Crítica

Por Ney Felipe

Hoje, 22 de agosto, é comemorado o Dia do Folclore. No trajeto casa/trabalho, vim observando escolas, crianças, pais e me perguntando: será que ainda comemoram o Dia do Folclore?

Ao chegar no trabalho, conversa vai, conversa vem, Keven (técnico do laboratório de Jornalismo) e eu, relembramos os tempos de crianças. Uma data como esta, estaríamos com rosto pintado, talvez uma touca vermelha, coroa de fogo e por aí vai. Tudo isto, para simbolizar Cuca, Saci, Mula Sem Cabeça e outros vários que pertencem ao nosso folclore.

Em meio a nostalgia, bate uma certa tristeza. Sinto um pouco da nossa história se perder. Para vários povos, o Folclore é importantíssimo. Mas, se nossas escolas não tocarem neste assunto, cedo ou tarde, essa história irá se perder. 

Mas, nem tudo está perdido. O nosso Folclore sobrevive nas regiões norte e nordeste. Por lá, nossa cultura ainda é bem forte neste aspecto. Para se ter um exemplo, logo que cheguei, ainda conversando com o Keven, por curiosidade, fui pesquisar no Google e logo de cara, já tive retorno da pesquisa citando sempre estados do norte do país, festas no nordeste, a importância por lá. 

Por isso, respondendo ao título, pode-se concluir que ainda há Folclore no nosso país. Ainda tem lugares que tratam com a devida importância estas histórias que ajudaram a criar a cultura de um país. Sim, isso mesmo, de um país. Quem não se lembra de Monteiro Lobato e suas histórias no Sítio do Pica-pau Amarelo. 

Nestes grandes textos, vários personagens do nosso Folclore passaram a ganhar vida. O próprio texto ganhou vida e no final chegou até a TV. Por isso, motive os nossos pequenos a ler. Motive as nossas crianças a procurarem mais da nossa história. Assim, não só nosso Folclore, mas nossa cultura irá se perdurar por anos e anos.   

Por Bianca Morais

No último Lollapalooza, no ano de 2019, a apresentadora Titi Müller do canal Multishow soltou o conhecido meme “a galera te pedindo muito Anitta”, que na verdade era para mascarar a plateia gritando “Fora Bolsonaro”. A questão é que o ano agora é 2022, dois anos depois do último Lolla o evento volta com tudo, e inclusive, com Anitta agora no número 1 do mundo. 

Esse ano além de ter muita gente pedindo Anitta, também teria muita gente pedindo fora Bolsonaro, afinal é ano de eleições e quem ama um bom festival sabe que no governo dele a verba para cultura foi cortada. Pabllo Vittar estava presente no evento, outra rainha do Brasil, símbolo LGBTQIA+, a drag mais pedida de todo o mundo, fez uma performance incrível e um momento polêmico registrou seu show. 

Ao ir para a plateia, ela se enrolou em uma toalha com a estampa do ex-presidente do Brasil, Lula. O que levou a galera à loucura, uns pedindo “Lula” e outros “Fora Bolsonaro”. E foi então, que o atual chefe de estado recorreu imediatamente ao TSE para que proibissem as manifestações políticas no evento. O pior? O pedido foi acatado! 

Agora me pergunto, estamos vivendo a constituição que garante a liberdade de expressão ou voltamos aos anos de chumbo em que artistas como Caetano Veloso, Milton Nascimento, Chico Buarque entre outras dezenas tinham que se calar em meio a ditadura militar.

E o Lollapalooza não deixou barato. No sábado, o vocalista da aclamada banda de rock Foo Fighters faleceu, a banda, claro, cancelou sua apresentação e o festival chamou simplesmente o Planet Hemp para tocar no lugar dos caras.

Teve Emicida, Rael, Criolo e a frente do Planet: Marcelo D2. Artistas que vivem da música e sabem o quanto ela é importante e simboliza em momentos de insatisfação. Foi assim no século passado e não será diferente neste. Porque, na música não há espaço para represália, não há lugar para boicote, não há censura! 

