Literatura

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Por Larissa Ohana – Parceira Contramão HUB

Duas, quase às três

As horas parecem correr

Coração continua a bater no ritmo do pensamento

Sentimentos que em mim moram

Libertam-se com facilidade

Pois já está tarde

Tarde talvez para dormir

Mas será tarde para acordar?

Quero abrir os olhos, mas já os sinto mais do que atentos

Então percebo

Devaneios

Sonhar sem precisar despertar

Acordada estou

Devia estar no mundo do inconsciente

Porém consciente estou de consciências da realidade

— pausa para respirar fundo —

Chega

Já pensei no mundo

Já pensei em mim

Já pensei nele, de novo

Ponto final para isto

Espaço

Preciso

Me pede

Dou

Tudo parece insuficiente

Tantos deles

Tantas pessoas envolvidas

E no fim

Me resta apenas eu à mim

Eu me tenho

Eu me amo

Satisfação

Tranquilidade

Olhos fechados

breu.

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Por Giovanna Silveira – Metrica Livre – Parceira Contramão HUB

Olhou por cima do ombro várias vezes, movimento involuntário dos que esperam demais. Não imaginava também chegar tão cedo, se de prévia julgava o motivo de estar ali, mas ficou.

Ninguém a um raio ilusório de vinte metros de distância, somente ele e a presença estática dos arbustos enfileirados, que de certa forma o faziam companhia. Bateu os pés, estralou os dedos, olhou o relógio e o celular, num movimento de marcha atlética contínua, e fazia um movimento com os lábios como se fosse assobiar, mas se havia algum som, saía em decibéis de ar reprimido.

Ouviu ruído abafado de passos rompendo as folhas ressecadas no chão, ergueu a postura e olhou em 6 direções diferentes… logo voltou a posição que mais lhe familiarizava, o aguardo.
E assim foram dez, vinte, trinta, quarenta e sete minutos de pequenos exercícios de paciência; e quando se cansou de todos os possíveis espectros de tempo que o cercavam, olhou o relógio. Fez como quem toma um longo ar para si, espiou uma última vez por sob os ombros, e enxergou que nunca houve um motivo para estar e esperar ali.

Pôs-se nos pés largos, de uma forma simples sorriu para ninguém e se foi. E em um perímetro imperceptível de alguns longos metros de distância, eu o observei, enquanto também esperava. Naquele dia por alguns instantes, o estranho do tempo e eu, divimos o espaço, o tempo e a espera.

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Por Marina Ravelli – Poligrafias – Parceiros Contramão HUB

Graças a Deus ou qualquer entidade religiosa que você respeite, a gente se encontrou. Nosso encontro foi por acaso, regado a muita conversa boa e uma música de fundo. A gente se acendeu de primeira, se encarando a distância e quando você se aproximou soube me abordar da forma correta para me fazer rir. A gente conversou, trocamos duas ou mais confidências e quando o silêncio se fez presente, nós nos beijamos. Não que eu seja uma romântica incurável que se atenta aos detalhes, mas foi nos detalhes que você me pegou no laço; as tatuagens no antebraço, o sorriso despretensioso e o modo como me puxou para perto, enlaçando os dedos nos meus. Eu estava mesmo convencida de que você era um bom galanteador, mas você era mais do que tudo isso. Bastou alguns dias e muita conversa para eu perceber.

As preferências gastronômicas, o interesse por assuntos místicos e lúdicos, assim como o gosto musical que sempre se pareceu com o meu me fizeram pensar que eu tinha encontrado o cara certo. Você ainda gostava de beber, de viajar, de longas conversas dentro do carro e não se incomodava com o fato da minha mente viajar volta e meia e zerar a cada conversa. A gente aprendeu a perceber os detalhes um do outro, e como vivíamos e funcionávamos nessa sociedade agressiva que estamos inseridos. Não houve um momento sequer que eu fiquei insegura de mergulhar nos teus olhos verdes, assim como você não hesitou em se jogar na arena que é conviver comigo. Repito e insisto em dizer que a gente se ascendeu de uma forma muito nossa, e muito linda. Tudo casou; o beijo, o clima, o sexo, os interesses. Faltava só a gente casar – e você insiste em dizer que não adianta eu fugir do óbvio, que a gente ainda casa. Eu prefiro fazer a despretensiosa, e não rendo caso. Faz parte do meu charme, você sabe.

Ainda há tanto a dizer sobre nosso encontro e nossos dias, e pela forma como nos reconhecemos de primeira. Quem diria que eu aprenderia a abrir espaço na minha vida para recepcionar alguém tão diferente e parecido comigo, da mesma forma como você também se assumiu surpreso como quis tanto se dedicar a alguém e aprender com ela. A relação segue ainda muito recente, nós ainda estamos aprendendo e evoluindo a cada situação e momento juntos. Você diz que apesar da carapaça de fechada e durona, eu sou uma gata que aprecia carinho. E você, apesar da pose de galante e pegador, não passa de um menino que quer um colo para chamar de seu. Deliberadamente a gente se encontrou e se acendeu. Que sorte a nossa, eu devo ressaltar.. que sorte a minha por enfim te encontrar.

