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Por Ana Sandim – Ingrediente da Vez – Parceira Contramão HUB

Das receitas simples que enchem a casa de alegria. O vapt e vupt da semana é uma receita simples, queridinha de todos. Para alegrar a quarta-feira. Brigadeiro deCappuccino (light) Melitta com castanhas.

Ingredientes:
1 lata de leite condensado
1  colher de manteiga
2 colheres de sopa de cacau em pó
3 colheres de Cappuccino em pó
Castanhas trituradas para confeitar

Modo de preparo:
Em uma panela, coloque a manteiga, o leite condensado, o cacau e o cappuccino em pó. Misture bem e leve ao fogo baixo, mexendo sempre até tudo se desprender do fundo da panela (o tempo corresponde a cerca de 10 minutos). Retire do fogo, passe para um prato untado e deixe esfriar. Com as mãos untadas (com manteiga), enrole bolinhas e passe-as nas castanhas.  Sirva em forminhas de papel.

 

Foto Ingrediente da Vez

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Por Bianca Rolff – Gauche – Parceira Contramão HUB

Ela não gostava de contos de fadas, tampouco ser chamada de princesa. Entretanto, quando o viu pela primeira vez, acreditou que ele pudesse ter saído de uma das histórias que tanto evitava. Só não imaginava que “felizes para sempre” fosse realmente tão longe da realidade que se formava à sua frente.
***
Ali, naquela noite chuvosa e com ventos arrebatadores, tudo o que ela queria era ter se lembrado de ter levado consigo um guarda-chuvas. Nem mesmo a marquise impedia que a água fustigasse seu rosto e o vento rodopiasse à sua frente, carregando folhas e galhos das árvores mais próximas. Aquele parecia não ser o seu dia de sorte. Mais cedo ela já havia se machucado ao tropeçar na escadaria da faculdade e cair sobre um estilhaço pequeno de vidro, suficiente para lhe abrir um corte no braço. Não seria nada demais, exceto pelo corte ter acontecido onde ela já possuía uma cicatriz antiga. Agora, o céu parecia ter aberto todas as comportas e decidido inundar o mundo de vez. Ela estava prestes a tomar coragem para atravessar os quatro quarteirões que restavam até a sua casa, quando ele virou a esquina e a encarou.
Não, não olhou para onde ela estava, para um local próximo ou para alguém que também esperava a chuva cessar. Ele olhava diretamente para ela, como se sempre tivesse o intento de lhe encontrar. Ela aguardou que ele se mexesse, mas nenhum movimento se fez, e ela tinha a impressão de que ele nem mesmo se dava ao trabalho de piscar.
Decidindo-se pela coragem e por uma curiosidade que a assolou avassaladoramente, ela saiu para a chuva, encharcando-se no instante em que deu os primeiros passos em direção ao homem desconhecido.
De fato, ele a esperava. Tinha – agora ela via com clareza – os olhos do mais pálido azul que ela já vira, quase confundindo-se com o branco das laterais. Ao chegar até ele, sentiu o toque de sua mão gelada apertando-lhe o pulso e encostando-a contra o peito.
– Eu te levo para casa.
Ela tentou falar que não precisava, que não o conhecia, que não saía aceitando “caronas” de desconhecidos, mas tudo o que conseguiu foi segui-lo em silêncio, pela chuva.
Bastaram alguns passos para ela estacar, boquiaberta. Ele estava completamente seco, por mais que as gotas vindas do céu se tornassem cada vez mais grossas e dolorosas. Notando a sua parada, ele se virou e a puxou delicadamente, formando uma barreira contra a chuva no local em que a tocava.
Entraram em um beco escuro e ela começou a se considerar louca por seguir um homem que além de não se apresentar, parecia ter saído de alguma história fantasiosa e surreal. Ela sacudiu a cabeça para liberar os pensamentos, mas quando abriu os olhos novamente, prendeu a respiração.
Não se achava mais no beco escuro, mas em uma ampla sala. Ampla era uma palavra modesta. Estava num salão gigantesco, com candelabros presos ao teto e cortinas de veludo vermelho que cobriam metade das inúmeras janelas de vidro.
– Que lugar é esse? – ela perguntou, olhando ao redor. Sentia tanto frio que as palavras saíram gaguejadas, como que num idioma diferente.