E se Jair Messias Bolsonaro, estimula a reclusão de manifestação artísticas nos palcos por parte dos cantores e do público, deveríamos pensar sobre seu cargo de presidente, já que na íntegra  o trabalho de um presidente é governar para todos, inclusive para aqueles que discordam do seu governo, e não calar a voz de uma classe só porque ela não lhe convém. 

0 397

Por Bianca Morais

Quinta-feira, dia 20 de janeiro de 2022. 

Depois de quase dois anos de Covid-19 o mundo agora começa a receber a terceira dose da vacina e finalmente chega minha vez, duas doses de Astrazeneca e agora Pfizer, me sinto preenchida e protegida, ah que maravilha!

Sexta-feira, dia 21 de janeiro de 2022.

Já cheguei até essa altura de uma das piores pandemias mundiais, com vinte exames de Covid e nunca tive, sabia que depois de tanta má sorte na vida eu estava sendo beneficiada pelo universo e saindo ilesa.

Sábado, dia 22 de janeiro de 2022.

Pelo meu olhar de bartender nas horas vagas, vejo jovens entrando e saindo do bar, rodada dupla de caipirinha? Só se for agora. Que bom ver as pessoas finalmente poderem se divertir e encontrar seus amigos em um sábado a noite sem medo de ser feliz, depois de meses isolados em casa, amém segunda dose, a terceira já chega para vocês também.

Domingo, dia 23 de janeiro de 2022.

Trabalhadora sim, filha de Deus também, depois de meses ralando sem uma folga mereço um pagodinho com a minha turma. Já tenho três doses, não tem como dar errado. Cerveja gelada e samba no pé. 

Segunda-feira, dia 24 de janeiro de 2022.

Acordar de ressaca, quanto tempo não tenho essa sensação. Banho gelado, porque a semana acabou de começar e não tem tempo para corpo mole.

Terça-feira, dia 25 de janeiro de 2022. 

Nossa mas que ressaca ferrada, segundo dia acordando com corpo ruim.

Quarta-feira, dia 26 de janeiro de 2022. 

Dor de garganta e febre alta, estranho.

Quinta-feira, dia 27 de janeiro de 2022. 

120 reais, parcela de duas vezes, por favor.

Positivo para Covid. Vacina você prometeu.

Sexta-feira, dia 28 de janeiro de 2022. 

Isolada, chateada, acabada, desolada.

Sábado, dia 29 de janeiro de 2022. 

Sem trabalho, sem rolê, sem nada.

Domingo, dia 30 de janeiro de 2022. 

Vacina você prometeu e você cumpriu, estou positiva mas estou viva, estou com o corpo cansado, mas meus olhos estão abertos e estou assistindo minhas séries favoritas, porque eu estou viva e isso é o maior presente que eu poderia receber.

Vacina salva vidas, bora se vacinar.

0 520

Hoje comemoramos o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa e para marcar essa data deixamos aqui o manifesto do curso de Jornalismo da Una, escrito pela professora Carla Maia. O texto também se transformou em vídeo gravado por alunos e ex-alunos, confira no link.

Manifesto 

“Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”

Liberdade, essa palavra com a qual levantamos nossa bandeira. Ainda que tardia, ainda que árdua, ainda que arda, ainda que soe como ameaça para os senhores que nos querem escravos, é a liberdade que buscamos, é por ela que trabalhamos.
Trabalhamos pelo direito à liberdade de expressão, de informação, de ir e vir. Liberdade para emitir opinião e – por que não? – para mudar de opinião. Pois é livre aquele que sabe confrontar as ideias falsas com as palavras justas.

