Inclusão

Por Millena Vieira


Infinitos procedimentos estéticos; ‘chip da beleza’; cirurgias plásticas; micropigmentação disso, botox daquilo. Um mundo inteiro de alternativas é construído pela indústria estética influenciando mulheres por todo o globo a mudarem sua própria imagem. A mídia impulsiona a mesma ideologia e a entrega de bandeja para o mercado. Seja da forma mais antiga e tradicional com as capas de revistas exibindo modelos super magras nas bancas de jornais, as propagandas de remédios milagrosos nas rádios e nas TVs ou das mais atuais com o aumento de publicidades e publicações de imagens editadas e transformadas nas redes sociais. 


Em uma entrevista, a atriz e ex-modelo estadunidense, Gabrielle Union, diz que sua melhor dica de beleza para as mulheres é beber água e impor limites: “Nada te envelhece mais do que não colocar limites e deixar as pessoas passarem por cima de você, então, beba sua água e diga não”, afirma. De início parece uma dica meio boba, mas sabe aquele ditado que o óbvio também precisa ser dito? Pois é. Nós, mulheres, não fomos ensinadas a dizer não, pelo contrário, ouvimos desde a infância como devemos nos comportar, o que podemos ou não podemos fazer, o que vestir, qual o tipo de corpo é o mais bonito, quais os traços são os mais delicados e por aí vai se criando um efeito dominó entre a sociedade, a mulher e o mercado da beleza. Onde o lucro sobressai a ética, só o último ganha no jogo da misoginia, e o autocuidado de verdade passa longe.

Foto: Pixabay

 

Em 2020, o Brasil foi considerado o segundo país que mais realizou cirurgias plásticas no mundo, segundo a pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS), totalizando 1.306.962 operações, dessas 173.420 foram de lipoaspirações, a principal cirurgia no país. Alto índice que coloca a vida de milhares de mulheres em risco. De acordo com Di Santis, a taxa de mortalidade só para a lipoaspiração é de 19 mortes para cada 100.000 cirurgias realizadas. A sociedade dita que o corpo e a aparência da mulher fora do padrão imposto (branca, magra e jovem) não são suficientes, a própria indústria de beleza se beneficia e usa de estratégia para impulsionar a auto remodelação, transformando o corpo e a imagem em produto, e assim, a mulher consome do mercado que também a destrói. 

 

O show de horrores ligado ao racismo, machismo, etarismo e a gordofobia ajuda a consolidar ainda mais a busca inalcançável aos padrões de beleza, e, junto ao excesso do consumo das redes sociais, principalmente pelas mais jovens, traz grandes prejuízos à saúde mental feminina. Com a pandemia, o Brasil se tornou o país com a população mais ansiosa do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde e o terceiro no ranking mundial do uso de redes sociais, apontado pela Comscore. As mídias sociais, a construção da auto imagem na sociedade, o aumento da ansiedade entre as mulheres, que são as grandes consumidoras de tendências, as torna o grupo mais atingido pelo transtorno (7,7%). Todos esses fatores estão relacionados também com a qualidade de vida das mulheres, a atenção à saúde psíquica é urgente. Não somos produtos de mercado, nem bonecas de corte de uma mesa cirúrgica. É preciso ir muito além da própria imposição de limites para superar a objetificação sistematizada sobre os nossos corpos. 

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Capacitismo no ambiente acadêmico dificulta relacionamentos, aprendizados e vivências de pessoas com deficiência 

Por Milena Vieira

Ativista feminista, mestranda no programa de pós-graduação em Comunicação Social da UFMG e criadora do blog “Disbuga”, Fatine Oliveira tem distrofia muscular e é cadeirante desde os oito anos. Trata-se, hoje, de importante voz sobre a experiência da mulher com deficiência, assim como em relação às atitudes e aos comportamentos preconceituosos dentro e fora do ambiente escolar. Ao longo dos anos, houve momentos em que Fatine foi infantilizada, submetida a olhares curiosos e a excessos de elogios, por fazer atividades normais ou impedida de participar de exercícios coletivos por não serem aptos às suas necessidades. 

À forma de Fatine, milhões de brasileiros lidam, todos os dias, com situações capacitistas. O capacitismo pode ser definido como toda forma de discriminação contra as pessoas com qualquer tipo de necessidade especial, seja ela física, seja auditiva, visual, mental e/ou múltipla. Tal comportamento nasce de um sistema excludente, opressivo e preconceituoso, no qual se enxerga a diferença como tradução de indivíduos incapazes de pensar por si mesmos e de atuar em sociedade. Revela-se no cotidiano, sobretudo nos meios acadêmico e profissional, por vezes inconscientemente, como em falas ou atitudes que expõem sentimentos de pena, proteção excessiva e/ou inferioridade, o que afeta violentamente a vida desses cidadãos.

