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Aline Lemos desde pequena quis trabalhar com quadrinhos. Até a realização do sonho de infância, outros caminhos a levaram a graduação em História pela UFMG. Após concluir o curso, teve a certeza de que queria seguir a vida desenhando. Arrumou as malas e partiu para França, terra de origem de Asterix e Obelix, para fazer mestrado profissionalizante de história em quadrinhos na cidade de Angoulême, onde estuda e mora atualmente.

Aline publica quadrinhos e zines desde o ano de 2013. Atualmente, participa a distância do coletivos ZiNas _ que é um grupo de 7 artistas independentes que falam sobre feminismo e a cultura uderground. Os seus quadrinhos são publicados na sua página do facebook e em no site Desalineada. Ela que sempre frequentou o FIQ participou dessa edição, pela primeira vez, como convida da mesa “Sexo e Quadrinhos”, junto do coletivo ZiNas. A mineira respondeu algumas perguntas para a nossa equipe, sobre suas motivações para trabalhar o tema do feminismo nos quadrinhos.

11214156_10153269623134840_6179428469297280051_n1. “Qual a sua formação? Como você começou a trabalhar com quadrinhos?”

Sou formada em História, mas desde pequena quis trabalhar com quadrinhos. Quando terminei o meu primeiro curso, já consciência disso e das possibilidades reais de atuação na área. Então decidi me dedicar profissionalmente a essa arte. Acho que os principais estímulos que eu tive para tomar essa decisão foram a movimentação de quadrinistas em Belo Horizonte, com o FIQ e autores jovens como Ricardo Tokumoto, Felipe Garrocho e as ZiNas. Outras iniciativas que me motivaram foi o trabalho das autoras do Zine XXX e da Revista Inverna. Comecei a fazer cursos independentes de quadrinhos, pintura e desenho. Também cursei durante um tempo uma graduação em Design Gráfico. Atualmente, faço um curso de mestrado profissionalizante em Histórias em Quadrinhos em Angoulême, França.

2. Você já enfrentou machismo por parte de algum quadrinistas ou leitor?

O machismo está disseminado na nossa sociedade, então ele acaba se manifestando também no meio dos quadrinhos. Existem quadrinistas e leitores que não aceitam bem o fato de que grupos tradicionalmente com pouco acesso aos canais de comunicação – como mulheres, negros e pessoas LGBT – estão se unindo, ganhando cada vez mais expressividade e se manifestando contra os discursos preconceituosos. Então fazem aqueles quadrinhos e textos “chororô”, reclamando que não há mais liberdade de expressão, ridicularizando esses grupos e suas lutas… No nosso caso, os discursos machistas buscam deslegitimar nossas vozes no meio. Felizmente, nunca recebi um quadrinho direcionado diretamente a mim com esse teor. Porém, já li vários direcionados a mulheres, mulheres quadrinistas e feministas de modo geral. Aconteceu comigo dos leitores entrarem em contato de modo invasivo, acreditando que podem ter liberdades que não cabem só pelo fato de eu trabalhar com quadrinhos eróticos.

3. Você acha difícil a escolha de uma profissão que é tida como predominantemente masculina?

Acredito que no meio dos quadrinhos, como talvez no meio artístico e de comunicação de uma forma geral, essa dificuldade se manifeste de forma sutil. Não vejo muitos casos de alguém dizendo diretamente que uma mulher não pode ser quadrinista, mas são as barreiras que temos que enfrentar que dificultam a atuação. Já ouvi quadrinistas estabelecidas dizerem que nunca enfrentaram machismo no trabalho. Ao mesmo tempo, essas mesmas mulheres afirmavam que eram as únicas mulheres em seus lugares de atuação, e começaram a questionarem-se do por que da ausência de outras mulheres ali. Por vezes, a discriminação se coloca como uma crítica ao conteúdo. É o famoso “não importa se é homem ou mulher, o que importa são os quadrinhos.”. Esse discurso ignora que histórias com teor sentimental são associadas a uma visão feminina e são ao mesmo tempo desvalorizadas. Na maioria das vezes as experiências, os corpos de mulheres são raramente retratados, ou o são de forma estereotipada ou desumanizada. Quando assuntos do interesse dos direitos das mulheres são tratados eles são rechaçados como se não tivessem lugar no meio…

3. Você trabalha a questão do feminismo nos seus quadrinhos? Se sim, porque decidiu falar sobre esse assunto por meio dessa arte?

