Por Edilane Carvalho

Renan O. Carvalho (38), homem preto, pobre e gay, nasceu em Belo Horizonte em 1984. Aos 07 anos foi morar no interior de Minas Gerais, neste período, ele teve a influência da sua tia, que era professora e que deu aulas para ele na 4ª série. Carvalho diz que ela  era  a única pessoa que o tratou com respeito, e talvez por isso,” decidiu no futuro” queria ser professor igual a ela. “ Em 2002, quando estava concluindo o ensino médio, prometeu a si que até os 30 anos deveria: iniciar uma faculdade; ter estabilidade financeira; ter casa própria; filhos. Na busca por sua graduação em 2003, fez cursinhos pré-vestibular, e tentou entrar nos cursos de Publicidade e Propaganda, e  Arquitetura na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas ele não conseguiu a aprovação.

Em 2004

Ainda em busca da realização profissional, por intermédio de sua tia paterna Vera Lúcia, foi apresentado ao curso de magistério no Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG). Não era curso superior, mas entre não estudar e ter a chance de ser professor, iniciou os estudos. Porém, Renan sofreu nessa época algo que lhe marcaria por muito tempo.  Durante o seu período de estágio ele foi barrado por ser homem e preto de trabalhar em escolas infantis, as escolas desse nível de aprendizado são  compostas, em geral, por mulheres e não lhe foi permitido o contato com as crianças nessa época. . Essa experiência fez ele desistir do seu antigo sonho de se tornar professor.

O período foi muito difícil para Renan aliado a outras questões ele até mesmo tentou várias vezes tirar a própria vida entre 2004 a 2008. Refletindo hoje sobre o período ele vê uma forte experiência religiosa a partir do que aconteceu.  “Hoje ele entende porque Deus insistiu que continuasse vivo. Tinha que chegar ao Rio para cumprir a missão de cuidar do meu marido”.

Em 2011

Devido aos transtornos causados por seu irmão Lucas, sequelado pelo uso de drogas e as chantagens emocionais feitas por sua mãe. Fazendo com que os problemas de seu irmão começassem a fazer parte da sua vida, resolveu ir morar no Rio de Janeiro. Apesar do fim do periodo tentativas de suicídio, se sentia extremamente solitário, mesmo rodeado de familiares e amigos. Era uma solidão que não se justificava. Neste período, ele fazia acompanhamento na ONG vHIVer e o psicólogo receoso com uma decisão impulsiva de sua parte, fez uma semana reforçada de atendimento psicológico. Pesquisou uma rede de apoio de ONGs lgbts a quem pudesse procurar caso algo desse errado. 

Como nunca escolheu seu plano B: que se essa mudança desse errado certamente pularia da ponte Rio-Niterói ou trocaria suas coisas por uma arma para se matar.Isso se somava ao término de um relacionamento com um carioca pilantra que morava em BH que lhe explorava e traia. Então, procurou um amigo da Internet (Mário) que morava em Realengo (Bairro do Rio). Perguntou se ele poderia te receber e ele disse que sim, então combinaram a data.

Porém na noite da véspera da viagem aconteceu a tragédia no morro do bumba em Niterói, que desabou uma comunidade construída em cima de um lixão. Veja no Google.

A prima dele morava lá. Eu na rodoviária com a minha mãe, entrei em pânico. Porque larguei o emprego larguei tudo e desistir fácil não era uma opção.

Daí entrei numa lan-house. Num bate papo de pegação do UOL. Joguei meu problema em uma frase e esperei… o primeiro que disse Oi. Eu já perguntei se podia me receber numa emergência e ele disse que sim, mas  morava em volta redonda.

Eu não peguei contato, não perguntei o nome dele e não pesquisei onde ficava volta redonda… eu só troquei a passagem e entrei no ônibus com toda a minha mudança.”

Como tinha ido passear pela primeira vez no Rio em 2008, sabia que em Três Rios o ônibus virava à esquerda para Petrópolis, mas o ônibus virou pra direita e viu a placa escrito Resende /São Paulo. Neste momento ele entrou em pânico internamente, mas consciente que não haveria retorno. Ao olhar pela janela do ônibus uma placa escrito “VASSOURAS”. Se perguntou o que vem depois? Rodo? Aspirador de pó?

Chegada ao Rio

Chega em volta redonda e desse um monte de gente. Sua mudança é jogada na calçada. E somente nessa hora deu conta que não sabia quem era o cara da Internet e não tinha nenhuma alma ao alcance dos olhos para pedir informações. Ao longe tinha um senhor de cabelo branco que parecia procurar alguém. Ele se aproximou e perguntou se ele era o rapaz que veio de BH, já que não chegou a se identificar na conversa pela internet.

Renan O. Carvalho no Rio de Janeiro. Foto: arquivo pessoal.

Sua vontade era tanta de sair dali que não se apresentaram, colocaram a mudança no táxi imediatamente e tinham caixa até no colo do motorista. Quando chegaram na casa dele é que apresentaram. Nesta hora se deram conta da maluquice que estava acontecendo. Renan achava que Volta Redonda era um bairro do Rio de Janeiro, mas na verdade é um município, chegando no Rio mesmo 5 meses depois de sua partida de Belo Horizonte, onde mora até hoje.

