A dualidade da relação entre a juventude e a polícia

A dualidade da relação entre a juventude e a polícia

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Imagem: Reprodução/Google

Por Bruna Valentim

O movimento “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam) surgiu em 2013 depois que um segurança caucasiano usou do seu poder como autoridade e seu armamento para assassinar um adolescente afro americano que estava hospedado no condomínio onde o guarda estava fazendo seu turno. O jovem estava caminhando, não carregava uma arma, não portava drogas, não tinha burlado a lei, não tinha feito nada de errado. O que aconteceu? Ele nasceu negro em uma sociedade racista, e por mais absurdo que seja, morreu exclusivamente por isso. Uma família perdeu seu filho, um garoto perdeu seu futuro e o segurança não perdeu nada, nem mesmo sua liberdade. É absurdo e digno de perplexidade, mas por vezes casos e casos similares passam em branco pelos olhos da população.

O crime supracitado ocorreu nos Estados Unidos, mas poderia muito bem ter acontecido no Brasil. Rio de Janeiro, São Paulo, João Pessoa ou até mesmo aqui, em Belo Horizonte.

Pedro e Mateus são dois jovens com mais do que apenas os nomes bíblicos em comum. Os dois nasceram na capital de Minas Gerais, são estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e frequentam lugares parecidos. Pedro tem 21 anos e Mateus 25. Ambos são de classe média. Pedro canta rap e Mateus tem uma banda de reggae. Pedro faz direito, Mateus estuda gestão pública. Certamente têm conhecidos em comum e caso viessem a se conhecer provavelmente seriam amigos. Pedro é negro e Mateus é branco, e apesar de todas as similaridades que compartilham, no que se trata de experiências com a polícia as vivências divergem.

Pedro Nicácio conta que já foi abordado pela polícia algumas vezes, “Já aconteceram algumas situações. No nosso cotidiano percebemos que grande parte da polícia é racista. A gente sabe que a pessoa negra é mais visada, e muitas vezes sem nenhum motivo aparente é parada.”.

Segundo o jovem, ele já foi abordado em batalhas de rap, andando pela cidade, saindo de lanchonetes e afirma: “Em todas às vezes estava sem nada”.

Abordagem policial

“Em batalhas de rap, que é um lugar com o público majoritariamente negro, como as que acontecem no viaduto de Santa Tereza e em algumas praças, já presenciei revistas e abusos.”, relata Nicácio que completa, “Vejo nessas situações uma tentativa da polícia de calar a juventude negra. Nas abordagens eu me senti impotente, via jovens brancos do meu lado com roupas similares as minhas e eu fui o único revistado, se eu fosse branco não acredito que essas situações teriam acontecido”.

Mateus Senna por sua vez teve uma única experiência, mas nada violenta “Eu estava errado, estava fumando maconha e bebendo na rua com meus amigos e na verdade acho que nem iriam me revistar… só deram um susto na gente porque uns caras que estavam lá começaram a xingar a polícia e eu acabei sobrando nessa. Mas como eu não era punk como uns caras que estavam por perto, fiquei assustado e pedi para me liberarem, eles levaram os baseados e me deixaram ir. Mesmo com o desacato da galera não houve nenhuma violência que eu consiga me lembrar”.

O soldado Gil Júnior, de 32 anos, explica que a polícia é instruída a não fazer nenhuma distinção durante a realização do protocolo policial, mas reconhece a existência da violência e o despreparo de alguns colegas “O correto é que exista o mesmo procedimento para todos os suspeitos, mas sabemos que não é isso que acontece. Acredito que há policiais racistas que sujam a imagem da nossa instituição. Eles não deveriam estar exercendo a profissão e sinceramente espero que sejam a minoria”, desabafa Júnior.

De acordo com o soldado, o protocolo e treinamento é que eles devem parar na rua quem eles consideram suspeitos. “Segundo o caderno doutrinado, que é uma espécie de guia para o policial. Estranhamos coisas como blusa de frio (moletom, jaqueta de couro) no sol, alguém que parece dispensar algum material quando nos vê ou mudar de direção bruscamente. Se nos depararmos com alguma conduta criminosa vamos agir de acordo com a lei sempre, e isso deve ser feito independentemente da etnia do cidadão.”, esclarece o soldado.

O massoterapeuta Pedro Lucas, 24, em contrapartida acredita que a polícia existe exclusivamente para oprimir pessoas de cor e não se surpreende mais com as revistas policiais e os casos de racismo. “Nós somos as vítimas dessa sociedade que tenta nos calar o tempo todo, de maneira velada ou explicita. Sofremos sim opressão e não vejo sentido de a polícia existir se não fosse para proteger o poder do branco. Quando eu tinha mais ou menos quatorze anos entraram na minha casa em um bairro da periferia e quebraram tudo, reviraram a casa toda atrás de alguém que não morava lá, confundiram meu primo com um suspeito. Ficamos com medo. Minha avó estava chorando, bateram no meu pai, ficamos desesperados… parecia um filme de terror. Quando perceberam que meu primo não era bandido não pediram desculpas e ainda nos ameaçaram caso nós os denunciássemos e quem fala de ‘mimimi’ não sabe o que está falando, foi uma abordagem extremamente truculenta e que me traumatizou para sempre”, relembra Lucas que pondera, “Branco passa por revistas e ainda sim sem violência uma ou duas vezes na vida, para nós negros isso é rotina. Na Praça Sete policiais fazem diariamente uma

ronda e eu desafio você a ficar lá por algumas horas para ver quantos negros e brancos serão abordados” finaliza.

Histórias como essas de injustiça e desigualdade estão em todos os locais e na nossa capital não é diferente. Para a polícia muitas vezes ser pobre, ser negro, é um crime maior que estar portando entorpecentes. O título que Minas Gerais ostenta com orgulho, de melhor polícia militar do Brasil, é questionável se perguntarmos à população menos favorecida, à parcela sem privilégios que não mora na zona sul ou não segue o padrão estético eurocêntrico. A violência policial é um problema ao redor do Brasil e o genocídio de jovens negros é extremamente preocupante. Segundo a edição de 2014 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, entre 2009 e 2014 as polícias brasileiras –civil e militar- mataram tanto quanto a americana trinta anos.

De acordo com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre o Assassinato de Jovens divulgada em junho de dois mil e dezesseis, todo ano 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são assassinados. São 63 por dia. Um a cada 23 minutos. Em 2017 o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em uma pesquisa com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que taxa de jovens negros assassinados no Brasil 2015 é duas vezes maior que a taxa de jovens brancos assassinados no mesmo período. É evidente que “All Lives Matter” (todas as vidas importam), mas são as vidas negras que estão sendo exterminadas e precisamos não apenas falar, mas mudar isso com urgência.

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