Liberdade para buscar os fatos e comunicá-los com senso de justiça. Liberdade para ir contra tudo e todos que ameaçam o direito à vida, à dignidade e à equidade.
Liberdade para investigar o passado, mapear nossos erros e assim projetar outro futuro. Liberdade para assumir responsabilidade e arcar com as consequências de nossas escolhas.
Assumimos, nesse dia que celebra a profissão que escolhemos, o compromisso de usar nossa liberdade a favor de uma sociedade menos fundada em equívocos e, por isso, com chance maior de acertos.

Mobilizamos a força de nossa ação contra tudo que limita nosso direito de pensar em voz alta, nosso direito de ser livres ao exercer nossa capacidade crítica e reflexiva.
Selamos um pacto com todos que resistem à ignorância e à alienação, todos que não desistem de pensar e de criar, livre e coletivamente.

Porque é isso, ser jornalista: um exercício de honra aos direitos humanos fundamentais.
Liberdade é a nossa praça, é nossa praia. É nosso território afetivo e inventivo. É onde podemos nos encontrar para celebrar nossa existência em comum.
Somos jornalistas pela Liberdade e cá estamos para desejar, a todos que nos acompanham, dias melhores.

*Por Bianca Morais

No mês de outubro os cursos de aviação do Centro Universitário Una completam dez anos, para comemorar o Jornal Contramão vai trazer uma série de matérias relacionadas ao assunto. E para abrir as felicitações trazemos uma importante reflexão: Os negros na aviação e o preconceito.

Quando o assunto em pauta é a questão racial, independentemente de ser no meio social ou profissional, sabemos que existe discriminação, seja velada ou não. Agora imagina uma área como a aviação, onde majoritariamente os profissionais são brancos e de uma elite dominante.

Na aviação encontramos os mais diferenciados tipos de racismo, seja aquele institucional que é o tratamento diferenciado entre raças no interior de organizações, por exemplo, quando vemos mais pilotos e comissários de bordo brancos dentro de um avião, do que negros. Também existe o racismo recreativo, aquela “piadinha” que alguém faz com a aeromoça negra em um voo. Racismo não é apenas quando alguém chama um negro por um apelido pejorativo, a questão vai muito além disso.

Acontece que muitos desses negros que sofrem preconceitos preferem se calar, eles como profissionais respeitam a empresa em que trabalham, e claro, temem pelas consequências de suas denúncias, a falta de credibilidade perante um branco e o medo de perder o emprego silenciam as vozes de muitos descriminados.

A aviação é uma área com formação alto custo e a desigualdade social muitas vezes impede muitos até de pensar em ingressar nessa área de atuação. Além da falta de verba, a exigência de conhecimento em línguas estrangeiras acaba desmotivando essas pessoas. Para grande parte da população viajar de avião ainda é um luxo, uma realidade distante, imagina atuar como profissional pilotando ou até mesmo na manutenção de uma aeronave.

A estrutura aeroportuária é elitista, é muito difícil encontrar um negro no cargo de chefia, agora é bem comum encontrá-los na limpeza das aeronaves e dos aeroportos. A falta de representatividade é também um dos principais motivos que justificam o baixo número de negros na aviação. O estereótipo da aviação é branco, e não somente da tripulação propriamente dita, mas dos passageiros, se comparado aos brancos o número deles é muito menor. Discutir sobre o assunto é necessário, em um país como o Brasil, onde a população é consideravelmente mista entre brancos, pardos e negros, encontrar menos de 5% de negros em um ambiente de trabalho é preocupante.

Histórias que valem a pena conhecer

Apesar de tudo, aos poucos e com muito luta eles estão conquistando seu lugar. Como é o exemplo de Thiago Daltro, 32 anos, formado em aviação civil, é piloto de avião. Contradizendo as estatísticas, ele conquistou um cargo de muita responsabilidade. A grande maioria dos pilotos no Brasil, são brancos, então imagine o compromisso social que Thiago carrega. Ele afirma que quer ser inspiração para os negros que têm vontade de ingressar na aviação, mostrar que lugar de negro é onde ele quiser, e não somente no check-in ou guardando bagagem no avião, mas também estando no controle dele.

