R.S.V.P.

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Por Bianca Rolff – Gauche – Parceira Contramão HUB

 

Prezado Destinatário,

Esta carta se dirige a você, você mesmo, que por algum motivo iniciou a sua leitura e espero possa prosseguir até o final. Pode parecer loucura escrever uma carta para um alguém desconhecido, mas a esta altura, qualquer um tem o poder de se tornar um amigo em potencial, uma ajuda muito bem vinda ou pelo menos alguém com um mínimo de interesse.
Esta é uma carta de amor. Mas não desanime logo aqui! Como bom escritor que sou, “romântico” como diriam meus ex amigos mais próximos, ela possui enredo triste e desastroso. Não venho por meio dela pedir a você, destinatário de minhas palavras, que se case comigo, que se padeça do meu sofrimento catastrófico, ou mesmo declarar o meu amor por você, aquele amor platônico, de observação e genérico que todos sentimos ao menos uma vez na vida e que, muitas vezes, é mais real do que um amor vivido.
Não é isso.
Esta é uma carta de amor. Mas de amor-próprio. Ou talvez seja o compartilhamento de um relato de quem precisa a cada minuto que passa de um parceiro de ouvidos (no caso, de olhos, já que escrevo esta carta)  na caça ao diagnóstico mais importante de minha vida.
Em algum momento de meu passado recente, iniciei uma saga digna de um poeta típico, como diriam os meus ex amigos mais próximos. Por razões múltiplas, muitas delas oriundas de decepções relacionadas a outras pessoas e também de expectativas mínimas criadas, mas que, em acúmulo se tornaram um grande queda (e não quebra) de expectativa, iniciei uma descida aos níveis do Inferno de Dante e não consegui emergir à superfície. É complicado e nem sempre ético querer colocar a culpa pelo seu fracasso no próximo mais próximo, mas muitas vezes, é o que dá início a uma grande reação em cadeia. É complicado, mas bem comum e compreensível.
Há alguns dias, entretanto, passados os momentos de luto por mim mesmo e meus relacionamentos falecidos, acordei com uma grande câimbra no lado esquerdo do corpo, algo que me impedia completamente de sair da cama. Você deve pensar – assim como eu também pensei – que pudesse ser um derrame, ou qualquer coisa relacionada ao coração, como estamos cansados de ver nesses seriados médicos da TV.  De fato, vim a descobrir por conta própria no mesmo dia, tratava-se de um problema no coração. Mas nada de derrame. Eu estava sofrendo de falta de amor-próprio. É como falta de potássio, vitamina C, glicose, só que afeta diretamente a parte do coração que é abstrata. Não o órgão pulsante que temos dentro do peito, mas o coração idealizado por nós como local centralizador dos sentimentos, local onde guardamos todas as nossas tristezas, alegrias, surpresas e decepções.
Nos primeiros instantes, achei que se tratava de ausência de amor para dar. Eu tinha passado por um momento de desilusão tão grande, daqueles em que você aposta a mão de cartas que não tem, só por um vislumbre de felicidade, mas a jogada se transmuta num grande blefe invertido e você termina sem um tostão no bolso e um vazio ainda maior no peito, onde deveria morar aquela pessoa que não mais está lá. A desilusão foi tamanha a ponto de eu não mais olhar com vontade para as coisas interessantes ao meu redor, a ponto de uma simples conversa se tornar perigosa e frágil, ou de minhas mãos tremerem com a simples menção do responsável pela aposta mais alta da minha vida. Esqueceram foi de me avisar que às vezes, os dados podem estar viciados e isso nem sempre é uma coisa boa.
Contudo, aos poucos fui percebendo – em análise profunda, já que sair da cama eu não conseguia, – que esse amor para dar eu tinha e sobrava. Por isso mesmo eu sofria tanto. Havia em mim tamanho acúmulo de amor que eu não sabia como utilizá-lo, e por isso mesmo trancava-o dentro de mim. Seria uma questão de tempo para que eu conseguisse finalmente canalizá-lo para uma boa pessoa, alguém cujo amor por mim também seria em retribuição, alguém cujas vibrações fizessem as cordas da arpa que havia dentro do meu estômago vibrarem no tom correto da melodia. Ora, a vida é assim desde sempre: sempre iremos sofrer por amor (ou por isso que achamos ser amor, mas na verdade é um genérico bem fajuto).
Pois bem, só me sobrava a fatídica opção: a câimbra em meu lado esquerdo indicava ausência de amor, mas por mim mesmo. Você, a esta altura – se é que chegou até aqui – deve estar se perguntando como alguém pode ficar com câimbras devido à falta de amor-próprio. Pois eu lhe explico.
Para tentar preencher o buraco que se instaurara dentro de mim ante à perda de um grande amor, eu comecei a tentar preenchê-lo desesperada e rapidamente. Com paixões fulminantes de uma noite, várias por semana, a grande maioria delas resultando em pessoas semelhantes a mim (pois sim, eu era a queda de expectativa delas, gerando um ciclo vicioso e muito, muito trágico para a humanidade), com drinks quentes acrescentados de grandes enxaquecas e perdas de memória, com trabalho do qual eu não precisaria em momento algum da vida, mas que ocupava a minha cabeça e não me deixava pensar naquilo que, por pior que fosse, ainda me fazia ter certeza de estar vivo. É engraçado, pensando agora com uma certa distância, quase como se psicanalista de mim mesmo, como buscamos placebos dos mais diversos para as nossas dores. Por um tempo, eles funcionam perfeitamente, até nos fazem achar que finalmente somos capazes de fazer aquela canalização do amor para outras pessoas e coisas de novo. Mas quando percebemos que é placebo…
A gente pensa em canalizar sentimentos para todos os lugares, menos para onde realmente interessa: para nós mesmos. E então: câimbra!
Eu não fazia ideia de como curar aquilo. Tentei de tudo: ligar para o médico, fazer massagem, chamar a ambulância, o corpo de bombeiros, dar entrevista na rádio à procura de conselhos, até mesmo ligar para a minha antiga grande razão de existência pedindo por clemência (ou mesmo para dizer-lhe algumas verdades entaladas que de nada resolveriam). Nada disso adiantava e nem adiantou. Busquei ajuda espiritual, tentei ouvir mantras ou mesmo alguns exercícios mais básicos de yoga… Nada.