Sim, trabalho com frequência. O feminismo me inspira muito a produzir. Como quadrinista, eu gostaria muito de comunicar com pessoas de diferentes realidades e falar sobre assuntos que não são discutidos tanto quanto deveriam. Gosto de falar sobre temas ligados à experiência de mulheres e de pessoas LGBT, e gostaria que mais pessoas pudessem se identificar nos quadrinhos, que pudessem ter empatia com as histórias de outros grupos marginalizados e, principalmente, se sentirem inspiradas a narrar suas próprias histórias. Então foi uma decisão inspirada nesses objetivos, mas também na minha própria vivência. Quando comecei a fazer quadrinhos, sentia necessidade de manifestar essas inquietações, e fui muito estimulada pelas iniciativas feministas de incentivo a jovens autoras, o que me deu um contexto favorável para fazer isso.

4. No seu ponto de vista há alguma mudança hoje em dia diante do crescimento do papel na mulher no meio dos quadrinhos?

Com certeza. A internet facilitou a publicação para muitas pessoas, inclusive mulheres e meninas quadrinistas. O mais interessante para mim no contexto atual é a união de mulheres quadrinistas pelo direito de se manifestarem e lutarem por u espaço no meio, fortalecendo assim sua própria produção. Tivemos no ano passado o Primeiro Encontro Lady´s Comics, realizado pelo portal Lady´s Comics, que reuniu mulheres do Brasil inteiro apenas para debater essa questão. Vejo como um momento muito positivo nesse sentido.

5. Você já sofreu algum tipo de violência ou preconceito por ser mulher?

O machismo está disseminado na nossa sociedade e acredito que ele afeta a todas nós, embora de formas diferentes. Felizmente, não faço parte dos altos índices de violência doméstica, de agressão de parceiros, de condições de subemprego, de encargos domésticos dobrados, entre muitas outras dificuldades que milhares de mulheres enfrentam no Brasil. Mas também tenho que lidar com o assédio constante nas ruas, com a minha palavra ter menos peso diante da palavra de um homem em determinados contextos, de não ter pleno direito ao meu corpo em casos de necessidade de aborto e de determinados procedimentos médicos, de ter tido que lidar com a minha autoestima e a minha sexualidade desde jovem em um contexto de padrões esmagadores de beleza e de conduta afetiva… Eu já sofri manifestações pontuais de violência, de assédio e de preconceito, mas elas também fazem parte de todo esse contexto.

6. Você tem alguma quadrinista que gostaria de indicar para o público? Por quê?

Claro! Acompanho o trabalho de várias quadrinistas. São muitas, por isso vou focar nas novas autoras brasileiras atuais que acompanho. O trabalho delas é muito empolgante e me inspira muito. Por exemplo, os coletivos de autoras de que faço parte: ZiNas, Mandíbula e Girl Gang. Lovelove6, Sirlanney, Bárbara Malagoli, Fêfê Torquato, Bianca Pinheiro, Rebecca Prado... Convido também a conhecer o portal Lady´s Comics, com textos, reportagens e entrevistas sobre mulheres nos quadrinhos.

Reportagem de Amanda Eduarda
Coordenação Nina Gazire
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Em edição histórica, Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte celebra a presença das mulheres no mundo comics. 

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O quadrinho “It aint me babe”, de Trina Robbins.

