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Auspicioso Acapela

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Por Auspicioso Acapela – Coletivo Parceiro Contramão HUB

Normalmente a vejo nos parques e praças, mas também vejo nas ruas da cidade. Seja para se divertir ou como veículo de entrega, qual bairro não tem aquele morador que faz pães e bolos caseiros, que lá pelas 17hrs da tarde já começamos a sentir aquele cheiro maravilhoso e, logo em seguida, ouve o sino da bicicleta no início da rua batendo de porta em porta. 

Virar a esquerda, a direita. Seguir reto, parar. Acelerar e frear. Retornar,

saltar, empinar. Tudo isso para conhecer o mundo e se conhecer, sentir em curtas e largas frações, todos os sentimentos de uma vez, diversas e diversas vezes. Talvez o segredo de tudo seja como guiar uma bicicleta.

Texto rimado por: Melina Cattoni

Fotografia: Guilherme Martins

Texto e foto editados: Werterley Cruz

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Por Auspicioso Acapela – Coletivo parceiro Contramão HUB

Me vejo presa a um hábito e tento me enganar dizendo que tenho controle da situação. Eu estava e estou sozinha, então ocupo meu vazio com algo que me dá um esporádico prazer, que logo será substituído por arrependimento.

Menti para minha família, marcava datas e datas para ser melhor, abandonei por dias aquilo que me matava aos poucos, mas como em um “bom” relacionamento, sempre voltamos um para o outro.

Tentei por vezes ser uma pessoa melhor, quis ocupar minha mente com trabalhos, amigos, internet, festas. Mas nada consegue mudar o que eu realmente sou, ou melhor, estou, ainda não mudei.

Sinto vergonha por fazer o que faço e posso ver e sentir as pessoas me julgando, se houver uma maneira de me ajudar elas estão fazendo errado. Às vezes quero apenas que elas me deixem, mas também gosto quando se importam comigo.

Para muitos é drama ou falta de amor próprio, mas eu simplesmente não me importo mais, essa mania que as pessoas têm de acharem que sabem tudo sobre o problema dos outros.

Elas destroem uma as outros o tempo inteiro e quando faço algo que não seja saudável a mim elas são as donas da verdade.

 

Tenho consciência dos meus atos e também conheço as consequências, não há nada para refletir, escrevi por esclarecimento e estou bem, não precisa perguntar o tempo todo. Não comecei minha dieta, não parei de fumar, não parei de beber, não parei de me torturar e realmente não sei quando o farei, talvez na próxima segunda.

Por Rúbia Cely

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Por Auspicioso Acapela – Coletivo parceiro Contramão HUB

Quando a professora Solange falou que iríamos ao museu, não gostei muito.
Na verdade, nunca fui em um, mas acho que deve ser super chato e entediante. Isso é coisa de adulto, ficar olhando por horas um quadro estranho para depois comentar coisas sem sentido sobre aquilo. Vi isso em vários filmes, em alguns deles o mocinho se apaixona pela mocinha, o que seria demais pra mim. Outra coisa que me incomoda nessa excursão é que o Pedro pode começar a fazer chacota comigo com o Júlio perto.
Mesmo com todos esses motivos contra, levei a autorização para a minha mãe assinar, nada poderia ser tão ruim. Além do mais, sempre gostei de passear de ônibus, sentar na janela. Fico imaginando quando for adulta e magra, os garotos vão gostar de mim sem que eu passe cola para eles e eu vou olhar e dizer “eu não quero”, que nem a Carol faz. Não terei que mentir que já beijei na boca ou que alguém já me pediu em namoro, porque serei bonita.
As minhas amigas, Letícia e Anne, estarão lá para me dar apoio. Elas são muito legais, dividem o lanche comigo escondido, porque se algum dos meninos virem, eles jogam os biscoitos no chão, pisam e ficam gritando BALEIA o tempo todo. No começo chorava muito, até a Letícia me passar as coisas escondidas no banheiro. A Anne tentava bater neles e contar para as tias, que tinham a resposta na ponta da língua: “eles são assim mesmo”.
O museu é grande e espaçoso, maior que a minha casa. Tem muitas paredes, poucas pessoas e um vazio enorme que se gritar dá eco. Acho que sou igual um museu. O moço que a Tia Solange nos apresentou começou a mostrar os quadros e um pouquinho da história deles. Eram umas coisas esquisitas e coloridas, que fizeram o Pedro e seu bonde rirem. Não sei se fiz por instinto, dei as mãos para minhas amigas, preparando para segurar o choro caso o motivo fosse eu. Paramos em um dos quadros, ele mostra alguns adultos em um lugar verde, pareciam tranquilos.