Ele a encarou e, pela primeira vez, piscou os olhos pálidos e sem vida.
– A sua casa.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele saiu de vista, fechando uma grande porta de madeira com um estrondo.
Não, ela não gostava de contos de fadas. E quando afirmava isso, não se referia às versões modernas de estúdio de cinema que buscavam dar finais felizes para as narrativas originais. Ela se referia às histórias antigas, sombrias, que em sua grande maioria continha finais trágicos e repletos de sangue e devastamento. Essas histórias – essas sim – faziam-na querer distância dos livros das bibliotecas públicas, dos arquivos antigos recém explorados e dos sites secretos da internet. Entretanto, aquele homem… Ela já o tinha visto antes e a sua presença imediatamente a remeteu a uma dessas histórias…
Ele lhe estendeu uma toalha limpa e uma muda de roupas, fazendo-a gritar. Não tinha notado o seu retorno e, reparando-o mais uma vez, seus olhos pareciam realmente muito mais intimidantes do que antes.
Ela pegou os objetos e, sem se importar com a presença dele, secou-se e trocou de roupa. Quando seca e confortável, finalmente questionou:
– Quem é você, porque disse que essa é a minha casa e de qual universo paralelo você veio?
Ela não esperava o que aconteceu em seguida. Puxando-a pela cintura, ele lhe deu um beijo.
Um choque percorreu todo o seu corpo e foi como se um filme passasse em alta velocidade pela sua mente. Ela pequena, correndo pelos jardins de um castelo muito bonito e nevado… Então sendo apresentada a um único botão de rosa no meio da neve… O tempo passando e ela, já mais velha, indo cuidar da rosa única todos os dias… A rosa parecia perfeita, exceto por uma única pétala negra, que sempre murchava ao entardecer… Um relâmpago… A escuridão no céu… Então ele apareceu… tão bonito e imponente, porém seus olhos eram de um castanho profundo… Um beijo sob a lua… As mãos pousadas sobre os corações um do outro… Um clarão… Ela estava de volta ao salão, repleto de convidados… Ele se ajoelhou, abriu uma caixa de joias e… dentro dela, havia uma pétala da rosa vermelha… Uma explosão… Um homem encapuzado de vestes negras colocou as mãos sobre os olhos do jovem e com um estalo, os queimou, tornando-os de um azul pálido… Tudo ficou preto… Ela saiu correndo pelo jardim nevado e viu a rosa murchar aos poucos… Ela passou raspando nos espinhos da rosa… Um corte no braço… Sangue caindo na neve… O homem encapuzado saiu em seu encalço, mas antes que ele a alcançasse, ela entrou por uma fenda na árvore mais velha do jardim e desapareceu…
Soltando-se do beijo, ela caiu no chão, sem ar.
– Eu me lembro… Você é Ian, o Príncipe do Reino do Noite. Você foi o único que conseguiu encontrar a pétala da Rosa da Vida… Então você a trouxe para mim, para que ela se juntasse às demais… Mas o Vollum descobriu sobre a Rosa, e se ela estivesse completa, todo o seu esforço para destruir os Cinco Reinos estariam perdidos – ela falava sem respirar, num fluxo constante – Então…
– Ele nos achou, queimou os meus olhos para que eu não conseguisse mais vê-la – disse ele, os olhos cada vez mais pálidos –  Só que você conseguiu fugir… Quando passou pela fenda na Árvore Elda, você foi parar na dimensão 2149…
– E esqueci de tudo o que aconteceu aqui antes… até…
– Até eu encontrar você.
Um silêncio se fez entre eles. Ela não conseguia acreditar que ele não a via, de fato. Todo o seu jeito, o modo como andava, se portava… o jeito que havia olhadopara ela durante a tempestade…
– Como conseguiu ir para 2149? – ela perguntou, ainda tentando processar todas as informações.
Ele não respondeu de imediato. Quando falou, sua voz era suave, porém ligeiramente trêmula. Algo que passaria imperceptível por quase todos. Quase.
– Quando você desapareceu pela fenda, ela se fechou. Você sabia que isso aconteceria, eu cheguei à conclusão depois de um tempo. Entretanto, à época, não compreendi qual a sua intenção. Quando fugiu, o caos se instalou completamente nos Reinos. Vollum destruiu com facilidade a Rosa, mas ficou furioso pela Princesa Vermelha, Guardiã da Rosa da Vida, ter saído impune e destruiu tudo que tivesse ligação com você.
