Por Júlia Garcia

Pele branca, cabelo liso e corpo magro. Um looping infinito. Seus olhos acompanhavam o movimento enquanto andava pelo shopping e observava as vitrines das lojas. Em casa, ligava a TV e o looping continuava. Pele branca, cabelo liso e corpo magro. Ansiava em encontrar pelo menos uma onda nos cabelos escorridos que tanto via. Ou até mesmo uma mancha na pele dos múltiplos rostos que alcançavam sua visão. Até encontrava, mas ainda assim não era parecido com seu próprio reflexo. 

Toda noite, antes de dormir, se preparava para seu exercício diário. Se olhar no espelho. Seu olhar era julgador e crítico quando se deparava com a imagem refletida no objeto pregado na parede. Mas por quê não gostava do que via? Por que a cor da sua pele, suas curvas, seus cachos, não eram vistos com carinho? Simples! Ela não se encontrava nos lugares onde costumava ir. Ela não via nada parecido consigo mesma. Tudo era padronizado. Pele branca, cabelo liso e corpo magro. Sem cor e sem vida. 

Ela cresceu com a falta de representatividade. Começou a alisar o cabelo, como o das modelos. Iniciou uma dieta rigorosa. Fez o orçamento de procedimentos estéticos para afinar o nariz. Seu objetivo, todos sabiam, menos ela. Queria se encaixar naquele padrão das vitrines e TV. Sem cor e sem vida. Mas sua pele impedia. Quando se lembrava que não podia mudar sua cor, entrava em desespero. Não tinha o que fazer, ela havia nascido com a pele marrom. Então, o que deveria fazer agora? Desistir da tentativa de se encaixar no padrão? 

Durante uma crise de choro, ela se preparou, pela milésima vez, para seu exercício diário: se olhar no espelho. Dessa vez, foi diferente. A mulher se acariciou espontaneamente. Ela passava as mãos pelo corpo com tanta delicadeza, que seus pelos arrepiaram. Começou a reparar cada detalhe do reflexo no espelho. Descobriu e entendeu que aquele era seu lar. Seu corpo era só seu. Ela percebeu que era única e que isso era especial. 

Estava emocionada com o que acontecia e suas lágrimas caíam sem cessar. A mulher enxergou um brilho diferente na sua pele marrom. Soltou seus cabelos e viu a cascata de cachos cair sobre seus ombros. Ficou encantada. Ela enxergou algo que nunca havia visto, sua própria beleza. Seu próprio padrão. Entendeu que o mundo é composto por pessoas diferentes, cores e formas.

Com o passar do tempo, a mulher conheceu outras garotas de pele marrom, que também sofreram com a falta de representatividade. Elas se entendiam, se enxergavam e compartilhavam seus sentimentos. Desejavam o fim daquele padrão de pele branca, cabelo liso e corpo magro. Queriam ser representadas também. 

Hoje, quando anda pelo shopping ou assiste TV, a mulher se surpreende. Ela se enxerga em algumas vitrines das lojas e na programação da TV. Aquele padrão de pele branca, cabelo liso e corpo magro, ainda cerca sua visão. Mas agora, a mulher se vê além do espelho. Ela se encontra nas diversas peles marrons que observa pelo caminho.

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