– É tão feia quanto a Roberta! – As gargalhadas de toda a turma enchiam o museu. A Tia Solange gritava algumas palavras de ordem em vão. Letícia apertava mais forte a minha mão e Anne tentava inutilmente calar as risadas.

O quadro na parede devia ser um pouco menor que eu. Mostrava quatro pessoas, sendo uma mulher e três homens. Diria que estavam comemorando algo. A mulher no centro era gorda, branca com o cabelo comprido e vermelho. Os homens a olhavam com carinho e com respeito. Quase podia tocá-los e sentir que ali, aquela mulher, não era tratada diferente, mas sim como alguém especial. O olhar dela era de felicidade. Naquele momento quis ser ela. Sem vergonha do próprio corpo, com amigos e pretendentes, feliz por existir.
As risadas ficaram em segundo plano. Não conseguia dizer o que estava sentindo, era como se realmente existisse um mundo dos meus sonhos, onde não havia solidão ou choro por não ser bonita e magra.
Quando a excursão terminou, tive a certeza que dentro de mim morava um museu com aquele quadro. Talvez, quando fosse adulta, pudesse colocar mais quadros para que outros pudessem vir, olhar e vivê-los.

Por Ked Maria

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Por Auspicioso Acapela – Coletivo Parceiro Contramão HUB

A flor estava triste
A flor estava murcha
Em um momento tinha tudo
Em outro momento desfolhava

É uma flor especial
Tinha lagos ao seu redor
Pássaros à alegravam
Mas mesmo a abundância não a satisfazia

A flor não tinha tempo
Nascia na estação errada
Parecia que no verão se fechava
E no inverno se confortava

Os seus próprios espinhos a machucavam
Ela não sabia crescer 
Tinha medo de se quebrar
Então escorava-se nas outras

Não é uma flor delicada
Não tem cores vibrantes
Seu cheiro não é viciante
Estas são as outras flores

É uma flor diferente
Espécie fora dos registros
Flor que incomoda
Erva daninha


Você deve estar se perguntando
O que fazer com essa flor!?
Pois te digo: Nada!
Cuide do seu próprio jardim.


Por Rúbia Cely 

 


Pois raízes grosseiras já cuidam para que ela

mantenha-se…
Fora do lugar

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Por Auspicioso Acapela – Coletivo Parceiro Contramão HUB

Durante alguma conversa com amigos sempre sai “já fiquei com fulano” e a frase é rebatida com “mas você já pegou todo mundo também, né?”, o que acho triste é que ninguém nunca parou para me perguntar o porquê de ter tido tantos relacionamentos ou ficantes. 

O peso de não se encaixar no padrão de beleza estabelecido, na fase da infância, vem de forma bruta e rasteira. Nos primeiros dias na escola você já sabe qual posição irá ocupar, tem a menina feia, a indiferente e a bonita. Eu era uma criança negra, orelhuda e songa, obviamente não era a “bonita”. Apesar de todo o desconforto que não entendia muito bem, encarava como só mais uma coisa estranha da vida que eu não fazia a mínima ideia do porquê. 

Quando cheguei no Ensino Fundamental existia uma pressão quase palpável para “namorar”, a questão afetiva era um status e, assim como mandam os filmes hollywoodianos, “o menino bonito fica com a menina bonita, sempre”. Ninguém quer “namorar” com a pretinha da sala, passar o recreio de mãos dadas ou algo do gênero. Então os meus amigos eram os rejeitados, a menina gorda, os negros, o cabeçudo, a que usava óculos, enfim, éramos o Clube dos Excluídos. Logo, tudo isso significava que a probabilidade de ter algum privilégio com a minha beleza foi reduzida a zero. 

