Almanaque: Banda Devise

Almanaque: Banda Devise

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*Por Bianca Morais ,

E hoje é dia de música!!! Sim, vamos dar continuidade ao Almanaque de Bandas Independentes. Na publicação de hoje, destaque para a banda Devise.

DEVISE

Mote:

Substantivo masculino.

[Literatura] Estrofe que, localizada no início de uma composição poética, é utilizada como razão da obra, desenvolvendo o tema do poema.

Ok, mas por que eu estou explicando isso?

Porque em francês a palavra Mote é traduzida como Devise. E é dessa banda que vamos falar agora.

Não, eles não são franceses, muito menos falam francês. Mas o vocalista, Luís Couto, na procura de um nome para a banda, para além de um significado, procurava por algum nome forte que soasse legal e marcasse a imagem da banda. Começou então a pesquisar qualquer coisa que viesse à cabeça e traduzia para outras línguas para ver se soava interessante em português.

Estudando um pouco a estrutura de poesia, acabou lendo sobre o mote, o tema central da poesia, a essência de tudo.

Pensou então “bacana, mas Mote é um péssimo nome para uma banda.”.

Jogou em um dicionário e em francês deu Devise.

Pronto, é isso.

Apesar de no final ter um significado marcante, não foi esse o principal objetivo.

A banda nasceu em 2012 na cidade de São João Del Rei, onde o Luís e o Bruno Vieira (Mike, guitarrista) cursavam administração na UFSJ (o Mike era calouro do Luís). O Luís já conhecia o Daniel Mascarenhas (D2, baterista) lá de Bom Despacho, cidade natal dos dois, onde tocavam covers. O Bruno Bontempo (baixista) foi o último a entrar, substituindo o Coruja que ficou um ano na banda, pois havia substituído o Rafael Carvalho, que virou médico em 2016 e saiu da banda.

O Luís e o D2 tinham uma banda cover, o Luís possuía algumas músicas engavetadas e pensou em colocá-las para jogo. Ele já fazia parte de uma banda autoral, a Churrus, (escutem Oldfield Park da Churrus, também nas plataformas digitais), mas sentia que os estilos não combinavam muito e resolveu começar um novo projeto.

Luís chamou seu calouro Mike para gravar algumas dessas músicas e foi instantâneo, a banda precisava de um guitarrista como ele. Na época foram gravando três ou quatro músicas, guitarra e voz, e foi quando decidiram começar a ensaiar com a banda toda. O Rafa e o Daniel iam para São João Del Rei e a banda começava nascer ali.

O primeiro EP saiu no mesmo ano. Houve o lançamento e começaram a fazer shows, principalmente em Belo Horizonte, Bom Despacho e São João Del Rei, as cidades com as quais tinham um vínculo pessoal. O repertório no início era mesclado com alguns covers, mas apenas para preencher o setlist, já que o EP contava com 5 faixas. Como uma boa banda independente no começo, por mais que tocassem cover, a Devise sempre procurou dar o seu estilo para essas músicas.

Durante o ano de 2013, a banda ficou um pouco parada voltando apenas no final quando começaram a gravar o álbum Lume. Em 2014, houve o lançamento do disco e desde então não pararam mais. Posteriormente, em 2017, veio o Petricor e diversos singles.

Informações úteis para você continuar lendo sobre a Devise: o apelido do Daniel é D2 por causa da época do colégio. Na sua turma tinham três alunos com o nome de Daniel e ele era o segundo (não tem nada a ver com o Marcelo D2).

O Bruno Vieira é o Mike. Quando era mais jovem, era branquinho, magrinho e o cabelo grande levou os amigos a chamá-lo de Mick Jagger ou Michael Jackson, então a junção desses apelidos deu origem ao Mike.

Explicações dadas, como bons rockstars, vou me referir a eles aqui pelos apelidos que são conhecidos.

Banda geradora de caixa, não é uma banda geradora de lucro

A Devise está no mercado de bandas independentes há oito anos e hoje é uma das bandas de rock mais conhecidas da capital mineira. Já tocou no mesmo palco de grandes nomes da música brasileira, como exemplo, a participação no Breve Festival com Mano Brown, Iza e Djonga.

Já produziu com Jean Dollabella, tocou junto com Andy Summers, do The Police e João Barone, do Paralamas do Sucesso. Foram entrevistados pelo Henrique Portugal e sempre é lembrada pelo Samuel Rosa, do Skank.

Mas nada veio de mão beijada para os meninos vindos do interior, que não cresceram na capital, não tinham contatos do meio musical e não conheciam produtores musicais, que são as principais pessoas para abrir portas para shows. Tudo que conseguiram até hoje foi porque desde cedo eles correram muito atrás para conquistar. Foi com o tempo e entregando shows de qualidade que passaram a criar os contatos.

Realidade seja dita que para uma banda independente se manter, principalmente quando quer atingir um material de qualidade igual ao da Devise, há um custo financeiro alto por trás. Todos os rendimentos deles são para a subsistência da banda, seja na gravação de discos ou clipes.

