Desmilitarização não deveria ser a principal bandeira

Desmilitarização não deveria ser a principal bandeira

Membro do Fórum brasileiro de Segurança Pública e ex-secretário Adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais, Flávio Sapori, conversou com o Jornal Contramão sobre a Desmilitarização da Polícia Militar. Para Sapori, a discussão ideal não seria desmilitarizar e sim, unificar as polícias. Leia a entrevista.

Jornal Contramão – Dentre as principais demandas dos movimentos sociais está a desmilitarização da Polícia Militar. Para você, qual é o principal problema da militarização da PM?

Flávio Sapori – A bandeira da desmilitarização está tomando conta do debate nacional partindo da premissa que a estrutura militar seria incompatível com a democracia e os direitos humanos. Esta teoria induz o profissional a ser agressivo no exercício de sua função, ela forma profissionais que tendem a tratar o cidadão como inimigo. Isto explica de certa forma, o alto índice de letalidade da PM, que é uma das policias que mais mata no mundo. O profissional militar e formado pela lógica da guerra, e o combate ao crime deve ser pautado pela lógica comunitária, respaldado pelos direitos humanos e mais próximos do cidadão.

JC – Para além do combate ao crime, como seria a logística de desmilitarização da PM?

FS – Não mudaria nada, desmilitarizar na prática significaria retirar a vinculação da Polícia Militar de todo os estados brasileiros do regime militar, ou seja, eles deixariam de ser uma reserva do exército. Estes policias estão submetidos a um mesmo código militar, eles tem um código penal próprio, regulamentos próprios de aposentaria. Desmilitarizar significaria reestruturar toda a dinâmica dentro da polícia.

JC – E o combate ao crime, como ficaria?

FS – Este, no meu modo de ver, é que é o problema da discussão. Está maneira simplista de associar a cultura militar é que explica a violência do policial. No meu modo de ver a violência da policia está relacionada a uma cultura policial da violência. As duas policias no Brasil são violentas, vale lembrar que a tortura, o pau de arara, são práticas costumeiras da policia civil. Parece-me ingênuo atrelar a violência no combate ao crime à cultura militar ou civil, o fenômeno está ligado a um histórico de lidar com crime sem regras, sem limites, sem qualificação técnica adequada. O policial usa do seu conhecimento prático, ai a violência passa a ser um instrumento efetivo. Eu não acredito que a desmilitarização vai fazer a polícia ser menos violenta, que ela vai matar menos. Temos que tomar muito cuidado com esta discussão.

JC – Qual seria então a solução?

FS – Seria fundamental mexer nos regulamentos disciplinares das policias brasileiras. De maneira geral as policias militares brasileiras tem regulamentos muito draconianos, onde os oficiais tem poder de vida e de morte sobre os praças, isto tem que acabar, o que o código militar de Minas Gerais já faz em certa medida. Os praças hoje em Minas gozam de direitos de defesa que não há precedentes em outras polícias militares do país. O que precisaria fazer é diminuir o grau de militarização da polícia, diminuir a militarização na formação, retirá-los da vinculação do código penal militar, da justiça militar.

JC – Sobre a PEC-51, que visa à integração da polícia, o que você tem a dizer?

FS – Ao meu modo de ver, a discussão sobre desmilitarizar fica no campo de medidas paliativas. No meu modo de ver o maior problema é a divisão entre polícia ostensiva e polícia investigativa, a divisão entre Polícia Militar e Polícia Civil. Criar uma polícia de ciclo completo, quando a mesma polícia teria uma ação ostensiva e investigativa. Eu não acredito em integração, as duas polícias são muito diferentes e a competição entre elas é muito grande.

Talvez se falar em unificação, criando uma nova polícia, única para todos os Estados, ou então atribuir a função ostensiva e investigativa as duas polícias. Esta me parece à discussão mais plausível como pode viabilizar uma polícia de ciclo completo. A discussão sobre desmilitarizar me parece secundária, neste momento.

Texto: Alex Bessas e João Vitor Fernandes

Foto: João Alves

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