Luiz Felipe César, 13 de junho de 2023

Uma quadra conformada pela Rio Grande do Sul, Tupis, Olegário Maciel e Goitacazes. Um clássico quarteirão do hipercentro da capital mineira, com, em  média, cento e dez metros de testada, extrudado em quatro pavimentos. Um grande volume prismático revestido, em suas quatro fachadas, por cobogós tom  de terra. Assim se conforma o Mercado Novo, uma edificação cuja história reverbera diferentes capítulos da vivência belorizontina. Vamos tentar periodizar  essa história em quatro momentos. 

Origem e inauguração

Primeiro, o eco. Sabe-se que o chamado Mercado Novo, que foi inaugurado em 1963, tem esse nome justamente por ter sido projetado para complementar funcionalmente o Mercado Central, implantado em 1929 — e que, assim, poderia  ser considerado o mercado mais antigo (MERCADO CENTRAL, 2023).

Na década de 1960, este, que era chamado de Mercado Municipal, existia a céu aberto, donde veio a necessidade de se pensar um novo espaço comercial para o município, com ares de “modernidade”, como é de praxe ser pensado pela sociedade mineira.  

Coloco entre aspas a palavra modernidade, porque, pelas Minas Gerais, ela costuma se confundir entre o tecnicismo de se referir à arquitetura de cunho modernista produzida pela famosa geração de arquitetos brasileiros da primeira  metade do século XX, como Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, e o uso popular que  diz respeito aos objetos, produtos e edificações que melhor atendem às tendências e tecnologias mais contemporâneas.  

Arquitetura e construção

Diante deste contexto é que os arquitetos Fernando Graça e Sandoval Azevedo Filho foram contratados para desenvolverem o projeto do que seria “o maior e mais interessante mercado da América Latina” (GALLEGOS, 2023), em um terreno onde  antes se localizava um abrigo de bondes (PBH ATIVOS, 2018). Belo Horizonte, hora ou outra, tende a estes arroubos de monumentalidade. O que tem muito a ver,  também, com uma constante busca dessa sua modernidade, sempre um pouco  perdida em tempos passados. 

Foi assim, por exemplo, com a primeira tentativa de se construir a Catedral Cristo Rei (a mesma ideia que se edifica hoje) nos anos 1940, na atual região da Praça Milton Campos, que seria, conforme notícias da época, “maior que a Catedral de  São Pedro no Vaticano”. É assim, mais recentemente, com o projeto do Centro Administrativo do Estado, com “o maior vão livre do mundo”.

O Mercado Novo surge, então, como um eco de possíveis monumentalidades imaginárias que se referenciam no passado que não se alcançou e em um possível futuro do porvir, como se sua edificação pudesse superar, em aporte físico e funcional, os espaços comerciais outrora criados na primeira metade do século na capital mineira. 

Em seguida, a aura. Pois esta síndrome para o monumental demonstrou suas fraquezas ao longo das décadas seguintes, e o Mercado Novo não se tornou tudo aquilo que lhe confiaram, especialmente por um processo de marginalização da edificação e esvaziamento significativo da região central, ocorrido nas últimas  décadas do século XX.  

É importante destacar, contudo, que ao longo das décadas de 1970 a 2000, o edifício não ficou abandonado, mas acabou gerando ao redor de si uma aura. Essa é outra questão muito comum da urbanística belorizontina. Existem alguns edifícios da cidade que, a depender da época e do público com o qual o relacionamos, ganham uma determinação sutil, que acaba por se espalhar no boca a boca. 

Ao redor e dentro do Mercado

Por comparação, o Edifício Mariana, também no hipercentro, possui uma aura de festa com trajes passeio completo e esporte fino, pois ali se concentrou, ao longo do tempo, uma série de comércios ligados a alugueis e compra de vestimentas e acessórios para casamentos, festas de quinze anos, entre outras destas celebrações com grande significado social.

Por sua vez, o Mercado Novo concebeu ao redor de si essa aura de serviços gráficos, por ter concentrado no seu primeiro pavimento, nessa fase de esvaziamento, uma série de gráficas, copiadoras, clicherias, papelarias, em seu primeiro pavimento. 

O térreo, em contato direto com a rua, continuou sobrevivendo nos moldes  tradicionais de um mercado como feira de alimentos, temperos e serviços de  culinária da tradicional gastronomia mineira — além de alguns outros comércios  de maior porte, como mercados e farmácias. E sobreviveu até a terceira fase, a qual denomino ressonância. 

Alcunha das Borboletas

Foi a partir de 2010 que o Mercado Novo ganhou mais uma alcunha: a de Mercado das Borboletas. Este nome surgiu do espaço de eventos que se criou em seu segundo pavimento, a partir da iniciativa do artista Tarcísio Ribeiro, dono da maior parte das lojas dos pavimentos vazios do local (ROCHA, 2013).

Este projeto, que acabou por gerar um espaço que abrigou diversas festas da cidade ao longo da  década passada, ressoava a transformação que a cena cultural de Belo Horizonte vinha passando com os eventos de rua, a exemplo da Praia da Estação — evento  de ocupação e reinvindicação política dos espaços públicos da cidade que ocorria  (e ainda hoje ocorre) na praça de mesmo nome —, que acabou auxiliando na retomada do carnaval belorizontino, ou mesmo os duelos de MC debaixo do  viaduto Santa Tereza, os quais se tornaram uma referência nacional. 