Em uma sociedade, tudo que está fora ao que é posto como “padrão normal” pode sofrer preconceito e discriminação. Pessoas que não aderem às “normas” costumam ser invisibilizadas, marginalizadas e pouco aceitas nos espaços sociais, seja de maneira óbvia e transparente, seja de forma velada e não explícita.

No ambiente acadêmico, onde muitos indivíduos passam grande parte de seu tempo, as pessoas aprendem, ensinam, trocam experiências, constroem laços e memórias, além de lidar com as diferenças. Para que isso aconteça, é preciso que tal espaço seja inclusivo e acessível a todos. 

Segundo Welder Rodrigo Vicente, líder do Núcleo de Apoio Psicopedagógico e Inclusão (NAPI) do Centro Universitário UNA, é determinado por lei que escolas e universidades tenham adaptações em seus ambientes, o que inclui materiais e metodologias, para que atendam às pessoas com deficiência (PCDs), tanto alunos quanto professores e funcionários.

“O NAPI foi pensado, inicialmente, para atender uma demanda de inclusão, a partir do movimento dos alunos com deficiência, principalmente auditiva, realizado no final de 2010, de forma mais intensa. A partir da necessidade do estudante surdo, viemos a olhar para outras necessidades. Se tenho 50 alunos com algum tipo de deficiência, tenho que atender aos 50; se não, não estarei incluindo”, destaca. 

De acordo com estudo feito pela plataforma QEdu, a partir de dados do Censo Escolar 2016, apenas 26% das escolas públicas e 35% das instituições particulares estão aptas, nas cidades brasileiras, à criação de ferramentas de inclusão e acesso, para que as pessoas possam ter um ensino de boa qualidade. 

Já para falar sobre processos inclusivos nas universidades, é preciso, antes, levar em consideração a desigualdade social, fruto do sistema capitalista e da falta de investimento nas áreas sociais, culturais, de saúde e educação. 

Fatine Oliveira, por exemplo, foi uma jovem estudante de baixa renda, e ressalta a importância de discutir o assunto: “Não posso, simplesmente, virar e falar que tive acesso, ou não tive. Quero que entendam que a deficiência não é o pior. Vários outros tópicos da questão social também são ruins. Não consegui entrar na faculdade por falta de acesso. A maioria das pessoas com deficiência pertence a classes baixas, o que interfere mais ainda em sua vivência. Muitas pessoas não conseguem ver a dificuldade estruturada na sociedade. É muito complicado não ter esse apoio político do governo” 

Além de todas as complicações para ingressar no meio escolar, as pessoas com deficiência são, por vezes, expostas a expressões capacitistas de todos os tipos, dos velados aos ostensivos. Uma das vertentes do capacitismo no ambiente escolar diz respeito ao momento em que as pessoas olham para aquelas com algum tipo de deficiência, enxergando-as como “coitadas”, “vulneráveis” ou “inocentes”.

No caso de crianças, aliás, todas são inocentes, e não só quando têm deficiência; no caso de jovens e adultos, eles acabam infantilizados. Deve-se pontuar que o capacitismo não acontece somente em situações ligadas ao corpo físico. Pessoas com deficiências não visíveis também são questionadas quanto à capacidade e à inteligência.

“Em minha vida acadêmica, só me incomodavam as pessoas que olhavam para mim fixamente. Às vezes, riam de mim e tiravam sarro, criticavam. A gente tem que passar por cima, mas havia coisas de que não gostava, mesmo. Eu ignorava, deixava para lá, pois tem coisas que precisamos superar”, conta Letícia Diniz, 22 anos, que tem Síndrome de Down e é estudante de Jornalismo no Centro Universitário UNA.

É possível que, em algum momento, qualquer um tenha presenciado ou feito declarações capacitistas. Frases do tipo “Dar uma de João sem braço”, “Você só pode ser retardado!”, “Está mais perdido do que cego em tiroteio”, dentre outras, são naturalmente usadas no dia a dia, sem que se considere o quanto reforçam a imagem da pessoa com deficiência como incapaz.

Outro gesto capacitista é tomar como superação os feitos de sucesso, esforços e conquistas realizadas por PCDs, a exemplo de frases como “Eu reclamando da vida e olha você aí, vivendo, apesar de tudo”, “Ela é tão inteligente, nem parece ser especial”, “Te acho tão guerreira por chegar até aqui”. A deficiência, porém, não impede a pessoa de alcançar seus objetivos. Exemplo disso são os Jogos Paraolímpicos, um dos maiores eventos esportivos do mundo a envolver PCDs, que mostram que qualquer indivíduo é capaz de descobrir (e superar) novos limites.