Em 1895, o norte-americano Richard Outcault largou sua carreira como desenhista técnico, mudando-se para as páginas dos jornais. Outcault que trabalhava para o inventor Thomas Edison fazendo também os primeiros desenhos de circuitos elétricos do mundo, decidiu dar um novo significado a sua profissão. Recém contratado pelo jornal New York World, ele teve a ideia de contar uma história, não feita apenas de textos, mas também de desenhos. Primeiro “quadrinista do mundo”, como assim quer a história oficial, Outcault é pai do personagem polêmico “The Yellow Kid” retrato racista de um garoto chinês e de uma das primeiras tirinhas humorísticas, hoje populares nos jornais cotidianos.

A história de Outcault quer nos convencer que, desde seu inicio, o universo HQ’s (sigla que também designa as conhecidas Histórias em Quadrinhos) foi “parido” por homens. Conhecemos Stan Lee, pai dos X-men; conhecemos Walt Disney pai de Mickey e Pato Donnald; conhecemos Charles Chultz, pai do Snoopy. A história que nos contam esquece-se de incluir suas quadrinistas, tão importantes quanto seus múltiplos patriarcas e super-heróis musculosos. Finalmente, essa história está sendo reescrita e agora contada por mulheres super poderosas.

Com o fortalecimento dos movimentos feministas, desde a década de 1960, os quadrinhos começaram a mudar e as mulheres passaram a reivindicar, cada vez mais, seu lugar nesse plano sequência cheio de testosterona. Se assim podemos dizer, os quadrinhos são cada vez mais “paridos” por diferentes mães. Dos anos 1970, devemos relembrar a pioneira Trina Robbins que viu nos quadrinhos uma forma de  expressar o poder das mulheres no combate ao machismo. Nascida nos EUA, no final da década de 1930, Robbins é considera uma das primeiras autoras de HQ’s totalmente voltados ao público feminino. Sua HQ chamada “It Ain’t Me, Babe” é considerada um marco: na primeira edição trazia uma capa com personagens como a Mulher Maravilha, a Garota Marvel, Olivia Palito, dentre outras personagens, femininas protestando pelos direitos das mulheres.

De lá pra cá o universo dos quadrinhos se tornou mais receptivo às mulheres, tanto para as personagens fictícias quanto às suas criadoras.  Essa evolução foi comemorada na última edição do FIQ_ Festival Internacional de Quadrinhos. Realizado em Belo Horizonte entre os dias 11 e 15 de novembro, o festival de quadrinhos teve como tema a crescente participação das mulheres no mundo dos comics.

A roteirista norte-americana Gail Simone já escreveu histórias para a DC Comics e para a Marvel e marcou presença no evento participando da mesa “Fantasia e Quadrinhos” ao lado de outras quadrinistas brasileiras. Simone já era conhecida por seu ativismo feminista antes mesmo de se tornar roteirista. Ao lado de outras fãs de quadrinhos, ela fundou o site “Women in refrigerators” (Mulheres nos refrigeradores), fórum que discutia a violência contra personagens femininas. “O que eu quero é que existam mais escolhas para além do machismo; eu quero que surjam mais HQs que não alienem as mulheres”, afirmou Simone em entrevista a equipe do J.E.D.I. _ Jornalismo Experimental e Diversidade, que inaugura suas atividades com a presente matéria em honra às mulheres dos gibis.

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A roteirista norte-americana Gail Simone esteve no FIQ, em visita inédita ao Brasil.

Visitando o Brasil pela primeira vez, Simone compartilhou sua experiência sobre o machismo na criação de super-heróis com a plateia do FIQ. A roteirista se declara interessada na criação de personagens que tratem de maneira realista a representatividade feminina por meio da fantasia. “Por um longo tempo, pouquíssimos quadrinhos eram voltados ao público feminino. Atualmente, este é o seguimento de quadrinhos com maior crescimento de público leitor e eu sinto que faço parte disso, mesmo que seja de uma parte pequena”, afirma. Fã declarada de Trina Robbins, ela revela que ao contrário de um passado indiferente à presença feminina, o futuro dos quadrinhos será das mulheres: “Hoje temos uma gama inimaginável de mulheres na profissão dos quadrinhos e a tendência será a de uma presença cada vez maior, algo inimaginável há dez anos”, respirou aliviada.

