Entrevista: Rudá Ricci – Mudança social Nas Ruas

Entrevista: Rudá Ricci – Mudança social Nas Ruas

O sociólogo e cientista político Rudá Ricci lançou recentemente o livro “Nas Ruas”, produto do trabalho de monitoramento e análise do fenômeno social brasileiro batizado como Jornadas de Junho. Para ele, os manifestantes de junho, os participantes dos rolêzinhos e os beneficiários do Bolsa Família  têm algo em comum: formam o que é chamado de “novos brasileiros”.

CONTRAMÃO: Qual foi o impacto das manifestações de junho do ano passado no cenário político atual? É possível identificar alguma transformação?

RUDÁ RICCI: Nós mudamos o país a partir de junho de 2013. Em primeiro lugar, a juventude de uma maneira geral sabe hoje qual é o seu poder. Agora não é mais estatística saber que só 5% da população confia em partidos, ficou escancarado que os governos são muito ruins e que nós estamos lidando com a pior geração de gestores públicos da história da República. Parece que grande parte do Brasil já estabilizado não sabia que ia surgir um novo brasileiro e esse novo brasileiro é o que ganha a Bolsa Família, é o dos rolêzinhos, os filhos daqueles emergentes que tanta gente fala e são os brasileiros que estavam nas manifestações de junho.

CONTRAMÃO: Em certo momento das manifestações de junho de 2013, o Black Bloc passou a protagonizar os atos, levando a cabo suas táticas de ação direta. A repressão policial foi outro ponto de destaque, assim como a postura da mídia, que teve uma guinada: antes condenando, posteriormente tentando pautar os manifestantes. Acredita que em 2014 estas características devem voltar a aparecer?

RR: Essa é uma nova realidade. Nós temos de um lado policias armadas e sendo capacitadas pelos governos – que por serem muito ruins em liderança política e não saber dialogar, vão usar a força para inibir qualquer manifestação ou movimento social que não seja governista. De outro lado teremos uma imprensa militante, a opinião passa a ter mais importância que a reportagem, que a notícia em si. Quando a imprensa brasileira se torna ideologicamente militante, o jornalista que vai para a rua tem que saber que ele vai ser confundido com a militância.

CONTRAMÃO: O senhor lançou recentemente o livro “Nas Ruas”, uma análise sociológica que escapa de cair na tentativa de enquadrar a movimentação social que foi às ruas, mas sim tenta compreender o momento em que esta “indignição” ocorreu. Qual é a conclusão que se pode chegar com o que é apresentado nesse livro?

RR: O Brasil nasceu para as formas de organização e mobilização social em junho de 2013. O que tem de característica nova, diferente do século XX? Primeiro, são jovens de 20 a 30 anos, todos conectados às redes sociais – o Facebook é o grande instrumento de comunicação -, há, do ponto de vista social e político, uma crítica muito ácida a qualquer tipo de hierarquia política ou de organização que conduza a massa, ou seja, um respeito muito grande a individualidade, isso faz que essas mobilizações sejam convocadas por pessoas que conhecem quem está convocando.

CONTRAMÃO: Manifestantes presos e proibidos, por sentença judicial, de “participar, pessoalmente ou através de redes sociais, de manifestações populares”. Publicação do Manual de Defesa da Lei e da Ordem, que classifica os manifestantes como “forças oponentes”. Só em BH, 176 pessoas respondem por processos em decorrência dos atos de junho e podem ter prisão preventiva decretada. Estamos em guerra não-declarada?

RR: O que me deixa mais surpreso é que a Presidente da República foi guerrilheira e ela pegou em armas quando veio uma lei desse tipo – o AI-5. Será que ela não aprendeu com a própria história? Que quando ela tinha a idade dos manifestantes de hoje, uma lei fascista – como é o que está se discutindo – ao invés de coibir incentivou de uma vez por todas muitos jovens a arriscar suas vidas? Será que ela não aprende que não é assim que se lida com jovens? Uma ação exemplar, democrática que eu esperava de um governo de esquerda – ou que um dia foi de esquerda – seria ouvir os meninos. Ora, quem está chamando o slogan “Não vai ter Copa!”? São os comitês populares da Copa, são 12 capitais e 12 comitês. Eles têm site, tem fan-page, todo mundo sabe quem eles são, basta ligar e convocar uma reunião, entender o que querem e negociar. Mas não, desde já querem prender. Quem conhece o mundo político sabe que não tem nada a ver com manifestação ou manifestante, o que o governo está muito preocupado é que as manifestações de junho – que vão ocorrer! – tenham o mesmo impacto negativo no processo eleitoral que teve no ano passado em relação as pesquisas de intenção de voto.

CONTRAMÃO: Em ano eleitoral, Dilma Rousseff parece estar entre a cruz e a espada: de um lado,  as reivindicações populares em quase todo país e, do outro lado, os dirigentes da Fifa, cobrando mais e mais severidade no “combate às iniciativas contrárias à copa”. Qual é a situação de Dilma Rouseff nessa encruzihada?

RR: O governo não está mais em uma encruzilhada, ele estava em junho, quando foi pego de calças curtas e, de uma certa maneira, a presidente Dilma teve uma postura correta de tentar negociar e abrir um debate público, quando ela chamou o plebiscito pela reforma política. O problema é que a base política dela, inclusive o PT, foi contra. Mas esse era o momento em que ela estava tentando trazer as ruas para o campo institucional, que é o campo dela.O rumo é o mesmo que os governos da Europa escolheram para combater seus manifestantes. O grande problema de Dilma agora não são os manifestantes, é o PMDB. Cada vez que ela faz acordos com este bloco, mais longe ela está da rua.

Por: Alex Bessas e Heberth Zschaber
Foto: João Alves

NO COMMENTS

Leave a Reply