Ele também conta que já sofreu sim, racismo velado. Thiago, muitas vezes mesmo vestindo uniforme de piloto que é diferente de todos os outros da tripulação, é confundido, tanto por passageiros como funcionários da própria linha aérea que acham que ele é despachante e perguntam quantos passageiros tem a bordo e até por comandantes.

“O comandante já apertou na minha mão, me cumprimentou, conversou comigo e depois de meia hora perguntou cadê o co-piloto. Situação chata mas tem que revelar”, conta.

Thiago explica que quando se trata da sua capacidade, ninguém nunca o questionou, quando se chega em um patamar da companhia área onde poucos chegam, como ele chegou, as pessoas apresentam um pouco mais de respeito por conta de sua posição.

“Quando você é negro e chega nessa posição você deve mostrar duas vezes mais que as outras pessoas, elas já pensam que por eu ter chegado até aqui, eu sei o que estou fazendo e não me questionam tanto”.

Outra história é a de Filipe Amâncio, 30 anos. Ele teve um tio piloto como inspiração. Sempre quis ingressar na área da aviação, porém como os cursos são caros não teve condições e acabou optando por fazer o curso de manutenção de aeronaves. Antes de se formar, já havia conseguido o primeiro emprego na área como auxiliar técnico de manutenção, onde ficou por dois anos.

Filipe que hoje mora na Austrália, afirma que consegue ver uma nítida de diferença de comportamento comparado ao Brasil. “Fora do Brasil é muito comum você ver pessoas negras em um avião, já no Brasil é muito difícil. Você anda no aeroporto e em um dia inteiro você vai ver umas 3 ou 4 pessoas da tripulação negras”, conta ele.

O rapaz também compartilha da ideia de que a cor da pele estimula preconceitos na mente das pessoas, da capacidade e do conhecimento que ele possa ter.

“Se a pessoa é negra, ela veio de uma escola ruim, fez uma faculdade ruim e por isso o aprendizado que ela tem não é bom o suficiente”, desabafa.

Larissa Lacerda, 24 anos e Letícia Andrade, 29, são duas comissárias de voo, jovens, mulheres e negras no mundo da aviação. Além do preconceito pela cor da pele, elas ainda têm que encarar o assédio.

“Comentários típicos do racismo estruturado como: você tem uma beleza exótica. Não tem aquele narigão; Você fica muito mais bonita de megahair que com esse cabelo; Não, você não é negra, você é morena”, compartilha Letícia.

Desde o cabelo até as curvas de seu corpo, mulheres negras são vistas como atrativo até mesmo quando estão correndo atrás de seus sonhos.

“Uma vez um passageiro me falou que eu deveria estar na Europa ou sambando no carnaval. Isso tudo porque neguei o embarque dele por motivos de segurança”, descreve Larissa.

Fernanda Nascimento, 37 anos, atua como comissária de voo há um ano. Tendo dentro de casa seu maior exemplo, a aeromoça cresceu vendo sua mãe, mulher negra e nordestina ocupando cargo de chefia no trabalho, por isso, ela sempre soube que poderia chegar aonde quisesse, o mais alto possível, e o céu foi o seu limite.

Diferente do relato de muitos, Fernanda, representa uma esperança em meio a tanto preconceito vivenciado pelo negro na aviação, segundo ela, sempre foi acolhida de braços abertos por sua tripulação, a empresa em que trabalha visa muito a questão da diversidade, e se já chegou a sofrer algum questionamento foi de pessoas de fora da aviação que se espantam ao saber de sua profissão.

“O martelo sempre será mais pesado pra nós, então sempre digo que temos que ir em busca daquilo que realmente nos faz feliz, pois cobrança vai existir em qualquer meio. Meu conselho: Estude muito, poupe dinheiro e acredite sempre em você!”