Ao lado de Simone, a mineira Aline Lemos, que também participou da mesa “Fantasia e Quadrinhos”, nos contou que teve como estímulo para seu início no mundo dos comics o surgimento de duas publicações: o Zine XXX e a revista Inverna, ambas de cunho feminista. Em suas histórias, Lemos busca discutir temas como violência sexual e machismo e afirma que a questão da diversidade nos quadrinhos é inesgotável já que este é um universo ainda predominantemente heteronormativo e masculino, apesar das mudanças atuais apontadas anteriormente por Gail Simone. “Gosto de falar sobre temas ligados à experiência de mulheres e de pessoas LGBT, e gostaria que mais pessoas pudessem se identificar nos quadrinhos, que pudessem ter empatia com as histórias de outros grupos marginalizados e, principalmente, se sentirem inspiradas a narrar suas próprias histórias”, comenta.

“As mulheres vem conquistando seu espaço tanto na produção quanto enquanto publico consumidor. Sei que a proporção de convidados e convidadas esse ano foi de quase 50%. O que é bem bacana! Ouso dizer que não deve ser comum nos eventos de quadrinhos”, observa a quadrinistas Carol Rossetti, conhecida pelo projeto de ilustrações “Mulheres”, que se tornou famoso em todo mundo ao viralizar nas redes no ano passado. Rossetti participou do FIQ fazendo lançamento da edição especial de quadrinhos reunida em um livro intitulado “Que diferença faz?”, parte da campanha idealizada pelo Ministério Público de Minas Gerais, voltada à conscientização da diversidade e de seu projeto pessoal, o livro “Mulheres” que reúne suas ilustrações. “A gente já havia detectado que metade do público do FIQ era de mulheres. Mas no mercado infelizmente temos poucas mulheres publicando, porém isso está mudando, e bem rápido. Um terço dos convidados são mulheres, apesar do fato de que minha meta era chegar nos cinquenta por cento”, explica o quadrinista, professor da UFMG e curador do FIQ, Daniel Werneck que, a princípio, pretendia trazer Trina Robbins para essa edição do festival. “Queríamos trazer a Louise Simonson, a Uli Lust e a Trina Robbins, todas pioneiras dos quadrinhos, mas não conseguimos. A Trina esteve esse ano no Brasil para um evento na USP, a Jornada de Quadrinhos, mas não conseguimos trazê-la para BH”, justifica o curador.

A identidade visual do FIQ 2015 ficou a cargo de Lu Caffagi
A identidade visual do FIQ 2015 ficou a cargo de Lu Caffagi

Com clima de evento histórico, essa edição contou com a inédita presença de mulheres superpoderosas do Brasil e de outros países. Não atoa, a identidade visual do FIQ 2015, uma garota sorridente, desenhada pela cartunista Lu Caffagi, traduz de maneira exata a realização do sonho de várias mulheres fãs de quadrinhos. “A Gail me disse que durante o FIQ umas 20 mulheres falaram pra ela que começaram a escrever quadrinhos por causa dela”, resume Werneck. Esse sonho feminista feito em gibis durou cinco dias, e claro, seria impossível reduzi-lo aqui em um punhado de caracteres. Portanto, fechamos essa reportagem contando que ao longo de toda semana publicaremos várias entrevistas diferentes quadrinistas no intuito de tentar construir uma narrativa jornalística que faça jus a essa pequena parte gloriosa da história dos quadrinhos brasileiros. Fique atento, acompanhe nosso site e celebre as mulheres dos quadrinhos!

Por Nina Gazire e Ana Paula Tinoco
Colaborou Amanda Eduarda Oliveira
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#FIQ 2015: Contramão conversa com o quadrinista Ricardo Tokumoto

Ryot fala sobre o mercado dos quadrinhos em BH e sua trajetória no Festival Internacional de Quadrinhos

O Jornal Contramão entrevistou o quadrinista Ricardo Yoshio Okama Tokumoto, mais conhecido como Ryot, responsável pelo site ryotiras.com. O quadrinista, além de produzir para a revista MAD e outras publicações esporádicas, ele faz parte do Coletivo Pandemônio e trabalha como ilustrador em vários setores, principalmente na área de livros infantis. O quadrinho infantil “Song” está entre suas mais recentes publicações.