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Por Giovanna Silveira – Metrica Livre – Parceira Contramão HUB

Quando conheci Antônio ele passou por mim correndo. Olhou de meia lua, mas não procurou se familiarizar. Eu não o conhecia, mal sabia seu nome; mas era uma daquelas pessoas que bastam uma vez de olhar, e você vai se lembrar toda vez que a vir.

Engraçado como as pessoas tem um “ar” próprio… carregados de CO2 como vidas carbônicas severinas que são, cada qual levam consigo um fôlego único, no jeito de andar ou em como erguem as sobrancelhas ao falar. Antônio tinha o seu, mas gostava do ar alheio.

Gostava de um jeito de se pôr a observar. Bem calado e bem atento… ver os lábios do falante se moverem, os braços dançando ao redor do corpo, os olhos inquietos completando os discursos; era disso que gostava.

Ah, e Antônio tinha um sorriso fácil, quase de graça por assim dizer. Me pergunto se alguma vez já esteve triste ao ponto de mascarar o canto da boca, mas desde que me lembro, seu rosto sempre teve um traçado côncavo a disposição. Não tem sido fácil lembrar de tudo, e do todo… especialmente quando se quer seguir uma direção contrária da história, aquela que nunca terminou, mas parou a 3/4 da metade.

Me ponho a crer na imprevisibilidade das pessoas, na constância e na brevidade delas. Assim, fica mais conveniente salvar ao toque da memória, aqueles que não foram somente terminações soltar de um córtex cerebral, mas foram aquelas sinapses para nos despertar do acaso.

Seu nome não é realmente Antônio, tampouco é semelhante. Não é referência interna de uma brincadeira juvenil ou alusão bibliográfica. Antônio é como aquele que me refiro, ausente de sentido mas presente de sua essência volátil.

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Por Débora Gomes – . as cores dela . – Parceira Contramão HUB

não se entristeça assim… há tempo pra tudo!
pros laços desfeitos, pros amores perdidos, pras novas cores…
o que passou, em breve ocupará seu lugar devido entre as lembranças.

e, por isso, cuide do teu coração… 
pra que ele faça sempre as tuas melhores escolhas e guie os passos do teu melhor caminho.
essas lágrimas que caem hoje, são como orvalho nos campos de macieiras pelas manhãs: logo vem o sol e tonifica tudo. 

então, se já não cabe mais em teu peito sustentar tanto amor vão, vá enquanto o tempo ainda não corroeu tua forma de esperançar.
colhe flores, planta roseiras ou girassóis, compra alfazema pra perfumar a casa, anseia pelo tempo das boas avenças e jamais, em momento algum, caia na tentação de desistir.
não viemos até aqui pra partir em desamor…
por isso, apruma esse peito, levanta esses olhos e escreve, se preciso for, uma história nova!

tem giz de cera na primeira gaveta…
desenha com eles os sonhos mais puros do teu coração e vai… ser feliz outra vez…
 

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Por Bianca Rolff – Gauche – Parceira Contramão HUB

Ele chegou em casa, depois de um dia extremamente cansativo. Passou pelos longos cômodos até chegar ao quarto, cansado e repleto de um orgulho que há muito não sentia.

Trabalhar com música o fazia se sentir vivo. Poucas coisas no mundo eram capazes de mexer com os sentimentos das pessoas como letra & melodia, e ele, agora já crescido e adulto, percebia que havia nascido para aquilo.

O dia tinha sido bom. Gravara duas músicas em estúdio, fechara dois trabalhos para os próximos meses e ainda tivera tempo de passar em um pequeno bar no caminho de casa e prosear com alguns velhos amigos. Agora, contudo, ele só queria deitar e fechar os olhos.

Tirara a camisa, largando-a pelo chão do quarto e se jogara sobre a cama ainda bagunçada. Sentiu o corpo relaxar, os músculos se descontraírem e o cansaço se abater sobre ele.