Ele fez um gesto para o entorno e ela sentiu o peito arder. Não havia mais nada além de um esqueleto do que fora seu belo e seguro castelo um dia.
– Acho que uma espécie de indiferença se apossou de Vollum e ele me poupou. Talvez por achar que cego eu nem mesmo serviria para o gasto de energia que teria ao me matar. O que ele não sabia – os olhos dele se cravaram novamente nos dela, e ela teve certeza de que ele a via -, é que ao retirar de mim a minha visão comum, ele de algum modo me permitiu… sentir você.
Um formigamento se apossou do corpo dela e ela sentiu algo há muito esquecido. Ian não era apenas o Príncipe do Reino do Norte… Era muito mais que isso.
– Como foi que você me achou, Ian? – ela tornou a perguntar.
– Por muito, muito tempo eu fiquei perdido. Não havia quase ninguém por perto, tudo parecia ter sido completamente destruído, e viver sozinho sem meus olhos parecia pior que a morte. Então… Num dia de chuva como hoje… algo mudou. Foi como se uma espécie de fumaça se fizesse à minha frente. E essa fumaça formava em meus pensamentos a sua imagem. Fraca, mais ainda assim era você. Isso aconteceu mais algumas vezes, todas elas em noites de chuva, e eu soube que, de algum modo inexplicável, eu conseguia sentir você.
Ian passou a língua nos lábios para umedecê-los e prosseguiu:
– Nunca saí das redondezas de Semsar desde o ataque de Vollum (creio ter sido dado como morto para o meu Reino, o que nem mesmo fez alguma diferença para mim, dado que eu me considerava morto por dentro), então decidi há algum tempo me aproximar da Árvore Elda, na esperança de que ela me desse alguma luz. Foi aí que hoje, em mais uma noite de chuva, eu senti você. Mas dessa vez, não foi apenas sentir. Eu realmente vi você, clara como nunca. Então, a Árvore Elda, como se também entendesse, tornou a abrir a fenda por onde você passou e… bem, eu te trouxe de volta.
Ela olhou para o corte profundo no braço. No exato lugar em que ela havia se cortado nos espinhos da Rosa da Vida quando fugia de Vollum. Um antigo feitiço pagão de localização… Ferir-se no exato local do primeiro ferimento. Mas como Ian conseguiu encontrá-la? Eles teriam que…
O primeiro beijo… A Transferência Secreta de Almas. Um coração pelo outro. Eles eram um só, e tinham feito o pacto em segredo.
– Ian… – ela o encarou com um movimento repentino – Por que você me trouxe de volta?
– Por quê? – ele pareceu confuso – Ora, porque você me chamou. Não me pergunte como eu sei que era para fazer isso, eu simplesmente soube que era a hora de te encontrar.
– Sim, era mesmo a hora de me encontrar, mas… Não era para você me trazer de volta – o coração dela começava a acelerar, a pulsação na boca – Eu acho que…
– Que Vollum seria tão imprudente de deixar o Príncipe Ian vivo sem motivo? Você é esperta, Princesa Clara.
Ela e Ian se voltaram num único movimento, a tempo de verem uma mulher muito alta e magra surgir da escuridão da noite. Seus cabelos eram cor de musgo e Clara, mesmo antes de tudo acontecer, sempre achara que a existência dela era uma lenda. Ahnna, a Maga Esmeralda, Guardiã do Reino do Leste, Semsar.
– Você voltou, Princesa Clara. E Vollum a essa altura já deve estar sabendo que alguma coisa aconteceu, pois vigia Ian desde o seu sumiço. O que ele, não sabe – Ahnna deu um passo à frente, deixando os seus olhos esmeralda serem iluminados pela luz noturna que entrava por uma das janelas -, é que eu não sou apenas uma lenda. Não temos muito tempo, vocês terão que vir comigo.
– Para onde? – Ian quis saber, a expressão profundamente irritada.
– Para onde vocês possam entender as consequências desse retorno de Clara – Ahnna deu as costas para eles, iniciando uma caminhada lenta – E antes que me perguntem: A Rosa da Vida foi mesmo destruída por Vollum na noite do ataque a Semsar. Mas o poder dela ainda vive.
Clara e Ian se entreolharam e seguiram Ahnna pela escuridão, mas nenhum dos dois percebeu o corte no braço de Clara se iluminar de um vermelho fogo por pequenos instantes.