Foto: Divulgação

Qual a sua história com o Festival Internacional de Quadrinhos?

Bom, como eu já participei de outras edições eu já tinha uma ideia mais ou menos de como funcionava o formato da galera que produz também, Há cada ano tá diferente. O primeiro FIQ que eu fui, era apenas como visitante e bem diferente, havia poucos estandes de editoras, e apenas autores independentes, no outro FIQ que eu participei nós conseguimos mais estandes para quadrinhos independentes, tudo coletivo. Já no FIQ de 2012, pela primeira vez eu consegui encontrar mesas de diferentes artistas que estão produzindo quadrinhos e sendo tão ampla, há cada ano eu me surpreendo vendo a qualidade das produções dos artistas de quadrinhos, pois aumenta a diversidade.

Antes era só fanzine xerocado, e artista independente era isso, hoje em dia não é bem assim mais, encontramos livros muito bem editados, com projeto gráfico muito bem elaborado e coisa que não perde na qualidade se formos comparar com a produção das grandes editoras, há algum tempo atrás existia uma discrepância entre o trabalho dos autores de quadrinhos independentes, com os que são produzidos por grandes editoras.

Como estão sendo as oficinas de quadrinhos?

Com relação ao público e de oficinas que estão acontecendo, por que eu estou dando oficinas aqui também, já aconteceu nos outros anos e esse ano tem sido bem legal, a participação do público está sendo mais engajada, está sendo aquela coisa com menos medo, ou aquele olhar meio perdido, hoje em dia o pessoal já está sacando que existe quadrinho independente e isso tem sido bem maneiro.

Qual a sua visão mercado dos quadrinhos em Belo Horizonte?

Eu acho que um evento igual ao FIQ acaba sendo vital para quem produz dessa maneira independente, até por que a gente não leva os nossos quadrinhos nas bancas para vender, nós não temos essa mão gigante de distribuição pra jogar nosso trabalho para o Brasil inteiro, a gente tem ajuda da internet, mas é bem virtual a coisa, não querendo dizer que seja ruim, ou que um seja menos que o outro, porém é diferente.

Para nós, o FIQ acontecendo e essa relação de vender nossos quadrinhos para o público, e essa relação de público e criador mesmo (autor), é uma coisa que motiva a gente a continuar produzindo. Quando olhamos nossas redes sociais, o Facebook principalmente, nós não nos damos conta de que essas pessoas existem de verdade e que elas vão até esses eventos, como é o caso do FIQ por exemplo.

Em Belo Horizonte, principalmente devido ao FIQ, houve uma ebulição mesmo de pessoas dispostas a produzir, e eu acho que cresceu assim nitidamente.

Qual a importância desse festival para os quadrinistas?

Quando eu comecei a participar mais ativamente que eu percebi que existiam muitas outras pessoas com esse mesmo intuito, foi devido a isso que criamos inclusive o pandemônio, a principio um grupo de quadrinistas aqui de Belo Horizonte que resolveu se juntar para criar quadrinhos e vender no FIQ, por que estávamos todo mundo na mesma onda, e o FIQ é um grande canalizador dessas vontades, por que se esse festival não existisse a gente não iria se encontrar, e não iriamos saber que é possível fazer quadrinhos de uma maneira mais independente.

O Vitor Caffagi começou ali com a gente no pandemônio, e a conversa que as vezes que ele coloca em pauta é o que todo mundo passou, que é ser independente de uma grande editora, e entrar em certos estilos específicos nos quadrinhos americanos. Hoje em dia é possível encontrar vários quadrinistas que produzem para os Comics, para a Marvel DC, muita gente produzindo mangás também, que é um estilo de quadrinhos.