Não pertencer a esse universo, por quê?

Laiara Amorim Borges, 32 anos, nunca quis trabalhar presa em um escritório ou numa rotina corriqueira, a mineira sempre quis conhecer o mundo, foi então que procurando por profissões que pudessem abrir essa porta, encontrou a aviação. Seu sonho no começo era pilotar aviões, porém por ser um investimento muito alto, preferiu guardá-lo.

Depois de um tempo, Laiara optou por fazer o curso de comissária de bordo,  por conta das possibilidades do mercado e por não conhecer uma pilota de avião mulher e negra, ela achava que o curso de pilotagem não pertencia a ela. Em episódios como esses é possível retornar na questão da representatividade, até certo ponto a jovem mineira não se sentia representada em uma profissão como aquela, então, preferiu seguir uma profissão diferente deixando seu desejo de lado.

Em 2011, começou o curso de comissária, na época o custo era em torno de sete mil reais e para ela, que sustentava sua casa, dificilmente sobrava dinheiro para manter outras contas, principalmente se tratando de estudo. É um investimento alto, mas como a própria contou o retorno é rápido, o problema é o tempo que se leva para chegar lá.

A comissária passou por dificuldades para conseguir ingressar na profissão, via colegas de curso, sem nenhuma experiência ou idiomas passando em processos seletivos e ela não. A questão do racismo sempre esteve presente, o que ela não conseguia era mensurar o tanto que isso a afetava. Precisou começar por baixo, em solo, para desta forma tentar uma migração interna.

“Eu vejo hoje uma reclamação de muitas pessoas que a maioria dos negros que trabalham na aviação, antes trabalharam em solo, dificilmente vão diretamente para voo”, relata.

Laiara, hoje é chefe de voo e relata como mesmo estando em uma posição superior ainda precisa provar sua competência. Seu cargo dentro da equipe lhe concedeu uma faixa no uniforme diferente dos outros funcionários, porém mesmo com essa diferenciação é muito comum terceiros chegarem e questionarem quem é o responsável. Isso acontece principalmente quando está ao lado de colegas brancos, é muito difícil para algumas pessoas enxergarem um negro em posição de poder.

Para além do ser negro na aviação, mais difícil é ser uma mulher negra na aviação. Laiara que está há oito anos na área, já passou por muitas fases. Atualmente as companhias áreas vêm se esforçando para manter uma igualdade entre a tripulação, porém é chocante acreditar que até alguns anos atrás, como compartilha a comissária, mulheres negras de cabelo crespo ou ondulado eram obrigadas a prendê-los em um coque, enquanto aquelas de cabelo liso ou escovado tinha a escolha de deixá-los soltos ou em rabo de cavalo. Padrões não podem ser construídos encima de algo que possa ferir a raça de alguém.

Laiara entrou na aviação para conhecer o mundo e está conseguindo, está vencendo, nem sempre é fácil e ela passa constantemente por desafios, mas sua de força de vontade lhe dá motivos para continuar. E aquele sonho do começo de ser piloto, ela está correndo atrás, já está cursando a faculdade de ciências aeronáuticas e em muito breve será possível reconhecer mais uma mulher negra, pilota de avião.

Quem olha para Kenia Aquino, 34 anos, hoje e vê uma chefe de cabine, forte e determinada nem imagina o tanto que ela lutou para alcançar essa posição. Já vimos que cursos ligados à aviação não são baratos, mas isso não foi um empecilho na jornada dessa guerreira, ela que trabalhava em um hospital onde não recebia tão bem, gastava um pouco mais que a metade do salário para custear os estudos, não foi nem um pouco fácil, mas não seria uma dificuldade financeira que a afastaria de seu sonho de infância.

“Sempre fui uma criança inquieta e absolutamente apaixonada pelo céu. Quando viajei de avião pela primeira vez aos 16 anos, eu pude ver de cima para baixo as nuvens e eu me apaixonei de vez e sempre tive esse desejo”.

