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“Estamos vivendo em um tempo que é baseado na negação do conhecimento, um ataque a arte e a cultura”, diz Cida Falabella

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Cida Falabella recebe Jornal Contramão

Por: Arthur Paccelli e Carlos Fernandes

Diante do cenário político atual, questões como educação, artes e cultura foram taxadas de “coisas de esquerdistas” e perderam representatividade desde o nível municipal ao nacional. O país vive um cenário em que a política é feita com uma rivalidade quase futebolística, onde cada um defende seu candidato, seu partido e suas ideologias sem sequer observar o que há “do outro lado dos muros”. Atualmente promover as artes, cultura e educação inclusiva se torna um desafio para aqueles que trabalham em prol das lutas socioculturais.

Em entrevista, a vereadora da cidade de Belo Horizonte Cida Falabella, do PSOL, falou sobre a necessidade de incluir política, cultura, artes e educação nos debates populares, desde a periferia ao centro. Eleita com 3.454 votos sendo a segunda vereadora mais votada da capital, Cida também é atriz, professora, defensora das minorias e integrante do Gabinetona juntamente com a Deputada Federal Áurea Carolina.

Gabinetona é um movimento político colaborativo, idealizado por parlamentares engajadas nos movimentos populares da cidade. O projeto possui cerca de 90 ativistas em sua maioria mulheres, negras, LGBTIQs, indígenas e moradoras de ocupações urbanas. O movimento possui locais de encontro que possibilitam a população de participar efetivamente do mandato das representantes envolvidas.

  • Recentemente na imprensa, você declarou que o projeto escola sem partido é “antigo”. Em sua opinião, quais aspectos sociais trouxeram à tona o debate das reformas na educação?

O projeto escola sem partido é assumido por uma bancada que se autodenomina cristã que tem como traço o fundamentalismo religioso e o ataque principalmente aos debates de gênero. A questão da educação no país avançava sentido da inclusão, de políticas de cotas, na expansão de vagas nas universidades públicas. No atual governo, muito do que era considerado investimento passou a ser tratado como gasto, passível de cortes sem nenhum tipo de preocupação a longo prazo. Todo mundo fala como a educação é fundamental, que nenhum país sai de crise sem educação, tecnologia e ciência, e no Brasil isso começou a ser atacado. Estamos vivendo em um tempo que é baseado na negação do conhecimento e um ataque a arte e a cultura.

  • Diante as recentes mudanças na educação e a aprovação do projeto escola sem partido, você julga importante a atuação de assistentes sociais nas escolas e apoio psicológico para os funcionários da educação?

A educação passa por muitos espaços de elaboração com participação de professores, pais, alunos e toda a comunidade escolar e qualquer debate sobre assistência social ou psicológica nas escolas tem que passar por esse processo. Acredito que fazer projetos de fora da escola e tentar impor não seja uma alternativa eficaz. Na verdade, o que a escola faz quando precisa do trabalho um assistente social, por exemplo, ela procura as redes do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), toda a rede municipal de atendimento e assistência social e de saúde está atenta aos casos das escolas que precisam ser atendidas.

Cultura

Em sua campanha, Cida, defendeu a bandeira da cultura e da arte na capital mineira. A vereadora acredita que a cidade vive um período de renascimento das políticas públicas de cultura com a criação de uma secretaria municipal de cultura.

  • Como a cultura tem sido tratada na atual gestão municipal?

Penso que a nível municipal, vivemos um tempo onde a cultura volta a ser protagonista, com reestruturação de editais, buscando integrar cada vez mais as margens da cidade e as manifestações que ficavam de fora. Belo Horizonte tem como secretário de cultura Juca Ferreira um homem que foi ministro no governo Lula e Dilma e isso faz muita diferença.

  • No governo do estado como você acredita que mesmo diante das recentes mudanças a cultura permanece recebendo a devida atenção?

No governo estadual é uma grande tristeza a secretaria de cultura ter se tornado uma subsecretaria. A luta para construir uma pasta da cultura foi uma luta histórica. Não adianta falar que vai tirar a pasta e a política vai ser a mesma, porque para ter política é necessário gestores, cargos e uma estrutura, porém vemos que acontece uma desestruturação, ainda mais para um estado do tamanho de Minas. Para eles, cultura é algo descartável, ou algo que a esquerda faz e que dever ser combatido.