Nessa edição do Festival internacional de Quadrinhos, encontramos bastante mulheres produzindo quadrinhos, qual a sua visão sobre isso?

Vejo isso como um mercado que pode crescer muito mais, por que sair desse nicho e desse estigma que ‘quadrinhos são só para homens’, e quem poderia produzir eram apenas homens, era um grande problema que a gente enfrentava até pouco tempo atrás, que foi quebrado, principalmente por elas consumirem quadrinhos, por conta do mangá, muitas colegas que produzem hoje em dia, tiveram influência do mangá por que além dele ser consumido por mulheres ele era produzido por elas, ao contrário dos quadrinhos americanos, que era super homem e super heróis, uma coisa bem fechada para o público adolescente e masculino.

A partir do momento onde você tem mulheres produzindo e mulheres consumindo é como se fosse para dobrar o mercado, no mínimo, e eu particularmente acho isso maravilhoso, para que o mercado dos quadrinhos continue crescendo e existindo. Tudo isso converge em um grande amadurecimento do mercado.

Por Raphael Duarte

Foto: Divulgação

“As Áfricas nas Minas – ações educativas” propoem uma reflexão pelo Dia da Consciência Negra no Museu das Minas e do Metal.  Durante todo o mês de novembro, atrações artísticas, com dinâmicas em grupo, produção de roteiros e intervenções ficarão disponíveis no espaço. Temas como as cosmogonias africanas, contos e lendas a partir da contação de historias e de outros recursos lúdicos serão abordados. De acordo com a coordenadora do Educativo do MM Gerdau, Sueli Monteiro, o mês de novembro é importante para promover a visibilidade dos indivíduos e as suas respectivas manifestações e construções socioculturais. “Fazê-lo, em relação às culturas dos povos negros, é exercício de afirmação e valorização”, esclarece.

Oficinas de Máscaras

Para a professora de Teatro de Animação na Escola de Comunicações e Artes da USP, Ana Maria Amaral, as máscaras são compreendidas como algo que protege quem as carrega. “A máscara não serve só para esconder o rosto de quem a usa; ela o transforma em outro alguém diferente que pode ser um espírito ancestral, um ser do outro mundo”, explica a professora no livro “Teatro de Formas Animadas”. Segundo Suely Monteiro, o objetivo da oficina é trabalhar a cultura africana em diálogo com a atração Adornos do Corpo. “Acreditamos que as atividades ofertadas podem provocar reflexões, experiências e diálogos em relação ao tema, além da troca de vivências e saberes”, afirma.

História

O Dia da Consciência Negra tem como objetivo uma reflexão sobre a introdução dos negros na sociedade brasileira, e foi escolhido como uma homenagem a Zumbi dos Palmares, data na qual morreu, lutando pela liberdade do seu povo no Brasil, em 1695. O líder do Quilombo dos Palmares, foi um personagem que dedicou a sua vida lutando contra a escravatura no período do Brasil Colonial.

Em 2011, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei 12.519/2011, que criou a data, mas que não obriga que ela seja feriado. Isso significa que ser feriado ou não vai variar de cidade para cidade. Atualmente é feriado em mais de 800 cidades brasileiras.

Por Raphael Duarte

O domingo (08), marcou o terceiro dia do LUMIAR no Cine Humberto Mauro no Palácio das Artes. Com a segunda exibição das Sessões de Primeiros filmes e Mostra Competitiva Interamericana, foi possível assistir animações, documentários e ficções vindas do México, Argentina e Brasil às 14 e 18 horas. Entre os 8 filmes exibidos na Mostra Competitiva, um dos destaques foi o filme produzido por Mauricio Ferreira, Miúdo, que aborda músicas de Chico Buarque ao contar a história do casal João Pedro e João Hollanda.
O curta ganhou formato devido a um trabalho de faculdade realizado por Mauricio Ferreira e seu amigo Felipe Lovo. Eles deviam criar um produto audiovisual para ser avaliado no semestre e escolher quais seriam as disciplinas que os avaliariam, e uma dessas escolhas era a edição de som, o ponto principal que deveria ser explorado pelos universitários de Pernambuco. “O tema veio a seguir. O cinema pernambucano tem um tratamento peculiar sobre os corpos masculinos, no qual “quebra” com o clichê da construção enquanto forma dos corpos femininos dentro do cinema clássico, o que não se trata apenas de uma temática homossexual, mas sobretudo ao corpo masculino. Os dois atores, Adolfo Delvalle (paraguaio) e André Macedo (brasileiro) – e que eram casal na vida real quando gravamos o curta – tanto nos inspiraram quanto contribuíram para o desenvolvimento das personagens e do roteiro”, afirma Ferreira.