O começo não foi nem um pouco fácil para a Kenia, com 12 anos de estrada ela relembra como foi difícil passar no processo seletivo.

“Eu fiz quatro seleções, consegui ser aprovada apenas na quarta, nas outras três eu não consegui e em uma delas eu tenho certeza que foi por motivos raciais embora eu não tenha como comprovar”.

No processo seletivo em questão, a gaúcha conta que fez todas as provas e chegou a fazer o exame admissional com o médico da empresa, quando chegou na hora de ir para São Paulo assinar os documentos e a carteira de trabalho os responsáveis ligaram para ela afirmando que ela havia sido reprovada nos exames. Dentro desse episódio lamentável, é importante ressaltar que Kenia já havia assinado documentos da própria empresa afirmando que estava apta para as funções e que, além disso, na época ela havia feito exames da aeronáutica e tinha habilitação de saúde. Mas de nada isso valeu, e uma pessoa de pele de clara ficou com sua vaga no final.

Episódios como esses infelizmente são frequentes na vida de Kenia. A comissária já sofreu vários episódios de racismo tanto da parte de passageiros como de colegas de trabalho esse foi um dos motivos por ela ter se afastado do serviço por recomendações psiquiátricas no último ano. São diversos relatos, em determinada ocasião uma passageira em tom de piada disse que as comissárias de voo sentem muito calor por serem “queimadinhas”, isso se dirigindo diretamente a Kenia. Um outro recusou a água que ela havia oferecido para pedir a uma outra comissária branca.

“Eu não posso dar uma resposta como eu gostaria, então eu acabo não respondendo nada para não me prejudicar, para não prejudicar meu trabalho”.

Muitos passageiros, também não respeitam as instruções passadas por Kenia da mesma forma que respeitam quando é outra aeromoça falando.

“Se eu pedir é uma ofensa, agora se uma colega loira pedir ele obedece”.

Kenia e Laiara, colegas de trabalho, achavam que aqueles episódios de racismo velado eram coisas de suas cabeças, mas a partir do momento em que elas viram que as histórias se pareciam e se repetiam, perceberam um comportamento e uniram forças para combater isso.

Kenia é dona da página @voonegro. Antigamente denominada “black’s in the air”, o principal objetivo era dar espaço a imagens negras da aviação. Kenia sempre via vários perfis exaltando comissários de voo no instagram, porém todas elas brancas. Cansada disso criou seu próprio perfil, enaltecendo os negros da área. O tempo passou e a aeromoça viu que o nome inglês não fazia mais tanto sentido e mudou para Voo Negro.

Existe um problema hoje na aviação que é o preconceito, todos citados nessa reportagem contaram pelo menos uma situação em que sentiram o racismo na pele, a indiferença. É necessário colocar mais gente negra na aviação para que episódios como esse parem de acontecer, ou aconteçam com menos frequência, porque quando as pessoas passarem a ver mais representatividade é esperado que essa discriminação diminua, porque o negro não estará mais sozinho ali.

“É preciso colocar mais gente negra consciente de sua negritude na aviação, porque essa dor que a gente sente por ser discriminado a bordo, não é justo que a próxima geração de negros sinta também. Porque se estamos sentindo essa dor hoje, precisamos trabalhar para que esse problema se não solucionado, pelo menos diminua”, desabafa Kenia.

Quilombo Áereo

Vendo que o voo negro passou a ser uma causa de luta pela inserção do negro na aviação, ela uniu forças com a Laiara que também tem sua página @voe_como_uma_garota_negra e criaram o Quilombo Áereo.

O que é o Quilombo Aéreo ?        

“Somos o Quilombo Aéreo, coletivo que visa trazer à visibilidade as/aos tripulantes negras/os da aviação civil brasileira. Temos um grupo de advogadas, psicólogas, mestres e doutoras negras nos apoiando e nos ajudando na construção e consolidação da nossas pautas”.