A Devise é uma banda geradora de caixa, não de lucro. O Mike, Luís, D2 e Bontempo não sobrevivem à custa da Devise. Eles, assim como a maioria das bandas independentes, têm outros empregos e são realistas quando afirmam que é necessário ter outro trabalho que permita fazer o que querem. No meio da música independente, é fundamental que uma banda ame o que faz, pois somente isso fará com que continuem.

Os meninos da banda sempre correram muito atrás de tudo que conquistaram e entre eles existe admiração mútua e amizade muito grande. Viver de música não é fácil e desistir nunca foi uma possibilidade, mas sempre que alguém estremece, o que os mantêm firmes e fortes são os shows. O vício dos quatro integrantes é o palco. Quando se reúnem em cima dele para tocar, sentem a energia, a força e a vontade de não se render.

A amizade é outro elemento fundamental para a sobrevivência de uma banda independente, porque quando um companheiro de banda pensa em desistir ou começa a ficar distante, é pela amizade que os outros o trazem de volta. É uma questão pessoal.

Parar? Jamais. A sensação que os novos lançamentos proporcionam a eles dá a sensação de que o trabalho está acontecendo e, mesmo com as dificuldades e perrengues, a banda está viva.

A sintonia da banda

A Devise é uma banda que trabalha em sintonia, cada um de seus membros traz ao grupo diferentes referências e, todas unidas, cria-se uma liga. Cada cabeça consome influências diferentes e também conversam entre si.

Uma analogia breve sobre a Devise, por Bontempo:

A música tem que funcionar como um carro.

D2: funciona como uma força, tanto fisicamente por tocar a bateria, como no som dele, que é bem particular e bate no peito de uma forma diferente dos outros bateristas. Sendo então o motor desse carro, algo que move. Mesmo com seu jeito caladão, ele faz as coisas acontecerem. Segundo os outros colegas de banda, também pode ser o tanque de gasolina, porque bebe muito.

Bontempo: seria o volante que, em suas próprias palavras “o chato que só dá a direção, mas não faz nada”. Manda ir para lá, vir pra cá, mas, na verdade, é apenas o famoso palpiteiro. Os colegas, no entanto, afirmam que é um homem franco, tanto na personalidade quanto no seu som.

Mike: os adornos, os kits. Tudo de requinte e tudo que a gente reclama em um carro. Todas as coisas bonitas, os detalhes, a atenção.

Luís: as rodas. Não importa se você tem um baita carro, um motor excelente, os adornos e kits mais bonitos ou quem está na direção, sem as rodas não se vai a lugar nenhum. É o essencial para o carro andar.

O Mike fissurado em Led Zeppelin, o Bontempo em Red Hot Chilli Peppers, o Luís em britpop e o D2 metaleiro. Essas referências são muito encontradas nas músicas.

Se você escutar Go With the Flow do Queen of the Stone Age, vai gostar de Bodatista.

Se você escutar Berlin do Black Rebel Motorcycle Club, vai gostar de Indra.

Resgatando todas as referências, acabaram produzindo uma identidade sonora que vem amadurecendo muito desde o primeiro EP até hoje. A mudança do som de um disco para outro se dá principalmente pelo reflexo do que eles estão consumindo como música.

Em oito anos de banda, a Devise aprendeu a ousar mais. Sem medo de arriscar, atribuem elementos que gostam e escutam em suas músicas. Já colocaram órgão por influência de Deep Purple, guitarras mais barulhentas por causa de Oasis e guitarras mais rasgadas por causa de Led Zeppelin e Whitesnake. Em um disco da banda você vai tudo isso e muita referência do britpop e indie rock. E assim eles se enquadram no famoso rock alternativo.

Cada música surge de um jeito. Algumas enquanto estão passando som antes de algum show, alguém começa a tocar alguma coisa e dali sai uma base que é trabalhada na produção. Tem as músicas que o Luís escreve, tem outras que saem de um riff do Mike. No Whatsapp, a banda tem um grupo destinado apenas às ideias sonoras, então quando finalmente se reúnem no estúdio o processo flui bem rápido. Eles apenas unem o que foi discutido anteriormente no grupo, consolidam e colocam em ação.

É claro que essa rapidez e fluidez vem também do tempo de banda, que faz cada um entender mais de si e do grupo, se comunicar e pensar melhor. Criar playlists com referências também é uma dica que a banda dá para que todos entrem em sintonia e entendam melhor o projeto que um deles está propondo.

O Luís é o compositor principal e o grupo trabalha em volta fazendo os arranjos ou interferindo em alguma letra que ele compõe. As composições mudam de acordo com o momento de vida pelo qual passam. As letras, em sua maioria, são inspiradas em situações cotidianas e pessoais.