Estava quase adormecendo quando uma pequena onda de vibrações percorreu a sua coxa. Colocando a mão no bolso da calça, retirou o celular e viu que havia uma série de mensagens. Sem muita paciência, percorreu os olhos por elas, absorvendo vagamente o conteúdo. Havia muitas mensagens de admiradores do seu trabalho, pessoas querendo parcerias e mais algumas elogiando algum de seus vídeos veiculados na internet. Outras tantas eram de outro teor. Ele vinha aprendendo que a ascensão como um dos músicos mais promissores da atualidade trazia consigo um assédio muito grande, e muitas das vezes de jovens extremamente bonitas, dentro daquilo que ele considerava ser o seu “padrão”. Ele geralmente respondia, dava certa atenção, afinal, não havia justificativas para que não fosse gentil e educado. Suas redes sociais cada vez mais vinham se abarrotando de elogios, mensagens de duplo sentido, convites inesperados, às vezes fotos muito reveladoras. Ele lidava com aquilo da melhor forma possível, cuidando para que soubesse discernir entre sinceridade e mero interesse pelo que se poderia conseguir com a sua fama. Entretanto, a sua empolgação com esse tipo de mensagem era passageira.

Ele fechou os olhos. A única imagem que via era dela. Ela. E ele tinha ferrado com tudo.

Nunca se imaginou apaixonado, perdido em pensamentos e planos para o futuro, mas em menos de dois meses, era exatamente assim que ele estava. O peito pulando com a ansiedade a cada vez que pensava em encontrar com ela, em lhe fazer uma surpresa ao final do dia, em imaginar que ela estaria na plateia no próximo show. Ele se apaixonara à primeira vista de seu sorriso, e jamais se imaginou tão leve e completo. Ela era pura energia, contagiante em sua alegria, seus cabelos que reluziam ao menor sinal da lua e o coração mais repleto de amor que ele já tivera a chance de conhecer.

Mas ele estragou tudo. Com o tempo, ele se afastou. Mergulhou tão profundamente no trabalho que não mais a via. Se ela mandava mensagens, respondia de maneira seca, sem aquela profusão de palavras que tanto a encantaram. Ele se lembrava de quando a presenteara com uma música improvisada ao final da noite, depois de pegá-la na faculdade e a levar para o mirante mais bonito da cidade. Ele dedilhara no violão uma canção de pouco mais de um minuto, e quando olhou para ela, viu o choro mais lindo de toda a sua vida. Foi naquele momento que ela se abrira para ele, fazendo-o perceber que por mais radiante que ela fosse, ela não estava acostumada com o amor.

E ele, aos poucos, fugira. Hoje percebia tudo com clareza. Aquela luz pela qual ele se apaixonara perdidamente nela foi aos poucos se tornando opaca, tremeluzente. Com o seu próprio afastamento e consequente fechamento, conseguia traçar cada um dos sintomas refletidos nela. As palavras de amor ditas pela sua doce voz se tornaram pequenas e receosas, quase como se ela lhe pedisse desculpas cada vez que as pronunciava. Os encontros duravam cada vez menos e ela, que nunca reclamava de nada, apenas saía, e ele agora entendia que o avermelhar de suas faces não eram blush. Os shows em que ela fazia questão de prestigiar, sentada sempre aos fundos do ambiente, deixando que as fãs nem soubessem de sua existência, aos poucos foram se tornando esporádicos… até que ela não mais estava lá. Ela não estava mais lá, pois não suportara amar sozinha.

Ele lhe ofertara o mundo e a deixara viver nele sem a sua companhia. A verdade é que ele fugira para as suas próprias músicas sem perceber a tempo que a melodia mais importante não vinha de seus dedos, mas do pulsar do peito.

Abriu os olhos, sentindo o rosto quente e molhado. O mesmo avermelhar da face que ele agora sabia que ela provavelmente sentia todas as noites em que ele se fizera partir. Partir… Esse verbo que obrigatoriamente possuía dois gumes. Ele, fugindo daquilo que mais ansiava, partira, e ela se partiu em pedaços.

O telefone vibrou novamente e ele abriu a caixa de mensagens só para ver mais elogios, tentações e possibilidades. Apertou o botão de desligar, colocou o aparelho em cima da cômoda e pegou o violão.

Fonte: Pinterest

Na noite em que a levara ao mirante, ele tinha dito a ela que guardasse aqueles minutinhos de improviso na memória, porque ele não se lembraria da música após algumas cervejas e cigarros. Tinha dito aquilo apenas para descontraí-la, deixá-la mais à vontade e vê-la sorrir aquele sorriso que revirava tudo do avesso. Quando chegara em casa naquela noite, contudo, terminara de compor a canção, mas nunca lhe dissera nada. Talvez a sua autossabotagem já despontasse ali.

Dedilhou-a toda no violão, sem se importar com a hora e o possível incômodo dos vizinhos. Uma das músicas que gravara em estúdio mais cedo era justamente essa. Em alguns dias a estrearia ao vivo, de forma inédita antes de divulgá-la na internet. Dissera aos seus produtores que era para causar mais impacto, mas no fundo de seu tão apertado peito sabia que fazia aquilo na esperança de olhar para um único par de olhos no fundo do salão e ter a chance de recomeçar.