A escolha quanto as músicas de Chico Buarque, aconteceu porque o diretor é fã do cantor e via como uma oportunidade desconstruir o estigma de que as músicas feitas por Buarque embalassem apenas os relacionamentos heterossexuais. Para Ferreira, a composição de Chico Buarque aproxima a complexidade dos casais, sejam elas as orientações que forem. “Como sou um fã obstinado do músico e compositor, dei-me a liberdade de desconstruir os elementos formais das músicas e associá-las a um casal homossexual. A ideia não era erguer uma bandeira explícita sobre a questão de autoafirmação a orientação sexual, mas sim naturalizar aquela relação entre as personagens João Pedro e João Hollanda. Claro que é necessária essa luta – via audiovisual – pelo direito e liberdade da orientação sexual, porém as vezes entendo que apenas mostrar a luta pela liberdade da orientação sexual de maneira explicita, acaba por deslocar o homossexual ainda como o “outro”, cujo alguém ainda a vier a ser livre.”

As filmagens tiveram duração de cinco dias, mas não consecutivos, já que os equipamentos deveriam ser revezados com outros alunos do mesmo módulo de Ferreira. A edição e o tratamento do som também tiveram um intervalo de cinco a seis dias.
Após a apresentação do projeto em sala de aula, surgiu a necessidade do projeto não somente ser válido como avaliação. “O encontro com o Lumiar se deu dentro dessa busca por festivais universitários complacentes com o contexto de produção universitário. No mais, queríamos que o curta e o tema fosse disseminado festivais afora. Afinal estamos a um ano de completar a faculdade e já é hora de apresentarmos algo fora das paredes da Universidade. O Festival Lumiar, coincidentemente, foi o primeiro festival ao qual o inscrevi e, por sorte, foi o primeiro a seleciona-lo.” Após o LUMIAR, o curta Miúdo produzido por Ferreira, foi selecionado para outros dois festivais. “Sendo o Festival Lumiar o primeiro festival a selecionar o nosso curta, seguramente a relação da equipe com esse festival será carinhosamente mais afetiva do que com os outros festivais. Além disso, o Festival Lumiar tem o diferencial de carregar o subtítulo de Interamericano, ou seja, um reconhecimento importante para nós no que tange o circuito não só do Brasil,” finaliza.
A terça-feira (10) marcará o início da Mostra Panorama Interamericano, tendo em sua primeira exibição os filmes vindos do México e Argentina, além disso terá continuidade da Mostra Competitiva e a Retrospectiva Beto Brant, com o filme Cão sem dono.

Por Julia Guimarães

Foto: Gabriel Peixoto

Descia a rua Rio de Janeiro, logo cedo, às 06h, quando avistei algumas barracas. De uma delas saía Paulo, pessoa em situação de rua há dez anos. Ele subia em direção à Rua da Bahia quando foi abordado por mim. Sem saber muito o que dizer, perguntei seu nome e o porquê de ele estar morando na barraca azul de que saiu há poucos minutos. Tímido e intimidado, continuou andando sem dar muita atenção, e só respondeu quando lhe ofereci um café da manhã numa lanchonete próxima à rua Espírito Santo.