  • Como você enxerga a situação da cultura a nível federal?

Estamos em um momento muito delicado, de desmonte total do que tínhamos de cultura, principalmente a políticas importantes da esquerda, como o Cultura Viva, que é um projeto que visa reconhecer as atividades que já acontecem em comunidades quilombolas e indígenas. Vemos ataque a artistas, censura e cancelamentos de editais importantes. Os Estados Unidos são um exemplo de como tratar a cultura, o país construiu seu reconhecimento e respeito internacional, com o cinema, por exemplo, uma indústria que emprega milhares de pessoas, e aqui, isso é jogado fora.

  • Qual a relevância de se debater a democratização do acesso à cultura e o que tem sido feito para incluir a população nos debates socioculturais da cidade?

Dentro da cultura, temos 3 direitos. Primeiro, produzir cultura, ninguém pode tirar isso de alguém, você pode não gostar dos meninos fazendo passinho ou do funk nas favelas, mas, inegavelmente aquilo é a cultura sendo produzida. O segundo é você ter acesso as políticas de cultura. Ter acesso aos editais, conseguir recursos para que aquela atividade não morra. E o terceiro é influir nas políticas de cultura, por meio de conselhos, decisões. Eu tenho direito a ir ao teatro, ao cinema, com um preço bom. As escolas devem levar seus alunos às diferentes manifestações de cultura. Devemos saber como a cultura está sendo feita, é preciso ter transparência na forma dos governos de construir suas políticas. Os conselhos de cultura têm que funcionar. É necessário eleger pessoas da sociedade civil para poder fazer parte de comissões que elegem projetos, para garantir que as comunidades estão sendo representadas.

  • Como você enxerga as práticas de desvio de atenção da população diante as decisões importantes do governo? Como o futebol sendo usado como “Pão e circo”, por exemplo.

Sobre o futebol, não temos que tirar as alegrias que o povo tem. O pessoal dizendo: “Ah que com essa fase do Flamengo, isso vai ser bom para o Bolsonaro”. Eu não estou nem aí para o Bolsonaro. O povo do morro, a grande parte da favela do Rio de Janeiro torce para o Flamengo e eu fico feliz por eles. Claro que na década de 70, durante a ditadura, o país tinha uma das melhores seleções na copa, o que encobriu parte do período. Mas a gente não pode jogar tudo fora. Não podemos impedir a população de ser feliz com futebol. Claro que lutamos contra a homofobia no futebol, mas não podemos negar a força que o futebol tem. Temos que ter um equilíbrio entre esporte e política, se não as pessoas ficam sem nada.

  • Sobre a política atual, você considera significativa a participação das mulheres?

Hoje nós temos menos que 10% de mulheres aqui. Eu acho que é fundamental a nossa participação, pois somos maioria na população. Quem está no alvo, na mira da violência são as mulheres, os índices de feminicídio aumentaram em 250% na cidade. Precisamos de mais mulheres para pautar essas discussões, sobre parto humanizado, aborto, direitos reprodutivos e lutar contra a educação sexista. É fundamental que tenhamos mulheres negras, periféricas, indígenas. São debates que um homem por mais que tente representar as mulheres não é suficiente, e necessário que as mulheres sejam as protagonistas.

  • Qual a importância do Gabinetona para a democracia?

O Gabinetona vem de uma movimentação chamada MUITAS que é formado por jovens e que vem de um debate pela ocupação da cidade. Desde a praia da estação que foi um movimento contra a proibição de manifestações aprovada pelo ex-prefeito Márcio Lacerda, a ocupação do conselho de cultura e ao carnaval da cidade. Os líderes desses movimentos chegaram a conclusão que precisavam ocupar a política, e sobretudo ocupar o poder legislativo, para promover uma diversidade de corpos, não dá para ser os mesmos homens velhos e brancos, tem que ter a mulher, negra, indígena, periférica, tem que ter a pauta da maconha e da mobilidade urbana. O objetivo é levar a arte e a cultura para fazer com que a política interesse e encante as pessoas, pois se você não faz política, alguém vai fazer ela por você. A idéia de que a política é ruim só serve pra manter os mesmos no poder.

*Entrevista realizada sob a supervisão do professor Aurélio José

 

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