre estarão presentes. Na feira é um por todos e todos por um. Se alguém está prestes a perder uma venda devido a não ter troco, todos se unem com o propósito de ajudar. Alguma pessoa não tem dinheiro para comprar material para produzir, eles se juntam e auxiliam.

Hoje existe uma saudade do que foram esses tempos. A feira, sem dúvidas, é um lugar de aglomeração, e era uma aglomeração boa, todos alegres, trabalhando e comprando, porém a realidade que vivemos atualmente não nos permite isso, infelizmente no momento presente aglomeração é sinônimo de medo. Vivemos em uma pandemia que já levou milhares de vida embora. A grande maioria dos feirantes são de idade avançada e não podem se expor.

Maria Aparecida relembra com carinho e emoção os velhos tempos, em muitos domingos durante a pandemia ela acordou cedo e chorou ao lembrar que não tinha mais feira. Toda vida, a senhora já de idade, gostou de ir trabalhar e acredita que a cada dia que passa se torna mais próximo a hora de entregar sua barraca.

A satisfação de ser uma artesã, dona Cida irá carregar para sempre. As memórias de seus parentes indo visitá-la em sua barraca e elogiar sua mercadoria, a sobrinha que por anos foi sua modelo favorita. Essas lembranças ela não entregará junto com a barraca, essa nem mesmo a pandemia poderá tirar, essas ela irá carregar para sempre consigo.

 

*Edição: Daniela Reis

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Por Bianca Morais

8 de março de 2017, dia das mulheres, Marielle Franco estava na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e fez uma chamada: “Cláudia Ferreira, Jandira Cruz, Eloá, Eliza Samudio”, AO qual o público respondia “Presente”, relembrando mulheres que foram mortas violentamente para que não fossem esquecidas.

Um ano depois dessa chamada, no dia 14 de março de 2018, Marielle foi atingida por tiros perto da cabeça. Os criminosos emparelharam o carro com o dela e efetuaram diversos disparos que atingiram também o motorista Anderson Gomes. A assessora parlamentar, Fernanda Chaves foi a única sobrevivente da tragédia.

O TBT de hoje do Jornal Contramão relembra esse brutal assassinato que completou 3 anos nesse domingo (14), sem solução. Ainda fica a pergunta que nunca se calou: Quem mandou matar Marielle e por quê?

A noite do crime:  

Era uma quarta-feira, dia 14 de março de 2018. Marielle chegou por volta das 19h a um encontro de mulheres negras contra o racismo e o preconceito, que aconteceu na Casa das Pretas, na região da Lapa. Foi seu último evento público. 

Às 21h, Marielle sai do local e entra no carro, no banco de trás junto com sua assessora. O curioso é que ela nunca andava atrás, porém nesse dia em específico se juntou a Fernanda para ver algumas fotos e ainda comentou com Anderson  “hoje vou de madame aqui atrás”. 

O que os passageiros daquele carro não sabiam é que desde que chegaram no evento estavam sendo observados por um “Cobalt”. O veículo chegou um pouco antes de Marielle e ficou de tocaia esperando-a sair. Quando o carro que Anderson dirigia saiu da Lapa, o dos assassinos os seguiu. 

Em determinado trecho do percurso, mais especificamente na Rua Joaquim Palhares, em uma região sem presença de câmeras, com iluminação baixa e saída para vários lugares, os bandidos esperaram uma curva para que Anderson diminuísse a velocidade e então dispararam os tiros. 

A forma como executou-se o assassinato não deixa dúvidas de que foi muito bem planejado. A perícia mostrou que a munição usada por eles havia sido desviada da polícia militar e levantou suspeitas sobre participação de pessoas ligadas à PM. A rapidez do ataque e escolha da arma demonstra uma experiência por parte do atirador, o que leva a crer que era uma pessoa com treinamento para isso.

Às 21h30 daquela quarta-feira, Marielle Franco foi assassinada. Tentaram calar a voz da ativista, mas ecoaram o grito do povo: Marielle Franco? Presente!

Quem foi Marielle Franco?

Mulher, negra, militante, lésbica, de periferia. Socióloga com mestrado em administração pública. Marielle era a representação de vários grupos de minoria da sociedade, entendia na pele todo tipo de preconceito que a sociedade enfrenta e por isso era tão abraçada por muitos. 

Em 2017, Marielle concorreu nas eleições e foi eleita a 5° vereadora mais votada do Rio, com mais de 46 mil votos pelo PSOL. 

Marielle era defensora árdua dos direitos humanos. Ela incomodava, por sua constante busca por igualdade, muitas vezes nomeada pela classe conservadora como “defensora de bandido”. Atuava diretamente na comissão que fiscalizava as ações da intervenção federal no estado do Rio, denunciava violência policial. Marielle perturbava porque batia de frente com a desigualdade.

