“Guardar algo que pudesse recordar-te, seria admitir que pudesse esquecer-te.”

“Guardar algo que pudesse recordar-te, seria admitir que pudesse esquecer-te.”

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Foto Reprodução Internet
Por Débora Gomes – . as cores dela . – Parceira Contramão HUB
Silêncio. Era tudo que sobressaía entre um chocolate gelado e uma xícara de chá. Ela não gostava de chá, mas abriu naquela tarde de sol se pondo, uma de suas raras exceções. Nas mãos, prendia Clarice Lispector com toda força. Nos pés, a sandália verde ofuscava qualquer chance de escurecer completamente a vida. Dali, talvez fosse convidada para a sessão das 19 no cinema ao lado, mas já não criava mais nem sequer expectativas. Sorriu. As mãos trêmulas sacudiam a xícara e o chá. Um gosto amargo lhe desceu pela garganta. Esquecera o açúcar aquela tarde. “Esquecera o açúcar a vida inteira”, pensou. E por isso estava ali, diante de um estranho que não bebia chocolates quentes e nem café. Um estranho, que usava camisas verdes e tinha um cabelo engraçado. Um estranho, que para quebrar o silêncio, abriu a mochila, tirou uma câmera fotográfica e uma caixa de lápis de cor. “A caixa é para você. Porque ainda existe muito mundo para colorir”. Não houve reação. “A câmera é para tirar uma foto sua, para que você fique sempre na minha vida”. Quase chorou. Não ele, mas ela. Levou as duas mãos cheias de anéis ao rosto, evitando que um click registrasse sua dor inteira. As unhas curtas vermelhas, a doçura daquele momento. “Guardar algo que pudesse recordar-te, seria admitir que pudesse esquecer-te.”, pensava mas não falava e só sentia dor. No fundo, sabia que o que doía era a realidade de se saber esquecida, e que a única forma de lembrança seria um retrato que amarelaria com o tempo. “Podia ter sido diferente?”, perguntou enquanto engolia um misto de choro e chá. Podia ter sido diferente… se tivessem se permitido. Se ao invés de perguntas, tivessem se preocupado apenas com as respostas. Se ao invés dos trovões e relâmpagos, tivessem apenas sentido os pingos da chuva. Se ao invés de paredes, tivessem construído sonhos…
“Preciso ir.”. Tirou do bolso uma nota num valor qualquer, deixou na mesa e se despediu. Coração na boca, suor nas mãos. Um abraço. Apertado. “A gente se vê!”… 
Ele ficou no vidro, olhando até ela sumir. E ela virou a esquina e chorou.
Ambos sabiam que que não iam nunca mais se encontrar.

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