Como precisava se manter, trabalhou em call centers, até surgir a oportunidade de mudança para o Rio de Janeiro onde uma amiga lhe apresentou um programa de descontos por indicação na faculdade que ela estudava. Ele já tinha desistido de fazer uma graduação e investia seu tempo em  cursos profissionalizantes visando a independência financeira.

Graduação e descobertas

Apaixonado pelo curso de design, já que não tinha a opção de arquitetura, concluiu sabendo que só o curso superior não era o suficiente. Começou a fazer cursos de programação que foi um diferencial para ganhar uma bolsa de estudos em Processos Gerenciais na FGV. Como se não bastasse tudo que passou, em 2019 descobriu um câncer que quase causou sua morte e que te lembrou que ainda tinham sonhos a serem realizados e um deles é o de infância: arquiteto.

Por ser assumidamente gay, acreditou ser “Trans” dos 7 aos 9 anos, mas a partir dos  14 anos ele começou a ter certeza que era um homem cis e homossexual.  Renan teve muita dificuldade nesse processo identitário, pois ele não tinha referência (na família), nem na escola, para orientar sobre “como o mundo funciona” e não tinha internet acessível na época, não para ele que só conhecia o machismo na família.

Na segunda graduação foi um dos 21 selecionados para ser cotista, mas o curso precisou ser interrompido devido ao câncer, e a FGV lhe apoiou acadêmica e socialmente. A terceira graduação está bem no início, mas como está em remissão do problema de saúde, torce para conseguir  finalizar.

Sua grande frustração, nas  três graduações, é que não é igual aos filmes que você conhece um monte de gente e leva amizades para  vida toda. Foi uma coisa bem solitária e monótona na primeira, menos pior na segunda porque tinha os colegas bolsistas, mas em cursos diferentes, e a terceira é online, então.

Em busca de resposta

Nunca escutou quem tentou lhe fazer desistir. Pois quando conseguiu, as pessoas que te desmotivaram, foram as primeiras a te aplaudir e pedir conselhos. Problemas vão acontecer, e todo problema tem solução, quando não tem, é porque não é um problema. Chorar não muda a vida de ninguém. Sentiu que sua vida só melhorou, quando começou a gastar o tempo que tinha reclamando, chorando e querendo morrer e foi em busca de resposta de como sair daquela situação.

“Meu maior troféu, foi ouvir de pessoas que em demonstraram em algum momento terem vergonha de mim, por ser gay, falarem hoje, até para os filhos: “Sigam o exemplo do Renan”, “Ele é meu maior orgulho”, “Ele fez coisas que eu sempre quis fazer mas nunca tive coragem”.

Em conversa com Gilson Carvalho Bacellar, bacharel em turismo e companheiro do Renan, mesmo em meio às correrias do dia-a-dia em busca da realização de seus sonhos, encontram tempo para irem ao cinema e em exposições de arte nos diversos centros culturais da cidade, fazer passeios em antiquários, livrarias, sebos, brechós, bazares. Admira em seu companheiro o esforço para conseguir suas coisas, estudioso, inteligente e habilidoso,  capaz de realizar muitas coisas maravilhosas.

Além dessas qualidades já citadas , ser criativo e ter essa vontade de sempre obter mais conhecimentos e especializações. Quando perguntado sobre a rotina para conseguir administrar o tempo com os estudos, trabalho e o relacionamento, que muita das vezes é deixado por último, diz que tudo é sempre feito com muito esforço e dedicação principalmente da parte de seu, com uma  grande habilidade de organização do seu tempo, inclusive para poder resolver questões pessoais e as extras que aparecem na rotina cotidiana.

Eu sempre o encorajo a alongar as suas asas e alçar vôos maiores. Nosso relacionamento é baseado na cumplicidade. Temos os  nossos projetos de uma vida juntos.”

Depois de todo processo

E depois de tudo que passou em sua vida nesses quase 39 anos de vida, o que considera mais importante é que, “quem você menos espera é quem te joga para cima”. Toda vez que se esforçou para conseguir algo, alguém te observava e te indicava numa direção onde encontraria a resposta. Ter uma boa índole, ser verdadeiro, gentil e focado num futuro melhor, gera admiração e tudo que faz é visto por alguém que às vezes não vemos. Graças a isso, até o câncer venceu. Não é mais importante na vida que o nosso “nome”, nossa reputação.

“Depois do câncer eu não quero deixar de realizar nenhum sonho, estou no primeiro mês do curso de arquitetura, semipresencial e já fiz minha primeira maquete.

E comecei uma pós graduação em Ux/Ui design para tentar aumentar o salário para bancar o pagamento da faculdade de design. Mas fiquei desempregado em vez de ser promovido. Após 10 min depois de perder o emprego,  fui contratado como MEI.

Então vou conseguir finalizar a pós e continuar a faculdade de arquitetura até avaliar o momento de trocar de profissão.

Sei que pra um negro no glamuroso mercado de arquitetura. Será outro desafio na minha vida. Mas como estou tão empolgado e feliz que nem ligo. Pois já sobrevivi a tanta coisa.”

Renan O. Carvalho. Foto: arquivo pessoal.

SIMILAR ARTICLES

NO COMMENTS

Leave a Reply