Em palestra sobre capacitismo, realizada na plataforma do YouTube, no canal TV FEC SC, Federação Espírita Catarinense, o pedagogo Eduardo Torto Meneghelli, mestre em educação, conta que, na Antiguidade, acreditava-se que os indivíduos que nasciam com alguma necessidade não agradavam aos deuses e não tinham alma. A deficiência era vista como castigo, e muitos acabavam abandonados, ou mortos, pelas próprias famílias.

Tal violência não acabou com o passar do tempo. No Brasil, em meio à pandemia, registrou-se crescimento de ataques contra pessoas com deficiência, sendo a maior parte vítima de familiares e conhecidos. Segundo Cleyton Borges, supervisor do Centro de Apoio Técnico da Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência em São Paulo, o isolamento fez com que tais pessoas ficassem mais expostas. Ele reforça a necessidade de conscientização da população quanto às denúncias, que podem ser feitas, de qualquer parte do país, pelo Disque 100.

Discutir o capacitismo não é somente um dever das pessoas especiais. A conscientização é popular. Para cortar as raízes estruturais do preconceito, é necessário que todos estejam dispostos a se pôr em posição de escuta e aprendizado. Além disso, é vital cobrar do Estado a garantia dos direitos humanos, para que, então, seja construída uma sociedade em que todas as pessoas consigam viver dignamente. “Um caminho para aprender mais sobre as diferenças seria assumir uma postura de abertura, em que o olhar superasse os limites do conhecido e alcançasse a potência de novos aprendizados, que só o outro pode oferecer”, destaca Fatine Oliveira. 

Manifestação pelo direito das pessoas com deficiência em 2013, na cidade de São Paulo (foto: Danilo Verpa/Folha S.Paulo)

 

 

 

 

 

 

 

Conscientização nas redes

Desde o início da pandemia, nota-se crescimento de conteúdos produzidos nas redes sociais, em apps como TikTok e Instagram. Em consequência do isolamento social, o número de visualizações e engajamento tem tido aumento relevante, se comparado aos anos anteriores. Mais do que apenas conteúdos, alguns influenciadores têm conseguido abordar assuntos delicados e importantes por meio do humor.

É o caso da influenciadora digital e psicóloga Lorrane Silva, mais conhecida como “Pequena Lô”, diagnosticada com displasia óssea. Ela tem quase 10 milhões de seguidores em suas redes sociais, e, em vídeos humorísticos, aponta os problemas sociais enfrentados por pessoas com deficiência. Além de se divertirem, as pessoas acabam conscientizadas com o conteúdo. 

“O preconceito ainda está longe de acabar. Muitas pessoas têm um pensamento muito fechado. Estou na internet para mudar essa visão em relação a nós, pessoas com deficiência. Quando comecei, impactou muito. Uma pessoa com deficiência, que dança, faz humor, formada em psicologia, não é todo dia que a gente vê. As pessoas com deficiência não ficam reunidas em um só lugar, mas, hoje, conheço muitas que estão na internet, pondo a cara à tapa para apresentar essas informações”. 

Origem do “capacitismo”

A palavra capacitismo é a tradução do inglês “ableism”, que, em português, significa “capaz”. Segundo a BBC, o termo foi usado, pela primeira vez, nos Estados Unidos, na década de 1980, e era mais conhecido dentro de organizações políticas pelo direito à igualdade. No Brasil, apesar de também existirem movimentos ativistas de pessoas com deficiência pela reivindicação de seus direitos, desde os anos 1980, o termo se popularizou em 2016, quando um grupo de jovens com deficiência se reuniu nas redes sociais e criou a hashtag #ÉCapacitismoQuando, com o objetivo de ampliar a discussão sobre a discriminação contra pessoas com deficiência. É importante que exista a denominação do preconceito, para que ele seja exposto e confrontado. 

Nas telas

Confira dicas de filmes e seriados que retratam a vivência de pessoas com deficiência e os efeitos de uma sociedade capacitista 

The Good Doctor (O bom doutor)

A série tem como protagonista Shaun Murphy, jovem autista formado em medicina, que sonha em ser cirurgião e tem suas habilidades questionadas e postas à prova o tempo todo, por colegas e superiores, após começar a trabalhar em um hospital famoso.

Extraordinário
O filme narra a história de Auggie Pullman, garoto de 10 anos, que nasceu com uma deformidade genética no rosto e precisou passar por 27 cirurgias plásticas. Com o apoio da família, Auggie começa a frequentar a escola pela primeira vez. 

Hoje eu quero voltar sozinho

Um romance brasileiro. Conta a vida de Leonardo, jovem estudante do ensino médio com deficiência visual. Aborda os desafios para a inclusão e os questionamentos sobre a própria sexualidade, após o protagonista conhecer Gabriel, novo aluno da escola. 