O bilhete de Kurt Cobain a Arnaldo Baptista

Nem somente de algo pessoal falam as músicas da Devise, um exemplo disso é Bodatista. A música nasceu depois que Luís assistiu ao documentário do Arnaldo Baptista, mais precisamente no momento em que o artista fala do bilhete que Kurt Cobain, ex-vocalista e guitarrista da banda grunge Nirvana, escreveu para ele. Na época, Kurt veio ao Brasil e queria encontrar o integrante da banda Os Mutantes, porque o considerava sensacional. Porém, o encontro não aconteceu e, por isso, ele escreveu um bilhete ao músico:

“Arnaldo, te desejo o melhor e cuidado com o sistema. Eles te engolem e te cospem de volta como o caroço de uma cereja marrasquino. Com amor, Bill Bartell da Gasatanka Records e White Flag e Kurt Cobain do Nirvana”.

Isso o tocou muito, porque o vocalista enxergou que os dois artistas compartilhavam a mesma dor do julgamento das pessoas por ser quem eles queriam ser. Assim, resolveu fazer uma homenagem a ambos.

O nome da música vem da capacidade incrível do Luís de dar nomes (por mais que ele diga que não) a tudo. Fã de Kurt Cobain, Luís estudou o músico e descobriu que Cobain tinha um amigo imaginário e que o nome era Boddah, por isso Bodatista, vindo do encontro dele e do Baptista.

Luís, tenha a certeza de que sua imaginação e criatividade para nomes é realmente muito boa e muito diferenciada, por assim dizer.

Mesmo o rock não estando no seu auge, ainda há um grande público em seu favor. A Devise procura atrair a galera que quer conhecer bandas novas, abrindo a mente deles para o rock local, além de atingir pessoas que não querem ouvir AC/DC, Strokes e Oasis para o resto da vida (não que isso seja um problema).

Abrir a mente é algo essencial para começar a gostar de bandas autorais e independentes. A Devise foi a primeira que escutei. Me lembro como se fosse ontem o dia que uma amiga me fez ir ao show deles em um evento onde só tocariam bandas independentes e o ingresso custava 20 reais, no Espaço Do Ar. Imagina um lugar longe, é lá mesmo. E outro detalhe, só vendia cerveja artesanal e… xeque mate!

Para mim, jovem que ama cerveja barata e escutar bandas covers que tocam um pouco de tudo que eu gosto, ir a um rolê onde eu não saberia cantar nenhuma música e também não beberia, era um sacrifício enorme por uma amizade que valia ouro (a minha, no caso).

Chegando ao evento, para minha surpresa, não somente as bandas eram autorais, mas até o DJ só tocava música autoral. Me senti perdida e entediada, até que chegou a hora do show.

A minha amiga já era muito fã da banda e, como boa fã (e a amiga da boa fã), nos posicionamos na frente do palco. A Devise começou e imediatamente algo mudou. Tudo que eles tocavam me remetia a bandas que eu gostava muito. O show foi acontecendo e as músicas entrando na minha cabeça de uma forma involuntária. A voz do vocalista parecia tanto com a do Liam Gallagher que, quando ele abriu a boca para cantar Além do Próprio Espelho, na primeira frase “deixa o dia recomeçar”, eu achei que ia sair um “today is gonna be the day” ali. Não saiu, mas que música boa.

O show foi todo autoral e juro para vocês, nem um coverzinho. Eu não conhecia nenhuma música. A minha boca nem mexeu, mas a minha cabeça estava a milhão. Quando entramos no Uber para ir embora, fui despejando na minha amiga tudo que eu conseguia lembrar de frase ou de melodia para que ela me falasse o nome da música. No dia seguinte eu já estava com a playlist Devise pronta no meu Spotify e dali não parei de ouvir mais.

O segundo show que fui deles e o primeiro com as letras na ponta da língua, foi n’A Obra. Ali eu me sentia em um mega show, de uma banda super famosa que eu era muito fã. Eu realmente cantava as músicas com emoção e eu conhecia todas. Foi incrível. Dali para frente, em todos os shows consigo ir, eu vou e me divirto muito.

Agora eu vou falar porque você deve escutar as bandas independentes da sua cidade. Sempre vai ter show. Sabe a sua banda internacional favorita que vem ao Brasil de 2 em 2 anos e olhe lá? Então, sempre haverá show das bandas da sua cidade. Você sempre vai ter a oportunidade de sair pelo menos uma vez no mês para se divertir e cantar ao vivo as músicas que canta lá no busão ou no banho. Tem coisa melhor? Além disso, por que ouvir uma cópia de grandes sucessos se você pode ouvir algo original e diferente? É ótimo passar a madrugada bêbado com amigos ouvindo e vendo alguma banda cover reproduzir Live Forever do Oasis, Californication do Red Hot e You Shook Me All Night Long do AC/DC, mas experimenta a sensação de ir a um show da Devise e ouvir toda a plateia cantando o refrão de Sem Fim, em coro. Abra sua mente e dê uma chance para o cenário local.

 

*Esse é um produto resultado do Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Una da Jornalista Bianca Morais.

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