Entrevista: Sebastião Nery

Entrevista: Sebastião Nery

Jornalista e político Sebastião Nery, laçou a 2ª edição do livro: ‘A Nuvem, o Que Ficou do Que Passou’ – 50 anos de história vivenciados pelo autor. Em entrevista para o  Contramão o Jornalista conta como foi o processo de criação do livro,  fala sobre as novas tecnologias e a censura nos tempos da Ditadura.


Jornal Contramão – Como foi o processo de construção do livro “A NUVEM”?

Sebastião Nery – Foi um processo que se complicou, exatamente pela história do livro. A documentação que eu tinha, ficou muita parte pra trás, em 1954 fui candidato a vereador aqui em Belo Horizonte e fui preso, entraram na minha casa e levaram meus documentos. Vou para Bahia, e vem o golpe de 61, a renúncia do Jânio, fui preso de novo, entraram na minha casa, carregaram todos os meus papéis. Chega o golpe de 64, aí devastou: pararam um caminhão e carregaram todo o meu apartamento, até o papel higiênico, sabonete phebo, tudo. Tinha um Guingnard, com uma dedicatória para mim, tinha um Vicente de Abreu, presentes de meus amigos, pinturas, carregaram tudo. Quando eu fui escrever o livro é que eu percebi que havia perdido uma documentação grande. Foi quando eu u tentei recuperar.

Passei algumas tardes aqui na biblioteca na Praça da Liberdade, pegando a documentação do tempo que eu morei aqui em Minas. Mas o problema é que eu morei na Bahia, e que morei em São Paulo, morei no Rio, e também que morei em Portugal, na Espanha, em Paris, na Itália, em Moscou (…) E como a vida era muito ampla e a documentação que eu tinha era pequena, fui e recuperando aos poucos, e quando consegui e trabalhei nisso em seis meses. Sentei e escrevi o livro assim em seis meses. Consegui uma boa documentação. Outra coisa é o tempo. Muitos amigos mortos, muitas testemunhas mortas e então eu procurava pessoas que não encontrava mais. Mas o livro pegou. E eu acho que eu consegui documentar e contar a história de 1950 até 2000 numa grande documentação histórica e fatos concretos.

Jornal Contramão – Como você avalia o jornalismo de hoje com o jornalismo de antes, quando começou a exercer a profissão?

Sebastião Nery – O jornalismo muda como o país mudou. Antes nós tínhamos um país que era antes de Juscelino um país rural e comercial. E então a imprensa era uma imprensa partidária, cada partido tinha seu jornal. Depois você tem uma imprensa empresa: os jornais pertencem a grupos econômicos que em geral quase todos pertencem aos selos bancos. A imprensa não é mais aquela imprensa: nem a imprensa partidária de antes nem também uma imprensa ideológica. Hoje é uma imprensa financeira. É uma imprensa que defende os projetos econômicos dos grupos que a sustentam. Então você não pode ter mais Carlos Lacerda. Por que você não tem Carlos Lacerda? Porque Carlos Lacerda tinha projeto política da UDN. Hoje não há nenhum jornal que tenha um projeto político. O projeto político do jornal ou é o projeto do atual governo ou contra este governo. Foi isso que mudou. A imprensa deixou de ser imprensa pra ser empresa.

Tem umas vantagens que tecnologicamente ela melhorou, ela tem mais condições, chega mais ao povo, mas por outro lado, ela não é opinativa. Ela é muito menos opinativa do que já foi. E isso faz com que ela comece a perder a briga com a internet, porque a internet é para dar notícia seca, a internet é para dar a notícia com, como ela diz, em tempo real, mas o jornal tem que discutir o jornal que tem que dar opinião, tem que debater. Se o jornal quiser pensar e fazer no dia seguinte o que a internet fez na véspera morrem todos. Então os jornais têm que opinar, discutir o país, participar. Senão, agrava-se o que já está acontecendo. É que você chega em casa a noite, você entra na internet e lê a primeira página do Globo, e lê a primeira página do Estado de Minas, e lê a primeira página do Correio Brasiliense e você fica sabendo a noticia. Quando chega no outro dia o jornal está dizendo a mesma coisa aí não adianta comprar o jornal. Por isso que eles, a Folha vendia um milhão de exemplares e também o Jornal do Brasil e também o Globo e o Dia, vendiam um milhão de exemplares no Rio de Janeiro no fim de semana. Hoje nenhum deles vende mais que 300 mil no fim de semana, de sábado pra domingo. Por quê? Porque as pessoas já viram no jornal na internet as notícias. Então é preciso que o jornal seja um instrumento de debate, de opinião, senão vai apanhar muito da internet. E a juventude que maneja a internet vai a cada dia lendo menos jornal. Porque ela acha “Pô já tenho aqui na internet pra que eu vou comprar o jornal na banca ou assinar o jornal ou ler o jornal?”

