#CRÔNICA: Criança é para quem tem coragem

#CRÔNICA: Criança é para quem tem coragem

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     Por Cássio Leonardo    

Marcos vivia em um casarão no interior das Minas Gerais com uma tia e um bando de primos, ele foi largado lá pela mãe, o menino vivia perguntando dela, e a tia nunca sabia o que dizer, a verdade é que não podia contar A mãe buscava aventuras e pariu por pirraça da vida, nunca quis, a solução foi deixar o menino na casa da irmã, que essa sim era mãe, ou Amélia, como costumava dizer, ela mesma nunca teve tino para essas coisas de criar, nem de bicho gostava, imagina de criança.

 

Ela engravidou de um cacho que tinha na cidade, numa dessas festa de meio de ano que acontecem no interior, nem lembrava o nome do sujeito, também pudera, essas coisas que se bebem nessas ocasiões não fazem bem, só faz é perder o juízo, o moço era jeitoso e riu pra ela, ela quis, não queria era aquela coisa crescendo dentro dela, que incômodo meu Deus, pensava, enquanto alisava a barriga, nem sentiu nada quando engravidou, só percebeu mesmo porque a cintura foi alargando, o peito crescendo, a menstruação sempre foi desregulada, no início nem parecia, esse menino não era pra ser mesmo, e não foi, pelo menos dela nunca foi, quando pariu, segurou o menino porque a parteira entregou pra ela, deu o peito porque a irmã mandou, e amamentar doía, ela nem sabia quem era aquele menino, quem quis chamar de Marcos foi a tia, ela cansada concordou, mais tarde pensou que raio de nome é esse? Marcos?

 

Pariu na casa da irmã, lá era mais limpo. Um pouco antes de parir, com a gravidez já avançada sentia falta da mãe, na verdade sentia sempre falta dela. Sua mãe, Dona Carmem, morreu de câncer, doença maldita que faz sofrer, convivia com a imagem dela acamada, muito magra e com aquela cara de quem ainda acredita, ela mesma não acreditava, como é que pode alguém ainda acreditar, sofrendo daquele jeito, ela que não iria morrer sofrendo, não tinha força para essas coisas. Depois que Marcos nasceu ela até tentou gostar, não é que não amava, o menino já não tinha pai, ela também nem tinha cara de procurar o homem com um menino nos braços e dizer:  cuida que o filho também é teu, ele podia nem acreditar, cansada , ela se deitou no  quarto que alugava numa pensão , olhava pro menino e chorava, ele não é meu, repetia até cair no sono, ele chorava toda hora, foi por essas e outras que cansou, criança é pra quem tem coragem, eu não sirvo não, mas não sirvo mesmo, também não entregava o menino.

 

Quando não deu mais conta de  conviver com essa criança, entregou pra irmã, ela pôs nome, ela que crie, ela própria não sabia o que fazer, nem podia sair de casa, crianças não ficam sozinhas, alguém tinha dito isso pra coitada, que ficava em casa, pajeando a miniatura que nem ligava pra ela, só sabia era chorar e mamar, depois de um tempo também nem peito dava pro menino, onde já se viu, ficar vazando leite, começou a dar um leite que tinha na farmácia , o menino até engordará mais, criança com saúde é criança gorda, a questão é que quem via de fora, achava até que era boa mãe, mas de amar o menino mesmo, nada, era só uma criaturinha que chorava e sujava fralda o dia inteiro, aí um dia não deu mais conta, queria dançar e o menino lá, chorando, passou na casa da irmã e deixou Marcos lá, falou que era rápido, que só ia resolver uma questão, sumiu dois dias, voltou deu um dinheiro que ninguém sabe de onde veio e tornou a sumir, e aí não voltou mais, tinha ido embora pra cidade grande. A irmã, claro, aceitou o fardo, ela já tinha alguns, só mais um não faria diferença, e ela tinha marido, dava para criar, comida não ia faltar o resto ia se resolvendo. O problema, é que não foi, o dinheiro que entrava era pouco, decidiu entregar o menino para adoção, não era dela mesmo, alguém ia amar e não deixar faltar nada, tinha ouvido falar que pobre não adota, esse pensamento acalmava seu coração , se convenceu disso e foi lá deixar o menino, nunca mais soube dele nem da irmã, só ouviu mesmo foi uns vizinhos comentando que tinha virado puta, bom pra ela, pensou, pelo menos algum prazer vai ter. Na capital  tinha uma tal de camisinha que não deixava isso de engravidar acontecer e as mulheres de lá até tomavam uns  comprimidos para evitar esses incidentes, a irmã ia é ser feliz, até gostava da ideia de ser puta, achava as putas muito elegantes, já tinha vistos algumas quando ia a cidade para ver o médico.

 

E virou mesmo, ela achava que era o que dava para fazer, até queria, uma amiga tinha arrumado emprego em casa de família, mas lavar privada não era coisa para ela. Na vida de puta conheceu o amor, os carros de luxo, alguns homens bons outros não, mas esses ela preferiu esquecer, apanhava às vezes e se convencia de que era castigo por ter largado o menino, só lembrava dele quando levava uns tapas de algum homem que depois de se divertir em cima dela se recusava a pagar e aí era só Deus na causa para apartar a confusão que se formava, ela era geniosa, apanhava, mas no final sempre recebia seus trocados. E assim foi fazendo a vida, saiu do puteiro e comprou uma casinha que mais tarde transformou em cabaré, mas à medida que ia ficando velha os clientes iam sumindo, o dinheiro não era mais abundante como antes. Virou cafetina, e aí sim se achou, as meninas e até o rapaz que trabalhavam lá chamavam ela de mãezinha, ela ria e até parece que gostava. Já com 60 anos e um bom dinheiro guardado voltou pro interior, nem lembrava que tinha parido, e lá morreu dessas doenças que se pega em cidade grande, morreu sem pai, sem mãe, e sem filho também. A irmã largou o marido e foi cuidar do cabaré, puta não virou, mas aprendeu a fumar igual elas, jogando a cabeça para trás.

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