Uma vez ou outra aparecia algum menino interessado, o que me fazia pular de alegria até descobrir que ele estava ali por cola, para copiar trabalhos, pegar resumo, na verdade ele só queria aproveitar. Nesses casos me sentia mal, mas não tanto quando percebi a lógica do sistema, para conseguir confiança e jeito para chegar na “menina bonita” exige treino e prática, e não existe pessoa melhor do que aquela que não está em evidência. Os garotos se aproximavam de mim por ser a “menos pior” do Clube dos Excluídos, afinal não era gorda, minha pele é de um tom mais claro comparado as outras negras, apesar do meu cabelo ser “ruim”, era escovava toda semana. Por muitas vezes preferi ser só a “inteligente” do que ser a “menos pior”. No entanto, pegava as migalhas que eram jogadas e tentava me contentar, pelo menos tinha perdido o BV¹, e é aos poucos que se conquista algo. 

O tempo passou e no Ensino Médio consegui ver como essa coisa de se doar para pessoas esporádicas que aparecem de repente na vida só gera mais solidão.  Sempre sonhei com a auto-suficiência e admitir que me sentia só era o mesmo que anunciar a minha fraqueza, coisa que não suportaria. Colecionar vários beijos na boca impulsionou um vazio que não iria compartilhar com ninguém, principalmente porque minhas amigas me viam como uma soldada que invadiu o campo inimigo e abriria uma entrada para elas também. Pensava em como dizer que o lado de lá é superficial e oco, contudo todos que beijavam eram felizes, o problema poderia está comigo. 

Com os anos aderi a Técnica do Desinteresse, ninguém poderia me rejeitar por uma coisa que eu não estava afim, o que era muito cômodo, afinal se não desejasse o “crush” da sala ele nunca poderia me menosprezar. Em contrapartida, aceitava todos os pedidos de afeto, em outras palavras, não procurava carinho porém era de quem quisesse. Acredito que veio daqui o fato de hoje não me atrair por indivíduos olimpianos, prefiro aproximar dos fora dos padrões de beleza estabelecidos. 

Tudo isso gerou uma falta de reconhecimento muito grande, todo garoto que demonstrava interesse ativava uma vozinha na minha cabeça que sussurrava “finalmente um”. Fazia planos para o futuro com aquela estúpida esperança do “agora vai” e nunca ia. Toda expectativa de um parceiro era encarada como uma cura da minha solitude, atraindo relacionamentos e amizades abusivas. Mantevi vários namoros por pensar que não seria o suficiente para outra pessoa, e quando eles terminavam, recomeçava a procura de outros lábios para tentar alcançar aquilo que me venderam como o necessário para ser feliz. O resultado de tudo isso foram várias traições e abandonos. 

As coisas pioraram quando perdi a minha virgindade, pois a energia que é trocada no sexo é muito maior. Tola como sou me entregava aos meus parceiros na tentativa de estabelecer conexão, intimidade e companheirismo que, em muitas vezes, não era recíproco. Acabava me sentindo uma bosta por ter me dedicado tanto por alguém que só que ter uma rapidinha. 

Olho para trás e vejo quantas pessoas já passaram na minha vida, obviamente levo um pouco delas comigo e nem tudo foi ruim. Tenho ótimas lembranças e sons de risadas alojadas em lugares especiais, para lembrar sempre não preciso de encaixe nenhum. Sou rodada por buscar status. Sou rodada por me sentir sozinha. Sou rodada por procurar amor. Sou rodada na tentativa inútil de me completar. Não consigo dizer exatamente o que quero, mas com certeza digo com todas as palavras o que não quero. Uso todas essas experiência como voz para gritar a minha completude. 

Hoje, aos vinte e dois anos, não dou importância para beleza e apesar de já não ser considerada a “menos pior” a palavra “gostosa” chega um pouco deturpada aos meus ouvidos. Almejei tanto ocupar o lugar de desejo que agora não consigo gostar dessa posição, quando me é dada. Estou em um relacionamento fechado que está longe da ‘perfeição’ (não quero a ideia de “perfeição” que tentam me vender), com alguém que me respeita e me ama. Tenho maturidade para conversar e me expor para meu namorado e liberdade para me expressar. 