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Por Ana Paula Tinoco

“O meu espírito rebela-se contra a estagnação. Deem-me problemas, muito trabalho, o mais complicado criptograma ou a mais intrincada análise e eu estarei no meu meio”, a frase é de um dos mais importantes personagens da literatura mundial. Amado e respeitado no meio dos amantes de romances policiais, o homem criado pelo médico e escritor Sir Arthur Conan Doyle é dotado de uma inteligência e capacidade imensas. Seu poder de dedução o leva a desvendar crimes que à primeira vista parecem insolúveis e essa peculiaridade faz com que a fascinação em torno do mito cresça, pois Sherlock Holmes não é um ser comum.

Reprodução internet

Sua primeira aparição foi no romance escrito para a revista Beeton’s Christmas Annual, intitulado “Um Estudo em Vermelho” em 1887, ganhando sua primeira edição em formato de livro no ano seguinte. Com apelo e potencial para o grande público, as aventuras de Sherlock Holmes tornaram-se rentáveis e assim a partir da década de 1970 passou a ganhar inúmeras adaptações para o cinema e televisão, sendo interpretado por grandes atores ao longo desses anos. Entre eles: Christopher Lee, Robert Downey Jr., Michael Caine, Peter O’Toole e mais recentemente Ian McKellen. Holmes é um homem de muitas faces.

Em 2010, a BBC decidiu investir na criação de Doyle, mas diferente do que havia sido feito, eles arriscaram e trouxeram o universo do detetive para os dias de hoje. O que poderia ter sido um grande fiasco, na verdade trouxe um frescor, como uma brisa no final de uma tarde quente. E assim, a dupla Mark Gatiss e Steven Moffat provaram, com a série Sherlock (como é intitulada), que é possível inovar e surpreender mesmo com a saturação dos personagens pelas obras que retratam sempre o mais do mesmo.

Essa mudança de ambiente ou século, como preferir, nos permite ver como seria a vida de Holmes em meio a tecnologia que possuímos. Com o alcance da internet, ele pode ir a lugares até então não imaginados. E é impressionante como essa adaptação não fez com que o personagem se tornasse escravo dessa evolução, pois ela está ali como mera coadjuvante, uma auxiliar, afinal estamos falando de um homem que possui, além de sua inteligência lógico dedutiva, um palácio de memórias.

Benedict Cumberbatch e Martin Freeman – Foto Divulgação

Para protagonizar a série, a BBC serve na pele do famoso detetive e seu fiel escudeiro, a dupla de atores Benedict Cumberbatch (Sherlock Holmes) e Martin Freeman (Dr. John Watson), que desde o primeiro episódio, “Um estudo em rosa”, mostram do que são capaz. O entrosamento, química, carisma e domínio de ambos em cena contribuem, e muito, para o altíssimo nível da produção. É impressionante como o talento dos dois se entrelaça em tamanha perfeição que nos perdemos chegando a imaginar que sim eles são quem eles interpretam ali.

Andrew Scott é Jim Moriarty – Foto Divulgação

Os atores coadjuvantes não deixam a desejar. O elenco afiadíssimo e impecável se sobressai ao cenário e faz com que episódio após episódio Cumberbatch e Freeman possam dar mais e mais de suas atuações. O destaque é o ator irlandês, Andrew Scott que na pele do vilão, ou anti-herói, Jim Moriarty nos surpreende a cada take em que ele aparece e, cujo teste surpreendeu até mesmo a Gatiss.

A produção do canal britânico conta com quatro temporadas finalizadas. Contendo três episódios de 90 minutos de duração cada, ela é lançada de dois em dois anos, salvo a última temporada exibida, mas a altíssima qualidade do produto não a deixa cair no esquecimento. Com um figurino e fotografia impecáveis, a série apresenta um edição com transições dinâmicas e rápidas que unem trama e subtrama em um laço só para que o mistério adaptado não se perca ou não se torne tedioso. Ela se supera a cada ano lançada.

Elenco da série – Foto Divulgação

E o ar de mistério em torno dos personagens e as descobertas de suas jornadas fica por conta da forma como Londres é captada e mostrada na história, sempre enevoada. A tensão ou leveza de cada cena é transmitida pela iluminação dos ambientes, um plano que varia de acordo com o que é pedido pelo roteiro e que, ao mesmo tempo parece se comportar e se moldar de acordo com o humor de Holmes.

Mas sem mais delongas, o que podemos concluir é que Sherlock é sem dúvida um das mais belas produções dos últimos tempos. E assim como sua ficha técnica impecável, ela prova que de forma elementar é possível transferir para outros moldes e formas clássicos sem que a essência seja perdida ao longo da produção.

