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*Por Jéssica Oliva

Ao me levantar, pela manhã, sinto como se fosse uma borboleta, em suas fases até a libertação. A rotina se torna rotina, a janela do quarto continua sendo uma janela. E o sol das dez? Ele nunca será o mesmo. A cada dia que passa, o Sol tem características alteradas. Posso sentir quando ele exala tristeza, ou alegria. Em tempos de pandemia, o Sol tem ficado tão, mas tão quente!, que chega a rachar a minha pele.

Antes, eu corria para vê-lo entrando pelas frestas de minha janela, logo ao amanhecer. Sentia o vapor na minha pele, e logo me deitava diante dele, para me sentir melhor. Hoje, só tenho corrido para sair do quarto, sair da sala, sair do banheiro, pois tudo tem sido tão monótono que não consigo me movimentar como antes. A mistura de sentimentos aparece, as crises são expostas por sensações de desespero e inquietação, e o medo toma conta do meu Sol. Não posso sair à rua, não posso me movimentar. Às vezes, não consigo nem respirar.

Já não sei como me sinto. Os quatorze dias já viraram cem. Minha alma foi roubada, assim como meus sentimentos, minha disposição… Tenho me sentido como um objeto. O quarto fica escuro, o sorriso já não vem mais, e a vontade de sentar numa mesa de bar, e pedir uma cerveja, também já não existe. Por onde anda toda essa vontade, se não tenho sequer um minuto para abraçar meus entes queridos? Esqueci a sensação do abraço, do apego, do desapego, de estar ou não apaixonada. Tudo isso me foi tirado. Já tentei convencer o Sol de sua beleza estonteante, já lhe disse o quão importante é. Meus cabelos brilhavam, ao me pôr de frente para ele; meus olhos reluziam, ao ver raios de luz atravessando as ruas, os comércios, e a minha casa.

O vento já não vem mais, o frio chega devagar, atravessa as paredes das casas e arrepia a pele. O sentimento de perda chega a ser indolor, quando a dor já nem se é sentida mais. As valas são cavadas como buracos nas plantações de flores, a luz amarela, que vem do céu, já não reluz e reflete nos esquifes expostos ao chão. A terra é derramada junto às lágrimas de saudade. Os minutos parecem horas, e o adeus se torna, apenas, a Deus. Milhares de perguntas são feitas, e minha cabeça já não absorve sequer a soma de um mais um. A história fica, literalmente, no passado; mas e daí? Talvez, meu corpo atlético sobreviva a toda essa experiência obrigatória; talvez, eu tenha que derramar mais lágrimas para o Sol voltar.

A falta é tão grande que, quando escuto o som do famoso “Money”, a cabeça vibra e a verdadeira aglomeração começa. Talvez, eu precise viajar cinco mil quilômetros para escutar esse som tão esperado e almejado. Às vezes, fico parada na janela do quarto, e sinto que estou vivendo como no “Mito de Platão”: me sinto em uma caverna, mas a única diferença é que posso ver as pessoas falando comigo, através da TV ou do rádio. Todos falam sobre o Sol, e sobre quando ele voltará. A idealização da liberdade vai e volta de meus pensamentos. A perna chega a tremer em pensar. A sensação deve ser maravilhosa, mas ainda não sei dizer qual é. O tempo vai se fechando e a única certeza que tenho é de que os raios de luz não entrarão por minha janela tão cedo. As máscaras não cairão, e eu ainda estarei presa por uma grade, que me separa das ruas e do meu Sol das dez.

Meu cabelo não vai brilhar, meu corpo não vai se tornear, minhas unhas não crescerão, meu sorriso não vai se abrir espontaneamente, mas sei que uma vida vai ver a cor dourada que nasce todas as manhãs, vai respirar, vai gritar, sorrir, abraçar, amar, gostar e desgostar. Essa pessoa vai acreditar na liberdade, na pureza da vida, usará máscaras e álcool em gel, vai se preocupar com o próximo, e vai se doar em prol de outras vidas.

A vida não é uma peça do quebra-cabeças, mas também não é um leite derramado. A vida é importante para quem respira, grita, chora. Talvez, seja importante para mim, mas gostaria que fosse importante assim como uma flor que nasce, um bebê que chora, uma idosa que sorri. E como o Sol que entrava, todo os dias, pela minha janela.

 

 

*A crônica foi produzida sob a supervisão do professor Maurício Guilherme Silva Jr.

 

 

 

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Foto Reprodução Internet

Por: Kedria Garcia

Pote

Vamos lá, tudo começou com a Anne. Ela não parava quieta e sempre estava falando e falando. Falava com os olhos, com o corpo, falava comendo e principalmente dormindo.

“Se eu fosse azul seria gosto não de céu. ”

Seu medo era de se tornar prédio, viver parada, dura, triste, sempre observada por cotidianos corriqueiros e nunca tocada pela curiosidade. O triste era quando ela voava para casa, deixa um vazio tão grande no meu peito que mal sabia o que fazer. Eu a amava, queria ela por perto. Foi então que a coloquei em um pote! Sim! Em um pote, um potinho! E fiz de cordão para a ter sempre por perto. Pensava que ela não iria caber, talvez suas falas a afogariam ou, pior, quebrasse o vidro que demorei tanto tempo para fazer. Todas as noites abria o potinho para que suas falas saíssem, passava o dia esperando para dormir ao som de sua voz. Desesperei quando notei que sua fala saia cada vez mais fraca até que virou choro e silêncio.

Carol gostava de perguntas que não se têm resposta.

“É possível correr mais que o pensamento? ”

Espaçosa, ocupava todo o meu tempo com pensamentos mirabolantes.

“Café acorda a gente, qual bebida nos levanta para a vida? ”

Ela era um vendaval antes da tempestade, era vento que ia para todos os lugares, tocava as pessoas sem que elas pudessem sentir. Eu a adorei desde o primeiro olhar. Assim comecei a pensar em um potinho que não a matasse, era transparente e confortável. Todos os dias colocava ela para sentir o sol.

“Porque o cheiro não tem calor? ”

 Com o passar dos dias suas perguntas foram ficando sem entonação e depois silêncio. Um dia chegando do trabalho a encontrei com uma interrogação amarrada na garganta.

Convencido em não curar minha solidão procurei o ombro amigo dos bares. Bebia em cada esquina toda a dor de ver os outros em uma bolha e meus potes apagados. Em um final de semana chuvoso, boteco as moscas, escutei uma risada gostosa daquelas que te faz levantar da cama em uma manhã cedo de domingo. O som da felicidade me ganhou. Sentei ao lado do dono desse prazer único e para minha surpresa ele me envolveu em uma madrugada leve e fugaz. Carlos entrou em minha vida chutando a porta da frente, abrindo as janelas e convidando o Sol para fazer uma festa. Estava disposto a tentar mais uma vez, comecei a construir um pote devagar. As gargalhas eram servidas no café da manhã, frescas e com sabor do despertar. Depois de quase um ano a pequena morada já estava pronta, cheia de furos para que pudesse respirar e maior, desta vez, daria certo. No dia seguinte, encontrei o corpo esmagado por uma porção de tristeza acumulada.

E foram tantas Annes, tantas Carois e um Carlos que acabei por colecionar postes mortos. Não entendia como, pois, sempre adaptava os potinhos para morarem. Como planta regava minha doçura e meu carinho todos os dias e ainda sim adoeceram e morreram. Talvez o meu erro tenha sido conhecer a vida que prende e fica e não a que se vai mas deixa um pouco do que se é para trás.