Fora do Eixo: uma visita à casa

Fora do Eixo: uma visita à casa

Foram quase duas horas dentro da Casa Fora do Eixo Minas, em Belo Horizonte. Delas, uma de quase ininterrupta conversa sobre o funcionamento da rede e todas as polêmicas que iniciaram uma guerra memética nas redes sociais. Todo esse entrevero se estendeu na imprensa, com reportagens de revistas antagônicas como Veja e Carta Capital, grandes jornais como a Folha de São Paulo e O Globo, além de replicar em blogs à esquerda – como o Passa Palavra – e à direita – como o blog de Reinaldo Azevedo. Os militantes da sede belo-horizontina do FdE, que opera com as mesmas orientações ideológicas da “casa irmã” paulista, acompanharam vivamente todas essas discussões e são categóricos ao afirmar que se trata de uma espécie de perseguição a um modo de vida e produção cultural diferente do modelo político-econômico vigente.

Para compreender a defesa de um modelo e prática tão contestadas de vários lados e como as implicações desse caso afetam o grupo mineiro, é preciso recorrer à história da implantação da Casa Fora do Eixo em Belo Horizonte. Na capital mineira, as atividades do FdE começaram com a criação do Coletivo Pegada. Fundado em 2008, o Pegada já nasceu vinculado à rede e trouxe para a capital mineira, por exemplo, o festival Transborda. Depois de 4 anos de maturação, o coletivo se dissociou. No entanto, pelo menos um membro, o Flávio Charchar, passou a integrar a Casa FdE Minas, que surgiu em abril de 2012 como um ponto de referência do coletivo em Minas Gerais, permanecendo nela por 7 meses.

Antes mesmo da experiência de uma vida coletiva sob o mesmo teto, o Fora do Eixo já se envolvia na sua primeira polêmica em solo mineiro: a compositora, intérprete e produtora cultural Malu Aires acusou o FdE de realizar o Transborda para concorrer – de maneira desleal – com o BH Indie Music, evento organizado por ela em Belo Horizonte. Segundo Malu, o Transborda só passou a acontecer depois que ela se desligou da rede de festivais do circuito FdE. Victor Maciel, um dos gestores da Casa FdE em Belo Horizonte, rechaça a acusação com veemência: em certo momento alega que a casa sequer existia quando o festival aconteceu pela primeira vez na capital mineira, mas confirma que o evento é promovido pela rede. Argumenta que a ideia de concorrência já foi ultrapassada e que trabalham com a perspectiva de diálogo, garantindo ainda que, em uma cidade com mais de 2,5 milhões de habitantes, há possibilidade dos festivais coexistirem e termina convidando Aires a visitar a Casa.

Um dos pontos mais controversos dos “ataques” aos coletivos FdE diz respeito à prestação de contas de suas atividades, como a realização de shows chancelados pelo movimento Brasil afora. Quando questionados sobre os eventos promovidos pelo Fora do Eixo em BH desde abril de 2012 a resposta é efusiva, mas não dá conta de estabelecer números palpáveis. Victor Maciel garante que acontecem eventos semanais em todo estado de Minas Gerais apoiados pelo FdE, além dos festivais produzidos pelo Circuito Mineiro de Festivais Independentes, que neste ano incluem aproximadamente 25 shows. Na capital já aconteceram até cinco edições do Domingo na Casa e, por cerca de um ano, realizaram – em parceria com a casa de shows Granfinos – eventos gratuitos quinzenais. Embora negue enfaticamente existir uma política de não-pagamento de cachês, conforme denunciado pela cineasta Beatriz Seigner, Maciel não soube precisar quantos artistas teriam recebido pagamento nos eventos por eles promovidos. O ninja Gian Martins explica que a rede oferece outras formas de pagamento, não necessariamente monetárias: trata-se da hospedagem de artistas gratuitamente nas casas, ou do pagamento em Cubo Cards que são posteriormente trocados por serviços. Isadora Machado explica que essa troca se mostrou eficiente no caso do Cenários Possíveis – festival de teatro, que em 2012 foi realizado basicamente através da troca de serviço e utilização dos Cards para pagamento de parceiros.

As prestações de conta constituem outra dor de cabeça para o FdE, tanto que, recentemente, lançaram o Portal Transparência, uma tentativa de tornar transparente as arrecadações financeiras públicas. Martins esclarece que o Banco de Projetos não é uma planilha de prestação de contas, mas uma plataforma que soma todos os projetos da rede que foram feitos pelos membros da rede. Victor Maciel revela que, de cerca de 33 projetos inscritos em Minas Gerais, apenas 1 foi aprovado: o Circuito Mineiro de Festivais Independentes, aprovado em um edital do Conexão Vivo. Martins se debruça sobre a planilha para traçar uma crítica às políticas culturais: lembra que a soma dos valores solicitados é de aproximadamente R$ 10 milhões, os valores aprovados de cerca de R$ 4 milhões, mas que o capital efetivado não passou de pouco mais de R$ 600 mil. Sustenta que grandes conglomerados conseguem captar R$ 30 milhões. Com base nestas leituras finaliza: “O que há de alarmante nessa planilha é que o capital não chega ao interior, é que as políticas de cultura devem ser repensadas.”.

Quanto à crítica de que o Fora do Eixo explora a mais-valia de seus colaboradores, Victor Maciel é enfático. “Não é um processo de exploração de mais-valia, porque não existe um processo de dominação econômica. O Fora do Eixo, na verdade, é um processo socializante, tudo que entra aqui dentro é de todo mundo”, aponta. Em meio às críticas dos dois lados do espectro político-ideológico, ele debocha, indicando que “a esquerda tenta taxar de novo capitalismo, a direita tenta taxar de seita e a gente dá risada disso tudo”.

Texto: Alex Bessas

Foto: Aline Viana

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