 

 

 

 

 

 

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Por: Ícaro Ambrosio, Ana Lívia Nascimento.
Atualização Henrique Faria
Fotos: Arquivo pessoal Felipe Arco

Escrevendo trechos de poesias nas lixeiras, o grafiteiro e poeta Felipe Arco cravou seu nome na história capital mineira e também como um dos artistas contemporâneos belorizontinos. Neste mês, fomos surpreendidos ao saber que o artista estava sendo processados pela Prefeitura de Belo Horizonte, por suas poesias serem expressas nas lixeiras das cidades. Entenda clicando aqui.

Na última edição do jornal impresso de Fevereiro/Março de 2017,  publicamos uma matéria sobre o grafiteiro, onde contamos um pouco sobre como ele lida com a arte.

É com a mão direita que Felipe Arco transcreve suas percepções e sentimentos para o papel, ou para a parede. Conceituado como artista contemporâneo, o jovem belohorizontino, de 25 anos, soma palavras em poesias e adentra no universo das cores para desenhar em forma de grafite.


“Sou mais uma alma em busca de viver e compreender o amor”, ele se define. Definição lógica, já que o amor é praticamente a base de toda sua construção artística. Seja na poesia, com descrições de cenários ou petições de amor entre os homens, ou no grafite, com rebeldia e alusão a liberdade, sempre que há uma brecha, o garoto abre o coração.

Ao conversar, Felipe se mostra tímido, talvez medroso e com certeza cético. Talvez a sua espontaneidade que permita tais percepções. Felipe é claro e não sente vergonha de seu jeito. De barba grande e cabelo bagunçado, suas características transparecem pelo sorriso – ele sorri com os olhos e os lábios acompanham. Chega a ser sedutor. O linguajar é livre. Felipe não se incomoda com as palavras. Apesar de um empório lírico nos textos, os seus dizeres são desprendidos de aceitação ou reputação. Gírias são presentes, opiniões também. Daí nota-se uma diferença entre o homem e o artista.

Chamaremos o homem de Felipe e o artista de Arco para ser possível distingui-los. Felipe é mais tranquilo, desgarrado e batalhador. O Arco parece ser mais exigente, maduro e didático. Na correria do dia-a-dia, os dois caminham juntos ou separados, depende da circunstância. Arco é inspiração, é referência. Felipe é guerreiro, é exemplo. Exemplo de um jovem que tinha um dom e um proposito e os queria deixar fluir. Por acreditar no Arco, Felipe lutou, venceu e tornou-se poeta. E com passar do tempo, também se fez grafiteiro.

Foi no metrô de Belo Horizonte que toda sua poesia ganhou notoriedade. Em busca de público, Arco escrevia e vendia sua poesia por apenas R$0,50. Entre um vagão e outro, o ainda garoto tentava inserir ideias e inspiração em seus leitores de momento. Ele queria ganha-los, e conseguiu.

Felipe é da rua, do povo. Gosta de pintar e ver filme. Tem admiração pelos infinitos tons da cor azul. Tem preferência pelo sabor azedo. É apaixonado por limão e por pratos que levam a fruta. Sonha marcar a história e ser feliz. Acredita que político seja todo ser que se preocupe com o bem da comunidade, bem mesmo, como a palavra vinda do grego significa. Acredita que cada ser e povo tem sua cultura e considera linda a pluralidade cultural. Diz que o ser humano devia ser mais respeitoso com as diferenças e entender o valor presente em todas as manifestações artísticas. Defende a arte.

Foi há dez anos, ainda aos treze, que Arco entendeu que seu lugar era na arte. Foi exatamente quando conheceu mais afundo da cultura Hip Hop. Mas foi nos últimos quatro anos que ele a tornou um propósito. Hoje, além de propósito, a arte é um ofício, tanto para Arco quando para Felipe.

Ele se lembra bem do dia que se deu conta do sentido da poesia. Foi quando uma criança, de aparentes três anos, segurava um de seus trabalhos e se entretinha com o papel, que por sinal estava de cabeça para baixo. De imediato, Arco pensou “até criança que não sabe ler entende poesia”. Depois veio o choque de realidade e Arco se deu conta de que o que vale não é a arrecadação. A função do artista não é entreter. É inspirar. E ele trabalhou a inspiração.