Quando e como surgiu o coletivo?         

“O coletivo nasceu no final de 2018 do aquilombamento de 4 tripulantes Kenia Aquino, Shirlei Reis, Jivarlos  Cruz e  Laiara Amorim e duas paginas no instagram o @voonegro e o @voe_como_uma_garota_negra, unidos pela dororidade das pautas raciais outrora não discutidas na aviação civil brasileira. Nasceu pela necessidade de fazer algo dentro da área e criar oportunidades de inclusão e estratégias de enfrentamento ao racismo.

Qual objetivo do comitê?       

Nossa Missão: Mitigar os efeitos do racismo na Aviação; desenvolver estratégias de autocuidado e cuidar da saúde mental das/os negras/os aeronautas; além de conscientizar as empresas sobre os efeitos do racismo institucional.

Nossa Visão: Contribuir com as pautas antirracistas também na aviação; abrir espaço para o ingresso e permanência de mais mulheres negras e homens negros na área.

Quantas pessoas o projeto já atendeu?               

O projeto uniu cerca de 80 tripulantes negros em dois grupos um misto que é aberto para diversas pautas do cotidiano dos tripulantes, para debates, dúvidas troca de experiências e acolhimento. Um outro grupo voltado para as mulheres negras aeronautas/aeroviárias sobre empoderamento estético o que se faz muito importante nessa área já que ela gira em torno de um padrão eurocentrista que tenta enquadrar todas as pessoas como únicas não respeitando a nossa pluralidade e diversidade e muita vezes nos violentando com imposições estéticas de embranquecimento.

O cômite atua no país inteiro?         

Sim, o coletivo visa atender tripulantes no Brasil inteiro embora nesse momento nossa atuação é mais ativa em SP,POA,BH.

Vocês já tem sentido um retorno positivo do comitê ajudando a comunidade negra?   

Sim, somos pioneiras(os) nesse braço da militância, trouxemos ao conhecimento público dados e informações que ainda eram omitidos ou não verbalizados, temos colhido muitos frutos como aprovações em editais que possibilita o auxilio ao impulsionamento na carreira, parcerias com instituições e grupos que trabalham a diversidade étnico-racial, MTP e  sindicatos. Tivemos que repensar nossas estratégias de enfreamento ao racismo institucional a partir da pandemia e criar novas formas de atuação.

A ideologia do racismo coloca o negro em lugares estratégicos onde querem que ele esteja, empurrando essa população para o subemprego, por exemplo, o trabalho doméstico, e não que esse tipo de trabalho seja menos digno, ao contrário, porém é nesse lugar que o racismo quer que o negro permaneça. Movimentos como o Quilombo Aéreo nada mais quer do que a inserção do povo negro aonde ele quiser, é dar oportunidade, mostrar a população uma nova perspectiva de trabalho para além daqueles que eles estão acostumados, democratizar o acesso ao espaço aéreo.

Alguém um dia disse “Nem o céu é o limite quando os sonhos são maiores que o próprio universo”, e é essa força, é essa tripulação de comissários, pilotos, comandantes, mecânicos que não viram limites e alcançaram seus sonhos de estarem nas alturas, e estão, muitos até mesmo sem perceber, abrindo portas para que no futuro, muitos mais negros estejam na aviação.

 

*A matéria foi produzida sob a supevisão da jornalista Daniela Reis

0 2845

*Por Ana Flávia da Silva 

O mercado de trabalho é um ambiente onde a desigualdade está presente, principalmente se olharmos para questões como raça e gênero. A mulher negra dentro deste âmbito encontra inúmeros desafios, que estão diretamente relacionados ao racismo estrutural e institucional.

