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Uma das músicas mais revolucionárias da banda Legião Urbana – “O Reggae”, mostra a situação dos jovens que entram em conflito com a lei, relatando a visão de um jovem que não se sente parte da sociedade. “Ainda me lembro, aos três anos de idade/o meu primeiro contato com as grades/ O meu primeiro dia na escola/Como eu senti vontade de ir embora!” Além desta, a música Faroeste Caboclo também mostra o sentimento de Santo Cristo ao ver o pai levar um tiro de um policial militar, que é muito comum entre esses jovens. “Quando criança só pensava em ser bandido/Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu”.

Segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) do nosso país, o menor, quando pratica uma conduta ilegal, deve receber a sócio educação, não apenas para observar sua conduta e consequências, mas principalmente para que receba, ainda nessa fase de desenvolvimento e formação de personalidade, o tratamento cabível. A finalidade desse processo é a inclusão social, integrando o menor de volta a sociedade. Estima-se que 60 mil (17,4%) adolescentes cumprem medidas socioeducativas em estabelecimentos de correção ou estão cumprindo medidas em regime aberto assistido no Brasil.

Para entender melhor a situação, Dra. Valeria da Silva Rodrigues, juíza de Direito titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte-CIA BH, tirou dúvidas através de um “pergunta resposta”, explicando como é a situação dos adolescentes que estão enfrentando este processo:

Contramão: Baseando-se no trecho “Aos quinze foi mandado para o reformatório/Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror”,  da música Faroeste Caboclo, da banda Legião Urbana, e no que a mídia mostra sobre o sistema carcerário precário, é possível que grande parte dos adolescentes em conflito com alei se revoltem contra a sociedade após entrarem em liberdade?

Dra. Valéria da Silva: Entendo que não. A revolta desses adolescentes vem da falta de inclusão social, da falta de oportunidades, da falta de emprego, da violação pelo Estado de garantir os direitos básicos à saúde, à educação, ao esporte, ao lazer, à moradia, à cursos profissionalizantes. Esses são os verdadeiros motivos que levam cada vez mais crianças e adolescentes a praticar atos infracionais. A omissão da sociedade e a falta de responsabilidade do Estado são os fatores determinantes.

Contramão: Na música O Reggae, Renato Russo nos mostra um pouco do sentimento de crianças que não se adaptaram a “sociedade” e sucumbem ao mundo dos crimes, por estarem em uma fase onde são facilmente influenciados, infelizmente pelo errado, que é o que mais lhes atrai, como esperam que ele se recupere, sendo que os centro socioeducativos para onde são mandados, não tem estrutura suficiente para isso?

Dra. Valéria da Silva:  O que leva um indivíduo a mudar sua trajetória de vida, seja ele criança, adolescente ou adulto será sempre sua AUTODETERMINAÇÃO. Quando o ser humano não interioriza que está no caminho errado, que existem outras alternativas na vida para lidar com suas dificuldades, você pode lhe oferecer oportunidades que ele continuará no caminho do ilícito. Não é o sistema que muda o individuo e, sim o individuo que muda o sistema.

Contramão: Como a influência da família pode afetar a criança, durante essa fase de sua vida? Você acredita que os pais são um dos maiores fatores para que a criança entre nessa vida, como é dito no trecho “Aprendi o que era certo com a pessoa errada/Assistia o jornal da TV/E aprendi a roubar para vencer” da música O Reggae?

Dra. Valéria da Silva:  A família é a principal responsável pela formação de uma criança, do seu caráter, do seu comportamento. Através da educação que os pais transmitem aos filhos desde o primeiro dia de vida é que vai ser formado, moldado o cidadão. A transmissão do conhecimento, da cultura, do comportamento, da cidadania pelos pais aos filhos é determinante para a formação desse indivíduo.

A desestrutura familiar, um lar desarmônico onde há conflitos, brigas, agressões físicas e verbais, maus-tratos, abusos sexuais são fatores determinantes para a entrada da criança e do adolescente na criminalidade.

Contramão: Com uma Educação que deixa a desejar em nosso país, fazendo que os jovens percam o interesse em seguir a diante os estudos e ter um futuro melhor do que eles vêm seguindo, você acredita que é só o adolescente “querer”, que ele vai mudar seu rumo, se ele não possui nenhum incentivo?

Dra. Valéria da Silva: Acredito que mesmo com todas as adversidades externas que os jovens sofrerem, principalmente com uma péssima educação no ensino regular, eles são capazes de VENCEREREM e serem o profissional que desejarem. Temos vários exemplos de adolescentes que vieram da extrema pobreza e lutaram por dignidade e uma vida melhor através dos estudos e não do uso de arma de fogo.

Contramão: Com a desigualdade social, e o preconceito racial em vantagem sobre o adolescente, como é possível que o jovem mesmo depois de ser liberado, não volte a cometer os mesmos erros de antes, se ele vai continuar tendo contato com essas realidades?

Dra. Valéria da Silva: A pergunta já foi respondida acima.

Contramão: A mídia nem sempre mostra o quadro real do ocorrido, muitas vezes dá a ideia de que os adolescentes infratores não têm nenhuma correção e que nunca poderão voltar a ter uma vida integrada em sociedade. Essa reintegração acontece em qual escala? Como esses adolescentes infratores tem acesso a essas oportunidades de reinserção na sociedade?

Dra. Valéria da Silva: Posso afirmar que em Belo Horizonte 80% dos adolescentes que recebem medidas socioeducativas pela prática de ato infracional, são reintegrados à família e à sociedade, através do retorno a escola, a realização de cursos profissionalizantes que o capacitam para arrumar o primeiro emprego.

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Matéria produzida pela aluna do quarto período de jornalismo, Ana Carolina Rodrigues, na disciplina de TIDIR/JOR2B

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