Jornal Contramão – A censura que existia naquele tempo, ainda existe?

Sebastião Nery – A censura da ditadura era muito bruta porque censurava às vezes a própria noticia. Mas hoje não há uma censura nos jornais. Os jornais se alinharam demais. Ou o governo ou a oposição. Então o que eu acho hoje é que os jornais estão excessivamente dependentes do grupo financeiro ao qual eles pertencem. Então no Rio de Janeiro hoje nós temos uma coisa grave, aquilo que o ex-prefeito César Maia chama de o pensamento único do Rio de Janeiro. Você tem no Rio de Janeiro a TV Globo, e você têm a rádio Globo e depois você tem O Globo e depois você tem o Extra depois você tem o Super… Então, a Globo tem seis, sete canais de comunicação e todos são dela. E não teve ninguém pra contestar que o Dia morreu, ta com 50 mil exemplares, quando já teve um milhão e o Jornal do Brasil morreu, ta na UTI. Então você tem uma cidade como o Rio de Janeiro que é capital, cultural, num sei o quê, a capital política do país hoje é totalmente dependente do pensamento Globo. Quando o Roberto Marinho estava vivo, eu, por exemplo, que trabalhei na TV Globo seis anos, sete anos, eu sabia o que o Roberto Marinho pensava. Mas eu não sei se os filhos do Roberto Marinho pensam alguma coisa, não sei o que pensam, e eles têm o comando das empresas dele e tal. Isso é muito ruim. Porque a cidade, o país, fica dependente de um grupo empresarial que é excessivamente monopolista. Aí falam: “ah porque o Chavez” o Chavez é uma menina de primeira comunhão diante da TV Globo. O controle da televisão que a Globo faz, bem, num é controle, a supremacia, o domínio, ver o império que é a Globo é muito maior do que a televisão do Chavez lá na Venezuela. Isso é claro que ela não impede os outros jornais, mas ela é tão poderosa que acaba dominando e isso é ruim pra imprensa. Por isso que tem que discutir… não isso que o governo propôs que eu acho totalmente errado, é preciso analisar o que os jornais tem. Nada disso! O Globo tem que escrever o que quiser. Mas os outros grupos também têm que participar do processo. E ter seus jornais, suas rádios, para daí discutir. Não é porque você chega à França, tem um grande jornal, que é um jornal que apóia o governo, mas tem mais oito jornais. Aí você faz a discussão, o que não pode é um só.

Jornal Contramão – O que você espera hoje com o relançamento do livro “A Nuvem”?

Sebastião Nery – Eu não tenho nenhum medo da concorrência da internet em cima do livro. Claro que tem uma vantagem; as editoras e os autores vão ter que fazer cada vez mais livros que a juventude leia porque aquela linguagem excessivamente acadêmica, excessivamente técnica, afasta milhões e milhões de leitores que se acostumam a ler na internet mais superficialmente. Então o livro tem que disputar aí. As pessoas têm que perceber o que o livro é além da notícia. Então esse livro que ta aqui conta uma história, tem 50 anos de história, então se você for botar isso na internet tem que botar muito. Mas é preciso que as editoras façam livros assim como esse e é preciso que a internet não se banalize demais para não ficar tão banal e medíocre que prejudique a formação da juventude. Você não pode encher a internet de Big Brother. Uma besteira atrás da outra, não pode isso também, porque isso é um crime cometido contra o futuro do país.

Colunista político histórico da “Tribuna da Imprensa”, republicado em outros 25 jornais do País, Nery é autor do best-seller “Folclore Político”, que marcou a literatura política nos anos 70, “Socialismo com liberdade” (1974), “16 derrotas que abalaram o Brasil” (1974), “Crime e castigo da divida externa” (1985), “A história da vitória: porque Collor ganhou” (1990), “A eleição da reeleição” (1999) e “Grandes pecados da imprensa” (2000). Em 2002, reuniu 1.950 histórias numa edição definitiva do “Folclore Político”.

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Por: Ana Paula Sandim e  Débora Gomes
Foto e vídeo: Ana Paula Sandim

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