Para ser escutada, Marielle gritava bem alto, não aceitava ser interrompida, lutou muito para chegar no lugar onde estava. Ocupou um espaço que historicamente mulheres de sua classe não ocupavam. Ela era exemplo, desafiava os limites aos quais a colocaram quando nasceu. Sua história será para sempre lembrada, principalmente, por apesar de ter ultrapassado as barreiras que a cercavam, estudou, fez graduação, mestrado, trabalhou, se tornou parlamentar, e mesmo assim isso não a livrou de ser morta pelo sistema.

Quem matou Marielle?

São três anos de impunidade para um delito covarde e violento contra uma mulher defensora dos direitos humanos e um homem, marido e pai de família. Quem puxou aquele gatilho? 

Em março de 2019, a polícia apresentou dois suspeitos, Élcio de Vieira Queiroz, ex-PM, motorista na noite do atentado e Ronnie Lessa, militar reformado da polícia, atirador. Acusados, porém três  anos após a morte de Marielle, nenhum deles condenado, estão soltos. Dúvidas existem muitas, certezas quase nenhuma. Qual a motivação do crime?

Até hoje a polícia não encontrou uma motivação sólida. Marielle morreu no centro de uma das cidades mais conhecidas do mundo e até hoje sua investigação não teve um fim. Nenhuma resposta. Foi um crime político? Foi milícia? 

A defesa dos réus nega a participação deles e afirma que o Ministério Público não tem provas o suficiente para sustentar as acusações. Um caso envolto de sucessivos tropeços. Na época, segundo o jornal “O Globo”, a polícia ignorou o testemunho de duas pessoas que estavam no local, na polícia civil a investigação já passou pelas mãos de três delegados diferentes, o carro e a arma nunca foram encontrados. O descaso é certo, chega a ser inadmissível uma investigação tão lenta. 

A esperança que apareceu nos últimos meses é a força tarefa criada pelo MP do Rio de Janeiro para tentar acelerar as análises do homicídio. Designaram uma equipe de promotores voltados exclusivamente para o desfecho do caso.

O que sabemos de fato é que três anos é tempo demais, é uma ferida que nunca vai ser cicatrizada. Marielle morreu, mas vive dentro de cada pessoa que busca por justiça em um país tão violento e impune. 

 

*Revisão: Italo Charles

**Edição: Daniela Reis

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Crédito: Tuca Vieira

Existência, sobrevivência, respeito e dignidade são alguns aspectos que pautam o dia a dia de várias comunidades taxadas como minorias, em especial a população LGTBQIAP+

Por Italo Charles

A trajetória pela conquista dos direitos LGBTQIAP+ é longa e repleta de adversidades, e ainda continua assim. Segundo dados revelados na pesquisa “Homofobia de Estado”, desenvolvida pela International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association (ILGA) em 2020, cerca de 69 países, dos 193 membros da ONU, criminalizam práticas relacionadas à orientação afetivo-sexual.

Esses dados afetam diretamente a população LGTBQIAP+ ao redor do mundo. No caso do Brasil, a homossexualidade não é criminalizada. Entretanto, os grupos que formam a população LGBTQIAP+, no país, sofrem diariamente pela falta de direitos que constituem uma vida digna.

Por mais que o Artigo 5º da Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) garanta que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, é visto que as minorias são tratadas de forma distinta do que se estabelece a lei e, para além, existe a pressão social e a perda de direitos que inferioriza esses grupos.

A falta de amparo, muitas vezes legal, inviabiliza a prospecção de vida das pessoas LGBTQIAP+ resultando em violência, segregação e até homicídios contra essas pessoas. Os dados da Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra), no seu último boletim, mostraram que o Brasil continua no ranking de assassinatos contra pessoas LGBTQIAP+, sobretudo transexuais e travestis.

A resposta, que fica clara, para essa situação é que ainda vivemos em um país dominado pelos preceitos e estereótipos brancos, heteronormativos e com poder aquisitivo elevado, o que fomenta a construção de uma sociedade pautada pelo machismo estrutural, misoginia, racismo e homofobia.

Direito à cidade

O conceito de “Direito à Cidade” foi desenvolvido pelo filósofo francês, Henri Lefebvre, em  seu livro de 1968 “Le droit à la ville”. Lefebvre define como o direito à não exclusão da sociedade urbana das qualidade e benefícios da vida. No texto é destacado a segregação socioeconômica e seu fenômeno de afastamento. 

A referência se dá à “Tragédia dos Banlieusards” que obrigava pessoas a viver em espaços residenciais distantes das cidades. Devido ao cenário, Lefevre institui o direito à cidade como recuperação coletiva do espaço urbano por grupos marginalizados que vivem nos distritos periféricos da cidade. 