A câimbra, como seria suposto, deveria passar em algum tempo. Pelo menos naquele dia. Mas durou. Estendeu-se. Eternizou-se no (meu) tempo e espaço, impedindo-me de fazer quaisquer coisas, inclusive reagir. Nunca achei que fosse tão difícil lidar com a ausência de algo diretamente ligado a mim, mas justamente por a câimbra ser a única coisa que me incomoda de fato, na ausência desse sentimento por mim mesmo (se não fosse por ela, eu nem mesmo notaria a ausência) é que eu não me importaria de continuar neste estado auto-sentimental quase vegetativo. No momento, estou quase vegetando fisicamente, também.

Sabendo que, factualmente, a decisão que tomei talvez surtisse o mesmíssimo efeito de ligar para a estação de rádio mais badalada à pedido de um conselho ou uma ajuda, eis que aqui estou, redigindo esta carta (até mesmo a mais lenta das galinhas cataria os milhos mais agilmente do que eu a lhe escrever, caríssimo destinatário). Matemático que sou, sei bem das probabilidades ínfimas de receber uma resposta, um conselho ou alguma quebra de inércia de sua parte, mas ainda assim, tento como recurso improvável, mas existente. Pedi que deixassem esta carta no meio das tantas cartas de Dia dos Namorados na porta da livraria do shopping, na esperança de que você a leia e não a devolva (afinal, descobri que não sou o único a escrever cartas a desconhecidos, logo, há uma luz no fim do túnel).

Pense, se não como uma carta de amor, mas como uma questão de saúde privada. Afinal, não mexo meu lado esquerdo e bem… de gauche, basta Drummond.

No aguardo de uma resposta o mais breve possível. Esperançoso.

Alberto G.

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