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Por Bianca Morais 

Hoje é comemorado o Dia Internacional da Síndrome de Down. A data foi criada pela Down Sydrome Internacional em 2006, e escolhida pelo fato de 21/03 representar a singularidade da triplicação (trissomia) do cromossomo 21, que causa está ocorrência genética.  

As pessoas portadoras da síndrome possuem necessidades especiais, mas nada que impeça ela de fazer qualquer coisa, incluindo o acesso à educação. Hoje, o Contramão traz uma entrevista com um bom exemplo de que é possível sim, fazer uma faculdade com down. Letícia Gaspar é estudante do curso de Jornalismo do Centro Universitário Una, ela cursa o 3° período.  

Letícia é exemplo de inclusão e diversidade. Confira. 

Por que você escolheu o curso de Jornalismo?

Escolhi jornalismo porque tenho habilidades em desenvolver textos e outras capacitações em exercícios de fala. Possuo muita oralidade em falar com as pessoas e costumo falar pausadamente. Procuro prestar atenção a todos os acontecimentos que ocorrem ao meu redor. Agradeço a Deus por ter me dado a oportunidade de cursar jornalismo na faculdade Una. 

Como tem sido a sua trajetória na faculdade?

Essa trajetória tem sido com bons resultados e trabalhos bem elaborados de acordo com os professores e colegas de classe, dentro do esperado que eu pretendia exercer enquanto aluna e pessoa. Sou uma estudante que tenho muita vontade de estudar e aprender mais. 

Em qual área você tem vontade de atuar?

Eu pretendo atuar em televisão, na Rede Globo. Nas diversas áreas que envolvam o serviço de jornalista de jornal local, regional ou nacional. 

O que você se sentiu ao pisar a primeira vez na faculdade?

Me senti muito agraciada por viver esse momento de extrema alegria, amor e esperança. Pensava que realmente esse dia custaria muito a chegar, mas chegou rápido e foi muito bom. 

Como tem sido a sua adaptação na faculdade?

A minha adaptação está sendo bem gradual, estou dividindo parte dessa tensão com meus pais, com os colegas, e com todos os professores do curso. E tem sido muito eficiente. 

Você tem tido apoio dos professores e colegas do curso?

Sim, apoio incondicional em diversas situações com as quais exerço dentro e fora da faculdade. 

  O que você mais gosta em estar em uma faculdade? 

O que eu mais gosto na faculdade é a hora do intervalo, pois é um momento mais descontraído com os meus colegas de turma, gosto da universidade e contato com todos. 

Qual a diferença que você enxerga do ensino que você recebia na escola para o da faculdade?

A diferença é que na escola nós temos uma maior rigidez de horário, enquanto na faculdade podemos ter uma liberdade maior escolhendo as nossas matérias, fazendo os nossos horários, e estudando nas horas vagas. 

Em algum momento você sentiu algum medo ou receio ao começar essa nova jornada na sua vida?

Sim, um dia antes de entrar para o primeiro dia, me senti insegura para fazer novas amizades e conseguir aprender todos os conteúdos que antes eu captava pelo online. Pedi conselhos para a minha família que me ajudou a fazer esse meio de campo. Assim, fui tendo mais confiança em entrar para a aula, e com a ajuda da minha mãe, que assistiu comigo a primeira aula da professora Daniela, o meu processo de aprendizagem em sala de aula e meu relacionamento com os colegas foi muito melhor. 

Como seus pais te apoiaram nessa nova fase?

Eles estavam conscientes de que eu deveria exercer uma profissão e me apoiaram bastante desde o online até o presencial, e sabiam que era isso que eu queria. 

Você sente alguma barreira sendo uma pessoa deficiente na faculdade?

Nenhuma, sou a única portadora da Síndrome de Down na UNA, e isso não me impede de estudar em uma faculdade de extrema importância na área de educação. Me sinto capaz de entender os diversos e variados assuntos que fazem parte do meu conhecimento em áreas de extremo desafio, fazendo minha formação com seriedade e inovação. 

Você acha que a faculdade poderia fazer algum tipo de adaptação para facilitar o acesso das pessoas PCD?

A faculdade já tem um setor, o NAPI, que ajuda as pessoas com deficiência, e pode estar sempre escutando todos os alunos da faculdade para trazer novas melhorias através de novas ideias. 

Qual conselho que você daria as pessoas com Síndrome de Down para que vençam o medo e entrem na faculdade?

O conselho que eu daria é para que as pessoas tenham persistência, otimismo, esperança e muita força de vontade, porque todos podem e tem direito de estudar aquilo que desejam, todos nós somos capazes de enfrentar qualquer tipo de desafio e isso é muito bom para ampliar os nossos horizontes.