Todas as vezes que alguém comenta como sou rodada, as memórias de todas essas rejeições e as situações submetida, que não fazem jus ao que sou, vêm a mente com um toque de tristeza. Com tanto discurso de empatia me pergunto se ela foi mais um dos privilégios que me foi negado.

¹Boca Virgem – alguém que nunca beijou na boca

Texto escrito: Ked Maria/ Texto Editado: Werterley  Cruz

      

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Reprodução internet

Por Auspicioso Acapela – Coletivo parceiro Contramão HUB

Segunda-feira, uma hora da tarde, e a primeira coisa que percebo é que o dia está quente demais, já que estamos no inverno.

Revoltada com o sol e o suor que começa a se formar em minha pele, subo ‘aquele’ morro para chegar até o ponto de ônibus. 

Eu estou cansada e meu dia ainda nem está na metade. Não estou no clima de ouvir música no ônibus e nem criar relacionamentos e romances platônicos em minha mente.

Fico chocada com a minha capacidade de imaginar e criar uma vida, uma história completa, com alguém que vejo por um milésimo de segundo. É sempre a mesma coisa. Mas hoje eu quero pegar meu ônibus, piscar e já estar no trabalho.

Finalmente o ônibus chegou. E é com alivio que percebo uma cadeira vazia na parte da frente. Ando o mais rápido que posso para que aquele lugar seja meu.

Há uma senhora e peço licença para eu me sentar junto a ela. Ela não me olha nos olhos, me olha na alma, depois escaneia todo meu corpo antes de se encolher para eu passar e finalmente sentar.

Vejo pessoas subindo no ônibus com uma certeza delas mesmas, como se já tivessem o futuro planejado, mais talvez tenham mesmo. Enquanto eu, olho para a janela do ônibus, sinto a brisa morna  e não tenho nem noção de como será o dia de hoje. 

Percebo que a velha ao meu lado se sente incomodada com algo. Ela mexe em sua bolsa com a máxima delicadeza que seus dedos enrugados e rachados conseguem. A todo momento, inquieta, a velha observa os arredores e procura por algo que não parece estar lá. Apoia-se em sua bengala e passa para o assento atrás do meu. Parece estar tão perdida quanto eu e percebo a ansiedade ao vê-la pelo reflexo do vidro a  minha frente, roendo as unhas desesperadamente.

O ônibus está sacudindo  mais que o normal e vejo como meu corpo se espalha a cada curva brusca. Talvez isso tenha incomodado a senhora, minha postura, meu tamanho. Mas ela demorou tanto tempo para se levantar. Será que estava com medo de me magoar ou me abandonar? Tudo é muito estranho. Nosso assento é o mais estofado e confortável da parte da frente. O banco de trás esvaziou pouco depois de eu me sentar ao seu lado, mas ela continuou comigo.  Será que ela pensou em mim, como penso nela agora? 

Ela não parece aquelas senhoras tradicionais. Não parece que cozinha para os netos algo proibido pelos pais. Ela nem ao menos parece ter netos. Tenho medo dela ser sozinha.

Sobre os amores. Este é um assunto que gostaria de tratar. Mas ela também não parece estar em clima para falar de romance. 

Meu avô por parte de mãe morreu primeiro que minha avó. Perder alguém que se escolhe pra levar a vida juntos não deve ser uma barreira simples de se enfrentar. Penso se esta senhora sente dor da perda ou se já viu tanta morte que ‘agora tanto faz’.

Ela não deu um pio. Isso me surpreende, pois os idosos costumam contar a vida inteira para quem está ao seu lado. Pelo menos, comigo sempre foi assim. Mas ela apenas murmurou alguma coisa ou outra, coisas que devem fazer sentido apenas na sua cabecinha branca parcialmente coberta por um lenço.

Temos tanto à esclarecer, tenho tantas perguntas. Já estamos tão íntimas, mesmo sabendo que ela não gosta de mim. Mas vejo que tudo vai acabar, pois ela ergue sua identidade e sagazmente se levanta com leveza de um alguém que não usa bengalas.

E foi ali na Avenida Amazonas com a rua Curitiba que ela me deixou sem nem dizer adeus.

Texto escrito: Rúbia Cely/ Texto editado:  Weterley Cruz