Arco comenta de inúmeros casos de pessoas que o procuraram para contar com se sentiram ao ler sua poesia. O garoto compreendeu finalmente que ele não escolheu a arte, foi a arte que o escolheu por necessidade. Como se ela o quisesse para ser uma espécie de portão entre a subjetividade e a realidade. Neste dia Arco e Felipe se misturaram e se tornaram um só – Felipe Arco. Para a transição, inspirações não faltaram. Foram muitas. As mais fortes, segundo o próprio, são Gandhi, Basquiat, Renato Russo, Leminski e Mano Brown. “Acredito que sou uma mescla desses artistas. Tem muito deles em mim”, ele diz. Forte também foi a presença do Rap em sua vida. Rima improvisada e impulsão nas palavras poderiam ter o tornado um MC, mas ele não trilhou este caminho. E desta rebeldia nasceu a paixão pelo grafite.

Novo e artista.

Felipe Arco já se considera um escritor e um grafiteiro. Comenta que escreve para desabafar e para se esvaziar. “Escrevo por necessidade, pra mudar vidas e tocar corações. Fazer a revolução em cada vida é meu maior objetivo” ele diz. Sua poesia é confusa em um ponto: a dedicatória. O poeta tem intimidade com as palavras, a impressão é que ele escreve diretamente para alguém. Que os demais leitores saibam captar! Ao ser questionado sobre a possível dedicatória, o poeta confessa que nem sempre escreve para alguém, mas na maioria das vezes sim. Ele acredita que é mais verdadeiro.

Sexo não é um tabu na obra de Felipe. Ele trata a relação com naturalidade e formosura. Em um de seus poemas, o qual ele descreve uma relação com uma mulher, o poeta torna o corpo da parceira uma verdadeira obra de arte e deixa o prazer em segundo plano.

A preocupação é com a descrição de um momento de união entre homem e mulher. “Acredito que o sexo seja algo natural do ser humano, uma ligação maravilhosa e única. Eu acho fascinante a forma que duas pessoas podem se ligar, por isso escrevo”, explica. Com estas palavras, outra vez, nota-se a afinidade pelo amor. Desta um amor carnal e dual, o qual é o tiro de largada para a vida.

Apesar de Felipe confessar que não há um critério para determinar o que escrever, é notável um encaixe semântico de rimas ao longo dos versos. Geralmente, os poemas do artista nascem de uma única palavra, de forma bem natural. “A medida que as coisas vão desempenhando, as palavras soam na minha mente e assim nasce o processo criativo”, confessa.

Tato, paladar, audição, visão e olfato, os sentidos do corpo humano, aparecem, não como sensações, mas como identidade, na obra de Felipe. O jovem dá uma brecha para o leitor absorver e sentir o ambiente de sua imaginação. Ele é certo de que tal absorção depende da concentração e sensibilidade de cada um, mas acredita neste caminho. Jogada inteligente. Oferecendo uma paisagem não vista, é causada a curiosidade no leitor e, de certo modo, o torna fiel.

O Escritor

O Felipe escritor é um cara que não aceita viver de outra coisa. Poesia é o que move o coração dele. Liberdade é o bem maior da sua vida e escrever é isso para ele. Outra característica é a humildade. Felipe é humilde, não com as palavras, mas sim com os seus ídolos. “Obrigado é o que eu diria se caso visse um deles”, confessa o rapaz. “Também diria que palavras mudam vidas, inclusive mudaram a minha” conclui. Sempre a um passo de distância do seu entrevistador, o Artista parece preservar pelo limite entre leitor e ídolo. “Acho que tanto o escritor, quanto o leitor tem uma vida particular. Saber separar vida pública se vida privada é o ideal, pois muitas vezes rola uma invasão desnecessária”, comenta.

Como todo bom artista inspirado, o nosso não deixa de escutar música brasileira. Sempre com um fone de ouvido, Felipe predilecia a escuta de suas melodias favoritas antes de escrever, durante não. Ele é disperso, perde a concentração fácil. Ainda mais se for um Rap, Raggae ou MPB, na caixa de som.

Depois de tanto sentimento meloso, a impressão que fica é que nosso personagem é apenas romântico. Mas não. Felipe é agitado também. Talvez por isso que se familiarizou com o seu segundo dom, o grafite. “O grafite me chamou atenção desde a primeira vez. Foi amor à primeira vista. Eu sabia que aquilo tinha vindo para ficar”, comenta sobre o primeiro contato com a manifestação artística.