Em meados da década de 1990, as ideias de Lefebvre sobre direito à cidade foram aderidas no planejamento urbano em várias partes do mundo suscitando uma explosão de movimentos sociais.

Para a arquiteta urbanista e líder do Núcleo de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Una, Ana Karolina Oliveira, o direito à cidade vai além dos aspectos de moradia e infraestrutura.  “Poder andar na rua em qualquer horário, dar a mão para o seu companheiro ou companheira sem ofender ninguém e ter a possibilidade de transitar livremente e com segurança, isso é direito à cidade”.

População LGBTQIAP+

O direito de ir e vir serve para todos. Mas, os grupos denominados como minoria sofrem, diariamente, com a falta de liberdade de poder frequentar espaços e se habitar livremente. Pois, se tratando de uma sociedade que visa a padronização de corpos, classe e orientação sexual, é, quase que, inviável viver de maneira igualitária.

Andar na rua de mãos dadas, transitar em qualquer horário do dia para a maior parte da população – hétero e branca-, pode ser normal, mas para os demais grupos isso surge como estigma, insegurança e medo.

“Projetar ambientes de convívio público que permitam que as pessoas transitem de forma segura sem se sentirem julgados e com o mínimo de estrutura é papel do urbanista para promover o direito à cidade”, comenta Ana Karolina. 

A população LGBTQIAP+ até hoje é vista como um grupo marginalizado que percorre em meios às margens da sociedade em busca de existência e resistência, sofrendo violências, negações e muitas vezes a falta de estrutura para uma vida justa.

O direito à cidade pauta, também, a garantia de segurança, saneamento, moradia e espaços de convivência para todos os públicos. Entretanto, na maioria das vezes esses direitos são negados e as ditas minorias sofrem com essa situação

Papel da arquitetura 

A arquitetura e urbanismo, neste contexto, tem como função primordial promover meios para melhoria da infraestrutura urbana, de forma inclusiva projetando espaços de convívio e acolhimento, não somente para a população LGBTQIAP+, mas também para todas as pessoas.

Pensar no papel do Arquiteto Urbanista na construção de direito à cidade, é pensar não apenas no alcance e conquista à moradia, educação, saúde e segurança é, mais do que isso, pensar em profissionais que exerçam a capacidade básica de socialização do habitar, se fazendo indivíduos ativos na apropriação do espaço urbano e garantindo o direito à cidade para todos.

“Nós, enquanto arquitetos e urbanistas temos o dever de desenvolver  projetos urbanísticos que tenham como base a infraestrutura  para garantir os direitos básicos da população”, comenta Ana Karolina Oliveira.

Neste cenário, existe outro papel fundamental que não cabe somente aos urbanistas, mas também à população. Trata-se da verba distribuída para manutenção de infraestrutura das regiões da cidade.

Ana Karolina explica que muitas vezes as regiões que ficam com a maior parte da verba são as que já tem mais infraestrutura, com isso, as localidades periféricas continuam distantes do processo de melhoria.

“O problema está na distribuição de verba para infraestrutura das regiões, por se tratar de bairros mais próximos aos centros, esses locais acabam recebendo mais verba e as periferias continuam da mesma forma ”, completa Ana.

 

*Edição: Bianca Morais

**Revisão: Daniela Reis

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Hoje o Contramão traz mais um texto do e-book “Escrita Criativa: O avesso das palavras”, produto final do projeto de extensão conduzido pela escritora e  professora do Centro Universitário Una, Geanneti Tavares Salomon. 

A produção é de Stella Marques. 

Ela é formada em técnico em Comércio pelo IFTM, graduada em Tecnologia de Marketing pelo UNOPPAR e atualmente cursa Publicidade e propaganda pela Una. Até o momento possui 4 (quatro) publicações realizadas através de concursos realizados pela Editora Vivara Nacional, 1 (uma) publicação realizada através do concurso realizado pela Editora Trevo e 1 (uma) coletânea de poesias publicada pelo Clube dos Autores. 

Liberdade?

Por Stella Marques

Tenho minha “liberdade”.

É o que dizem.

Mas será isso verdade?

Só vou se permitirem?

Sou feito passarinho,

Posso sempre voar,

Mas próxima deste ninho

Devo sempre estar

Onde possam me vigiar.

Com os olhos presos em mim,

O semblante de desaprovação

Prevejo que até no meu fim

Precisarei pedir permissão.

Esta gaiola encantada

Trapaceia e me apunhala

Me sufoca nessa cilada

Silencia o meu canto

Enquanto os abutres

se alimentam do meu pranto.

As grades dessa prisão

São invisíveis aos olhos

Mas não ao coração

Maldita gaiola sem grade

Malditas algemas de desaprovação

Maldita falsa liberdade

Que me sentencia à solidão.

 

Para acessar o e-book completo clique no link.