A desigualdade no mercado de produção está diretamente associada ao desequilíbrio social que vivemos no Brasil. Os dados apontam um crescimento do número de pessoas negras alfabetizadas e concluintes do ensino médio. Contudo o índice de analfabetismo entre as mulheres negras é duas vezes maior do que as mulheres brancas, segundo uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2014. No mercado de trabalho não seria diferente, tendo em vista de que o acesso à educação ainda é muito precário. Grande parte das mulheres negras que se formam do ensino médio encontram dificuldades de ingressar no ensino superior, os dados apontam que apenas 10% conseguem se formar na faculdade.

Segundo dados da Previdência Social, 39,08% das mulheres negras estão inseridas em relações precárias de trabalho, fazendo parte também do maior número de pessoas que trabalham sem carteira assinada e recebendo os menores salários. Em diversas áreas do mercado a presença de trabalhadoras negras é praticamente inexistente. Um bom exemplo é o Cinema Brasileiro, até o momento apenas duas cineastas negras conseguiram lançar longas-metragens.

“Embora vivamos em uma sociedade multirracial e haja muitos discursos de que no Brasil não há racismo, as mulheres negras têm grande dificuldade em se inserir em determinados lugares. Basta observarmos quantas mulheres trabalham em atividades de maior retorno financeiro. Quantas ocupam cargos políticos ou mesmo estão em altos escalões do governo?”, questiona Yone Gonzaga, Consultora em Relações Étnico-Raciais e de Gênero e Doutora e Mestra em educação pela UFMG.

A mulher negra ao buscar uma vaga de emprego por muitas vezes poderá ser julgada pela cor de sua pele, por seu cabelo entre outros atributos físicos. “Outra barreira é o fato de os Setores de Gestão de Pessoas ou Recursos Humanos das empresas, não estarem aptos tecnicamente para compreenderem a dimensão racial como um entrave para o ingresso de pessoas negras no mercado de trabalho”, conta Yone.

Dentro das empresas elas são a minoria, sendo que pouquíssimas conseguem chegar aos cargos de liderança. Conversando com um grupo de mulheres negras, foi possível encontrar alguns pontos em comum em seus depoimentos. O principal deles é de que dentro das empresas muitas vezes elas têm sua forma de trabalho questionada, e precisam sempre se reafirmarem para não terem suas ideias ou opiniões invalidadas.

O racismo estrutural como consequência do nosso processo de colonização corrobora com a situação de desigualdade dentro do mercado de trabalho. É interessante observar que o racismo muitas vezes não ocorre de forma explícita, e sim através de um comentários considerados inofensivos. Essas pequenas atitudes do cotidiano precisam ser reavaliadas, essa é uma batalha constante que precisa ser combatida por todos.

Ainda de acordo com Yone, a melhor forma de derrotar o racismo estrutural é a denúncia. “O silêncio em relação às diversas formas de discriminação racial e de opressão de gênero permite a reincidência. Penso que a questão racial é um problema que deve ser enfrentado por toda a sociedade brasileira e não somente pelo segmento negro. Afinal, não basta as pessoas fenotipicamente brancas fazerem discursos de que não são racistas. Elas precisam se posicionarem e agirem contra todas as formas de discriminação e opressão que têm no pertencimento racial a sua origem”, afirma.

O feminismo negro

A pauta da igualdade de gênero e racial está sendo discutida constantemente. Podemos dizer que o feminismo tem sido um grande auxílio para que as mulheres negras possam alcançar seus objetivos em suas respectivas carreiras. Está havendo uma ruptura nos padrões impostos pela sociedade, isto fica claro quando observamos o fenômeno da transição de cabelos. É possível perceber que esse foi um grande marco do feminismo negro no Brasil, colocando em evidência outros assuntos que estão diretamente relacionadas à diversidade. A rede de apoio que foi possível criar através do feminismo, tem servido de inspiração para que mulheres negras possam discutir os principais desafios que enfrentam na sociedade e partir disso encontrar soluções para mudar o cenário atual.

 

*A matéria foi produzida sob a supervisão da jornalista Daniela Reis