Treino. Treino. E treino. Esse é o caminho para se tornar um bom grafiteiro. Habilidade está longe do pensamento de Felipe. Para ele, tudo é uma questão de passo-a-passo unido da inspiração. E se perguntarem ao rapaz o que é o grafite, ele não mede palavras e brilho no olhar para responder.

“Considero o Graffiti uma arte marginalizada, assim como o pixo é a voz da cidade. Uma parede colorida tem um poder transformador”, respondeu. Sua preferência é a utilização de cores diversas, mas confessa que preto e o branco tem seu valor. O homem, que se torna um garoto brincando um giz de cera, ao desenhar. A latinha de spray em sua mão é manuseada com tanta facilidade e precisão que parece até uma refeição. E, ao contrário do nosso sistema digestivo, ele come a imperfeição e defeca a perfeição. Uma parede desgastada, velha e úmida, nas mãos de Felipe se tornam uma tela. Se há ele for dado alguns minutos, uma Monaliza pode nascer. A percepção pode não ser a mesma de Da Vince, mas a pureza da obra sim. Ele é transformador.

Para ele, não há um parâmetro para concluir a coloração e a tonalidade correta. Tudo depende da obra a ser feito, da mensagem por trás desta obra e do local onde ela será feita. Felipe compara o grafite com a pintura clássica, mas teme o preconceito. “ É impossível ser traduzido, mas é um dos poucos momentos em que me sinto pleno. Apesar de estar ganhando algumas galerias, o preconceito ainda é muito grande. Principalmente com o real Graffiti”, ele diz.

Depois de ganhar o metrô, o moço ganhou a rua, e dela não quer sair mais. Ele balança a cabeça em sinal negativo e rir timidamente quando a pergunta é sobre quantas obras grafitadas ele já fez. Já há quase quatro décadas, a arte mistura ideias e revoluciona a cidade. Felipe concorda.

E apesar do preconceito da sociedade contra o grafite, o Artista não tem preconceitos contra uma prima desta arte – a pichação. Mesmo sabendo que o ato de pichar é tratado como crime, Felipe prefere não observar desta forma e dá ao pichador uma posição de libertador dos próprios monstros.

“O pixo, apesar de ser uma transgressão, não deixa de ser arte. Tem um processo criativo, tem uma mensagem por trás também. É um outro fenômeno, mas que é muito criminalizado” é o que ele pensa a respeito.

Agressivo é a melhor palavra para utilizar ao tratar o Felipe Arco grafiteiro. Diferente do Felipe poeta, no qual a melhor palavra é amoroso. A pergunta que este texto reponde é: Dá para manter dois sentimentos tão extremos acesos juntos ou realmente é necessário se dividir em dois para viver cada um deles?

Um jovem apaixonado por adrenalina. Se preocupa pouco com estética. Dá maior importância ao amor. Vive num mundo onde a importância é a mensagem por trás da realidade. Às vistas do seu público, Felipe Arco é apenas um, mas no íntimo de quem o observa com o coração, o jovem apostador é dois. Sob sua percepção de si mesmo, o Artista pode ser quantos quiser, basta sentir.

Por Débora Gomes – . as cores dela . – Parceira Contramão HUB

ouça, minha querida. não há placas em todos os lugares, dizendo o que você deve ou não fazer. algumas vezes você precisará escolher o caminho sozinha, com todos os “poréns” e “sorrisos” que isso implica. eu sei que os ventos não estão muito favoráveis, que querer desistir é uma forte opção, que invernos são épocas preciosas, em que as coisas decidem por si sós se ficam ou vão. 

mas tudo são condições.

vê-se por agosto, seu mês de maior agouro, que resolveu lhe sorrir ao ponto de te deixar esquecer – não fosse pelos feriados – em que dia estamos. veja bem: há sim uma chance de ter amor em todas as coisas. desde que se tenha, ainda, força nos olhos, certezas nos passos e delicadeza no coração. aos trancos e barrancos – sendo bem clichê – as coisas se ajeitam. porque amor, pequena, não é pra qualquer um, não. 

é preciso coragem e um retrato bonito para emoldurar quando as tempestades passarem. porque elas passam. vai por mim: já vi muito sol depois de tanta chuva e trovoada. é tudo questão de esperar… pra ver.

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Por Auspicioso Acapela – Coletivo Parceiro Contramão HUB

Tenho o poder de transformar as coisas que gosto em algo penoso. Pode não fazer sentido, mas toda vez que o dinheiro entra no que me dá prazer acabo perdendo o interesse.

