Dinheiro versus O que quero?

Dinheiro versus O que quero?

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Por Auspicioso Acapela – Coletivo Parceiro Contramão HUB

Tenho o poder de transformar as coisas que gosto em algo penoso. Pode não fazer sentido, mas toda vez que o dinheiro entra no que me dá prazer acabo perdendo o interesse.

Aos 18 anos comecei um curso técnico em química, era exatamente o que eu queria, estar em um laboratório experimentando, descobrindo, testando. Durante o percurso tinha mil sonhos e incontáveis desejos a serem realizados que não cabiam no meu bolso. Procurei estágio, procurei arduamente para ter condições de realizar algo que realmente queria. A farmácia foi a primeira decepção. Depois de meses me peguei em uma  rotina cronometrada, com 4 horas de trabalho, salário baixo e o laboratório ficava do outro lado da cidade. Escutava o mesmo som, sentia o mesmo cheiro, tinha as mesmas conversas, traçava o mesmo caminho. A única coisa que sinto falta é do riso e das pessoas que, apesar de serem as mesmas, ainda aqueciam meu coração de formas diferentes. No final só sobrou o tédio e os sonhos foram engavetados.

Talvez um lugar maior seria mais adequado, um laboratório maior, uma empresa com mais funcionários, com melhor infraestrutura seria a resposta, afinal poderia testar minhas ideias, adquirir outros conhecimentos. O que não sabia na época era que o mundo era mecanizado.

Quando comecei meu estágio de 6 horas em uma multinacional as inúmeras oportunidades me cegaram complemente. Vidrarias aos montes, equipamentos que jamais testaria em meu curso, ótimos profissionais como colegas de trabalho, um bom salário é claro. É o sonho de qualquer jovem adulto que está iniciando no mercado de trabalho, começar fazendo o que gosta e recebendo pra isso. A estagiária se tornou funcionária e das 6 horas passei a morar na empresa. Café da manhã, almoço, armário com roupas, tinha até escovas de dentes, chegou um ponto de ter toalha e sabonete. Levantar às 5 da manhã já não era animador, as viagens de ônibus com poltronas confortáveis tornaram minha segunda cama. Assim começou a rotina, os horários, as atividades repetitivas. Mudei de laboratórios algumas vezes, o que era reconfortante por um tempo, mas ainda era o mesmo lugar, com o mesmo “bom dia”, com a mesma energia, mesmas reclamações. Depois de 365 dias no “mesmo”, o questionamento sobre o dinheiro surge. Sinto saudades das pessoas, dos chefes, da comida, até do som insuportável da Itatiaia no ônibus nas viagens de volta que o motorista insistia em ouvir. A questão é que fiquei por dinheiro e não por prazer, e talvez seja exatamente isso que me consumiu no final.

Jogar tudo para o alto não foi fácil e nem todos do meu convívio me apoiaram. Gostando ou não, deixei a Química de lado e fui me aventurar no Jornalismo. Desenvolvi projetos que mexeram comigo, histórias de vidas me tocaram e comecei a investir nos meus textos. Descobri uma paixão enorme por escrever. Fazer do urbano, do cotidiano das pessoas, meu material de estudo é fantástico. Valorizar as singularidades das coisas me fascina. Descrever lugares, momentos, sentimentos e até pessoas é o que sinto prazer.

Tudo começa a desmoronar quando gosto de realizar determinada atividade. As oportunidades surgem e sem pensar duas vezes agarro com unhas e dentes. Devo confessar que é recompensador quando alguém acredita em seu potencial e investe dinheiro nisso, o sentimento de gratidão é o que me define nessa hora.

Deveria ser ótimo, afinal alguém já sussurrava no ensino médio que o ideal é unir o que você gosta e o que te dá lucro. O problema é que se tem dinheiro a minha liberdade é limitada em temas, caracteres, gosto, plataformas, tempo, lugares, pessoas e por dinheiro. Assim como na época do técnico, quero o novo, quero a liberdade da descoberta e é isso o que me faz gostar de algo, a sensação individual de colocar um pouco de mim ali.

Seria muita ingenuidade acreditar que dá para levar a vida da criatividade e dos desejos em um sistema capitalista. Com isso o meu prazer em escrever já está arrumando as malas para comprar cigarro e os sonhos gritam de medo da gaveta. Não dá pra fechar os olhos e fingir que o mundo das maravilhas está aqui e agora. A vida tem algumas formas dolorosas de te ensinar que nem sempre vamos fazer o que queremos ou gostamos. A máquina das dívidas comem sonhos e as pressões em ser alguém na vida os desejos. As contas não se pagam com gostos, mas com liberdade.

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