30 anos da Constituição, direitos e desafios

30 anos da Constituição, direitos e desafios

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Ulysses Guimarães declara promulgada a Constituição de 1988. Foto: Fernando Bizerra.

A Constituição brasileira completa 30 anos e revela desafios que a sociedade ainda precisa transpor em direção a igualdade de oportunidades e efetivação de direitos

Por Patrick Ferreira*

A sociedade brasileira anseia por mudanças. Cada um, com suas convicções, grava um vídeo, por meio de um celular, e diz o que espera para o futuro do país. Quando não havia meios de comunicação tão dinâmicos como hoje, mais precisamente em 1986 e 1987, os cidadãos foram consultados sobre a elaboração da Constituição, que completa 30 anos em 2018. O Contramão acessou o acervo da Câmera dos Deputados onde estão arquivadas 72 mil cartas enviadas por leitores de todo Brasil.

Após a distensão política, que deu fim ao regime militar, era preciso imprimir à política brasileira aspecto mais moderno, que assinalasse uma ruptura definitiva com o passado antidemocrático, através de uma Carta Magna. Em 1986, foram disponibilizados, nas agências dos Correios, formulários para que a população pudesse expressar a opinião sobre a criação de um novo projeto de nação. As correspondências, na ocasião, foram enviadas ao Senado, em Brasília, com propostas para a elaboração da Constituição.

Mesmo depois de três décadas, a Constituição permanece atual e sinaliza os desafios que as diferentes esferas políticas têm de enfrentar para que direitos da população sejam assegurados.

No entanto, muitas discussões geradas em torno da Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988, ainda estão latentes na sociedade. O apelo da moradora da cidade de Pirapora, em Minas Gerais, Helena Ferreira dos Santos, enviado por meio de uma carta ao Senado, é de que as empregadas domésticas passassem ter seus direitos garantidos como qualquer outro trabalhador:

“Sugiro que nesta Constituinte vigore uma Lei que estabeleça benefício às mulheres Domésticas, pois as mesmas trabalham a vida inteira e não recebem nenhum benefício, morrem desamparadas. Sugiro que os Direitos Humanos sejam ressuscitados nesta Constituinte”.

O pedido de Helena foi atendido 25 anos após a reivindicação, em 2013, com a Emenda Constitucional 72, mais conhecida como a PEC das Domésticas (PEC 66/2012), que regulamenta o trabalho doméstico com 8 horas diárias, 44 horas semanais de jornada e com direito a hora extra.

Os direitos trabalhistas, queixas recorrentes, foi o ponto levantado por José Siqueira Sobrinho, de Taciba, São Paulo. Ele defendeu que a aposentadoria fosse facilitada para o contribuinte.

“Que a aposentadoria em geral volte a ser para os homens, por tempo de serviço máximo de 30 anos, por idade de 60 anos; para mulheres e trabalhadores em insalubridade, seja o máximo de 20 anos de trabalho ou de 55 anos de idade. Isto porque, atualmente no Brasil, às vezes, o atestado de óbito chega primeiro do que a carta de aposentadoria”.

O atual presidente da república, Michel Temer, pretende aprovar ainda no restante do seu mandato a proposta de reforma da Previdência. A idade mínima para a aposentadoria de trabalhadores privados passará para 62 anos para mulheres e 65 para homens. No caso de servidores públicos e categorias especiais como professores, policiais e trabalhadores submetidos a ambientes nocivos à saúde, a idade fixada será de 55 para mulheres e 60 para homens.

Assunto que requer atenção, a desigualdade de gênero ainda se mostra um desafio em várias áreas, sobretudo no mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE, de março de 2018, as mulheres ainda recebem 25% a menos que os homens. Em 1986, Jeronyma Queiroz Ferreira, morada de Serranópolis, em Goiás, defendeu a pauta.

“Agradeço a oportunidade de poder dar minhas sugestões: bastaria que houvesse igualdade de salários. Por que as mulheres sempre ganham menos que os homens?”.

O mineiro de São João Del Rei, Celso Arcanjo da Silva, fez um apelo pela democratização do ensino superior:

“A minha sugestão é a respeito dos cursos superiores, eu acho que deveriam colocar as coisas nos seus devidos lugares. Um bom exemplo disso, são as faculdades federais que, dizem, são para alunos pobres, mas na realidade só entram para uma faculdade federal alunos ricos, pois os pobres não têm condições de estudar o suficiente para enfrentar os vestibulares das faculdades federais. Quem pega na enxada de dia e nos livros de noite, não tem condições de enfrentar estes vestibulares. E o que acontece é que fazem o vestibular em escolas particulares onde o preço é muitas vezes superior a um salário mínimo e aí ficam em má situação.”

Alguns projetos do governo federal como o Reuni, programa de apoio a planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o Programa Universidade para Todos (Prouni) e as cotas raciais, promoveram, nos últimos anos, o acesso de milhões de brasileiros ao ensino superior. Ainda que haja muitos desafios nesse sentido, a camada de menos favorecidos ascendeu por meio dos programas de inclusão nas universidades.

A corrupção sempre foi assunto presente na sociedade. Joaquim Teixeira, de Tabosa, no Ceará, apenas um ano depois do fim da ditadura militar, pede fiscalização mais rígida para autoridades políticas e militares.

“Gostaria que houvesse uma fiscalização rígida e punição às autoridades que desviam dinheiro público. Que haja uma fiscalização na declaração de renda dos prefeitos e familiares – anual. Que os militares sejam punidos pelos seus crimes e não apenas excluídos das corporações, lhes dando possibilidades de continuarem livres, para mortes, assaltos, estupros, etc. Que os delegados e soldados deem realmente segurança ao povo e não batendo nos pobres presos, para satisfazerem seus instintos, confiados na farda que usam.”

Ainda que muitos casos de corrupção, envolvendo políticos brasileiros e empresas, invadam hoje os noticiários, o governo federal investiu nos últimos anos no fortalecimento e autonomia do Ministério Público (MP) e da Polícia Federal (PF).

O respeito à diversidade sexual, outro tema sensível à sociedade brasileira, foi pautado por um homem identificado apenas como Cláudio, de São Paulo, que escreveu:

“Que os homossexuais tenham seus direitos garantidos, que a nova Constituição apenas constate um fato e reconheça que nesse país existem, não um ou dois, mas sim milhares de homossexuais que são discriminados e humilhados por mentes conservadoras e atrasadas, os homossexuais são tão humanos quanto os outros, pagam impostos, e têm que ter seus direitos garantidos. Que a Constituinte o reconheça apenas.”

Desde 2011, o Supremo Tribunal Federal reconhece a união estável de casais do mesmo sexo. O mesmo tribunal vem sensibilizando-se com os direitos de transexuais e travestis, ao garantir o uso do nome social em documentos, inclusive no título de eleitor. De 2008 para cá, a redesignação sexual é uma realidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo com todos esses avanços, o Brasil é ainda o país que mais mata LGBTs no mundo. Em relatório produzido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), foram registrados 445 homicídios de LGBTs em 2017, 30% a mais que o ano anterior, que teve 343 casos.

A Constituição brasileira, umas das mais elogiadas do mundo por dar devida atenção aos direitos humanos, foi elaborada com a intenção de promover diálogo entre a população e o poder público, além de estabelecer os direitos e deveres de cada cidadão. A carta define os papéis e deveres dos cidadãos, bem como a função do Estado. Contudo, muitos desafios precisam ser transpostos rumo à efetivação destes direitos e promoção da igualdade.

*(O estagiário escreveu a reportagem sob supervisão do jornalista Felipe Bueno).

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