Após aceitar o convite para um lanche, Paulo falou mais. Contou sobre como é viver na rua e como as pessoas os tratam como invisíveis. Além disso, fez questão de tecer comentários carinhosos sobre os amigos que fez e mantém nos locais próximos de onde posiciona sua casa improvisada. Chegando na lanchonete, Paulo ficou receoso em fazer um pedido. Lhe ofereci bolo e café e ele, sorrindo com o canto da boca, disse que gostava e concordou. Pegou o café da mão da balconista como se estivesse encontrando ouro numa mina em Serra Pelada. O bolo, segurou com firmeza como se ele fosse escapar de seu domínio.

Fomos embora de volta à Rio de Janeiro conversando e observando as barracas vizinhas à azul de Paulo. Perguntei se ele ainda precisava de outra coisa que estivesse a meu alcance ajudá-lo e, após negativa, continuei procurando histórias, até ser abordado por Ismael, também pessoa em situação de rua. Com um jornal impossível de identificar pelas rasuras e amassos, apontava para políticos culpando-os por ele estar na rua. Indagou sobre poder me falar da palavra de Deus e, já andando, indicou o lixo do chão e ordenou que eu pegasse e jogasse em local apropriado. Segundo ele, esse gesto é importante e faz parte de suas tarefas diárias. Entramos em outra lanchonete, dessa vez na Avenida Afonso Pena, onde fomos recebidos com olhares desconfiados. Ismael pegou um vidro de pimenta e experimentou, alegando gostar da especiaria “sem frescuras”. Pediu somente meio copo de café com leite e, ao receber um inteiro, despejou sobre a pia do balcão a outra parte. “Eu pedi só metade, entendeu?”.

Seguimos rumo à rua Curitiba, sem motivo, quando Ismael parou e pegou em meu ombro. “Quer apostar que vou acenar para as pessoas do ônibus e ninguém vai corresponder e, se corresponder vai ser com um sorriso irônico?”, desafiou. Ele foi para a faixa de pedestres e fez o que prometeu. Os passageiros do coletivo, azul como a barraca de Paulo (lá da Rua Rio de Janeiro), reagiram como o esperado: olhavam torto, com sorriso idem. Ismael voltou para a calçada com olhos realçados e disse ser triste “essas humilhações”. “Ser tratado como bicho, sem dignidade, é muito ruim, sabe? Só Deus mesmo, a palavra dele, me salva e pode salvar”, exclamou. Nos abraçamos e partimos para vielas opostas.

Perto da rua Tupis um homem sentado num banco chamou atenção por sua cabeça baixa e papelões velhos sobre os pés, sujos e descalços. Receptivo, porém perceptivelmente triste, se apresentou como Antônio e me ofereceu um canto do banco para sentar. Obedeci seu chamado e, assim como nas situações anteriores, ofereci ajuda e um café. Aceitou logo de cara e eu, apressado, fui procurar estabelecimento para comprar comida. Nenhum dos próximos aceitava cartão e, após cinco tentativas fracassadas, voltei ao banco de Antônio e esperei com ele até o horário de o supermercado do quarteirão abaixo abrisse.

Durante o papo, Antônio enumerou os poucos parentes que tem no Rio de Janeiro e relembrou os tempos em que morava em sua terra natal, Ceará. Afirmou que o forró é seu ritmo musical favorito e que, um dia, pretende reencontrar seus filhos de 23 e 12 anos, no Rio. Reclamou sobre a dificuldade de tomar banho na cidade e a violência. Sua mochila de documentos foi roubada, assim como o cobertor que havia ganhado de uma instituição. Ainda mostrou as feridas de sua perna devido a um “acidente” com um taxista, que, segundo ele, passou por sua perna sem olhar para trás.

O supermercado abriu e a felicidade de Antônio ao ver seu lanche também. Dividiu com seu colega que surgiu no tempo em que fui ao mercado e, os dois, se despediram de mim com um abraço apertado e um agradecimento sincero. Fui embora tentando mensurar a importância do que havia ocorrido e pesando como atitudes como essa ainda são pequenas perante um problema que cresce e ninguém vê. Ou pelo menos finge não ver.

Por Gabriel Peixoto