Aos 18 anos comecei um curso técnico em química, era exatamente o que eu queria, estar em um laboratório experimentando, descobrindo, testando. Durante o percurso tinha mil sonhos e incontáveis desejos a serem realizados que não cabiam no meu bolso. Procurei estágio, procurei arduamente para ter condições de realizar algo que realmente queria. A farmácia foi a primeira decepção. Depois de meses me peguei em uma  rotina cronometrada, com 4 horas de trabalho, salário baixo e o laboratório ficava do outro lado da cidade. Escutava o mesmo som, sentia o mesmo cheiro, tinha as mesmas conversas, traçava o mesmo caminho. A única coisa que sinto falta é do riso e das pessoas que, apesar de serem as mesmas, ainda aqueciam meu coração de formas diferentes. No final só sobrou o tédio e os sonhos foram engavetados.

Talvez um lugar maior seria mais adequado, um laboratório maior, uma empresa com mais funcionários, com melhor infraestrutura seria a resposta, afinal poderia testar minhas ideias, adquirir outros conhecimentos. O que não sabia na época era que o mundo era mecanizado.

Quando comecei meu estágio de 6 horas em uma multinacional as inúmeras oportunidades me cegaram complemente. Vidrarias aos montes, equipamentos que jamais testaria em meu curso, ótimos profissionais como colegas de trabalho, um bom salário é claro. É o sonho de qualquer jovem adulto que está iniciando no mercado de trabalho, começar fazendo o que gosta e recebendo pra isso. A estagiária se tornou funcionária e das 6 horas passei a morar na empresa. Café da manhã, almoço, armário com roupas, tinha até escovas de dentes, chegou um ponto de ter toalha e sabonete. Levantar às 5 da manhã já não era animador, as viagens de ônibus com poltronas confortáveis tornaram minha segunda cama. Assim começou a rotina, os horários, as atividades repetitivas. Mudei de laboratórios algumas vezes, o que era reconfortante por um tempo, mas ainda era o mesmo lugar, com o mesmo “bom dia”, com a mesma energia, mesmas reclamações. Depois de 365 dias no “mesmo”, o questionamento sobre o dinheiro surge. Sinto saudades das pessoas, dos chefes, da comida, até do som insuportável da Itatiaia no ônibus nas viagens de volta que o motorista insistia em ouvir. A questão é que fiquei por dinheiro e não por prazer, e talvez seja exatamente isso que me consumiu no final.

Jogar tudo para o alto não foi fácil e nem todos do meu convívio me apoiaram. Gostando ou não, deixei a Química de lado e fui me aventurar no Jornalismo. Desenvolvi projetos que mexeram comigo, histórias de vidas me tocaram e comecei a investir nos meus textos. Descobri uma paixão enorme por escrever. Fazer do urbano, do cotidiano das pessoas, meu material de estudo é fantástico. Valorizar as singularidades das coisas me fascina. Descrever lugares, momentos, sentimentos e até pessoas é o que sinto prazer.

Tudo começa a desmoronar quando gosto de realizar determinada atividade. As oportunidades surgem e sem pensar duas vezes agarro com unhas e dentes. Devo confessar que é recompensador quando alguém acredita em seu potencial e investe dinheiro nisso, o sentimento de gratidão é o que me define nessa hora.

Deveria ser ótimo, afinal alguém já sussurrava no ensino médio que o ideal é unir o que você gosta e o que te dá lucro. O problema é que se tem dinheiro a minha liberdade é limitada em temas, caracteres, gosto, plataformas, tempo, lugares, pessoas e por dinheiro. Assim como na época do técnico, quero o novo, quero a liberdade da descoberta e é isso o que me faz gostar de algo, a sensação individual de colocar um pouco de mim ali.

Seria muita ingenuidade acreditar que dá para levar a vida da criatividade e dos desejos em um sistema capitalista. Com isso o meu prazer em escrever já está arrumando as malas para comprar cigarro e os sonhos gritam de medo da gaveta. Não dá pra fechar os olhos e fingir que o mundo das maravilhas está aqui e agora. A vida tem algumas formas dolorosas de te ensinar que nem sempre vamos fazer o que queremos ou gostamos. A máquina das dívidas comem sonhos e as pressões em ser alguém na vida os desejos. As contas não se pagam com gostos, mas com liberdade.