Neste período, conviveram ali, então, o mercado tradicional no térreo (ecos de um  passado republicano e positivista da capital), o comércio dominado por serviços  gráficos no primeiro pavimento (aura do período modernista, tecnocrata e de  abandono do centro) e o espaço de eventos (ressonância de uma retomada dos  espaços do hipercentro pelos eventos culturais, artísticos, populares e de luta). 

Vemos como o prédio vai se transformando a partir das relações que a cidade tem  com suas áreas centrais e seus edifícios. 

Em meados de 2018

Por fim, a explosão. Após a retomada do espaço com o Mercado das Borboletas,  no ano de 2018, houve revitalização do espaço e a Cervejaria Viela abriu ali dois empreendimentos: a Distribuidora Goitacazes e a Cozinha Tupis. Estes fazem  surgir um novo movimento: o Velho Mercado Novo, um grupo de lideranças que  passou a organizar o espaço diante do repentino interesse pelo local (FILOMENO,  2021). 

Diante deste frenesi geral, o Velho Mercado Novo tornou-se o que é atualmente:  uma referência em gastronomia, coquetelaria, arte, artesanato e cultura  belorizontina de vanguarda, contando com uma série de estabelecimentos que  apresentam da culinária tradicional (Fogão Vermelho) até a contemporânea  (Rotisseria Central); da drinkeria (Margô) ao vinho (Gira); da moda mineira 

(Ronaldo Fraga ou Led) ao vestuário urbano (Nephew), entre tantos outros  serviços e comércios, que citar alguns torna-se um sacrilégio, na difícil escolha de  selecioná-los, em detrimento de outros, para se falar deste grande complexo,  atualmente já ocupando até mesmo o quarto andar da edificação.  

Nos dias de hoje

A realidade é que o Mercado tornou-se um espaço de longas filas de espera para entrada, nos dias mais movimentados, mas que valem a pena diante da profusão de sabores, cheiros e texturas que se pode experimentar ali. Ao mesmo tempo, há quem diga sobre a necessidade de se atentar para a gentrificação do espaço, visto que o valor para se alimentar, ou mesmo comprar um pequeno souvenir no local,  tem se tornado cada vez mais salgado, o que foge à ideia tradicional a que remetem tais mercados.  

Parece que aqui a fórmula para a sobrevivência do espaço é entender as diversas camadas de tempo que se sobrepõem na história da edificação, atualmente muito bem fragmentada em seus quatro pavimentos — agora com o último representando esta nova fase explosiva em que se encontra o espaço.

Pode-se,  tranquilamente, comprar alguns temperos e queijos no térreo do Mercado Novo,  subir para o primeiro pavimento para apreciar o trabalho dos produtos gráficos,  com suas máquinas que remetem a outros tempos com menos telas e documentos virtuais, e depois seguir para o terceiro pavimento em busca de um bom almoço  que misture a tradição mineira com influências e sabores internacionais.  

Assim, possivelmente, será plausível pensar um Mercado — e uma cidade — que  possam, de fato, entender-se como plurais, democráticos, diversos, a partir deste  edifício que consegue abrigar diferentes camadas sociais, usos e uma série de  encontros, sempre entremeadas pela luz e a paisagem filtradas pela pele de tijolos  vazados.

Referências 

FILOMENO, Daniela. Mercado Novo, o mercadão de BH, leva agito  gastronômico para o centro da cidade. CNN Brasil, 19 nov. 2021. Disponível em:  https://www.cnnbrasil.com.br/viagemegastronomia/cnn-viagem gastronomia/conheca-o-mercado-novo-em-belo-horizonte/. Acesso em: 13 jun.  2023. 

GALLEGOS, Isabella. Rearquitetura Mercado Novo. Disponível em:  <http://portfolio.bimbon.com.br/arquitetura/rearquitetura_mercado_novo#:~:text =O%20Mercado%20Novo%20foi%20constru%C3%ADdo,Gra%C3%A7a%20e%20 Sandoval%20Azevedo%20Filho.>. Acesso em: 12 jun. 2023. 

MERCADO CENTRAL. O mercado. Disponível em:  

http://mercadocentral.com.br/sobre/. Acesso em: 12 jun. 2023. 

PBH ATIVOS. PMI de Mercados Municipais. Anexo VIII – Mercado Novo. 2018.  Disponível em: https://www.pbhativos.com.br/arquivos/03-CONCESSOES-E PPPS/03.7%20- 

%20PMI%20E%20MIP/PMI%20MERCADOS%20MUNICIPAIS/ANEXO%20VIII_Merc ado%20Novo.pdf. Acesso em: 12 jun. 2023. 

ROCHA, Gustavo. Mercado das Borboletas celebra três anos de atividades  culturais. O Tempo, 20 dez. 2013. Disponível em: 

<https://www.otempo.com.br/entretenimento/magazine/mercado-das borboletas-celebra-tres-anos-de-atividades-culturais-1.763453>. Acesso em: 13  jun. 2023.

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