Identificação forçada de mascarados é inconstitucional, diz advogado

Identificação forçada de mascarados é inconstitucional, diz advogado

Na última terça-feira, 10, a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou projeto de lei que proíbe o uso de máscaras em manifestações no estado. No início do mês de setembro, a justiça carioca permitiu a identificação civil e criminal de pessoas que usarem máscaras ou quaisquer objetos que escondam seus rostos em protestos, mesmo que não sejam flagradas cometendo crimes. No entanto, especialistas apontam a inconstitucionalidade das medidas. Para o advogado e professor de Direito Penal da FEAD-MG, Rafael Santos Soares, é inconstitucional a identificação forçada e, mais ainda, a condução coercitiva às delegacias de polícia de mascarados. Em entrevista ao CONTRAMÃO, Rafael Soares explica a polêmica e fala da possibilidade da medida ser repetida em outros estados.

CONTRAMÃO: Se a polícia solicitar a um mascarado que ele apresente seus documentos e ele recusa a se identificar, a PM pode encaminhá-lo à Delegacia por isso, mesmo que ele não esteja praticando crime? Há previsão legal?

RAFAEL SOARES: De início, observo que o processo no qual foi proferida a polêmica decisão corre em segredo de justiça. Isso impede que a população tome conhecimento de seu inteiro teor e, principalmente, dos motivos invocados pelo juiz para conceder a medida liminar em favor da requerente, a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV). As informações que se tem sobre o caso advêm de uma nota veiculada pelo site do próprio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Segundo o informe, o juízo da 27ª Vara Criminal autorizou policiais militares a exigir identificação civil de manifestantes que fazem uso de máscaras, outros apetrechos ou vestuário para cobrir a face. Sob esse aspecto a decisão não representa nenhuma inovação e tampouco fere a lei, porque autoridades policiais, no exercício de suas atribuições, sempre possuíram o poder de solicitar os documentos de quem quer que seja, com ou sem máscara, estando ou não em manifestação. De maneira análoga, a população também tem o direito de cobrar dos policiais em operação e de seus superiores o uso da tarjeta de identificação. Não se pode prender ou revistar pessoas pela simples cor da pele, é ilegal proibir que as pessoas usem máscaras, detê-las unicamente por isso ou, ainda, constrangê-las, a todo o momento, com a exigência de identificação compulsória, porque isso teria um propósito nitidamente intimidatório, desestimulante e inviabilizador do exercício do direito constitucional de liberdade de expressão. A decisão do TJRJ diz que, havendo solicitação de identificação por parte da autoridade policial, caso o manifestante se recuse a apresentar documento, será encaminhado a uma Delegacia para identificação datiloscópica (digital) ou fotográfica. Consta ainda da nota que a liminar teve como fundamento a Lei Federal nº 12.037/09. Todavia, é imprescindível destacar que o procedimento de identificação criminal, como o próprio nome diz, se aplica apenas aos casos em que há imprecisão no tocante à correta identificação civil de uma pessoa suspeita da prática de algum crime. No Rio de Janeiro, contudo, parece haver uma investigação em andamento contra componentes dos grupos denominados Black Blocs, Anonymous, dentre outros. Supondo que estivéssemos tratando de uma pessoa integrante de um desses grupos, suspeita de cometer uma infração penal, mesmo para esses casos, em que for “essencial às investigações policiais”, a identificação criminal somente poderá ocorrer após ordem concreta e fundamentada de um juiz, autorizando a realização do procedimento naquele(s) indivíduo(s) suspeito(s) de ter cometido a infração penal em apuração.

CONTRAMÃO: A Lei 12.037/09 diz que “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei”. Para que serve e quando é cabível a identificação criminal?

RAFAEL SOARES: Essa norma da Lei 12.037/09 apenas repete o que a Constituição já diz no art. 5º, LVIII. Evidente que se houver recusa de apresentação da documentação, o indivíduo não estará civilmente identificado e, portanto, poderá responder pela contravenção penal descrita no artigo 68 da Lei de Contravenções Penais. Recordo apenas que tal dispositivo prevê que a contravenção somente ocorre se a exigência ou solicitação da exibição dos documentos pelo policial for legítima, isto é, justificada. Sobre a identificação criminal, que fique claro: se a pessoa se recusa a identificar-se e não for suspeita da prática de nenhum crime (não houver nenhuma investigação/acusação contra ela), entendo que nem assim poderá sofrer procedimento de identificação criminal porque essa lei trata exclusivamente dos casos de identificação de pessoas sujeitas a alguma investigação criminal ou que estejam respondendo a processo penal ou foram condenadas. Isso se deve à própria natureza constrangedora e invasiva dos procedimentos como a coleta de impressões digitais, tiragem de fotografias e, desde 2012, há possibilidade de recolhimento de material genético de DNA.

CONTRAMÃO: A Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV), de onde partiu o pedido, tem poderes para tanto?

RAFAEL SOARES: Não conheço a natureza jurídica ou o ato de criação (Decreto Estadual 44.305/13) dessa Comissão. Pelo que sei ela é formada por autoridades como membros do Ministério Público e foi criada às pressas pelo Executivo estadual para enfrentar os problemas ocorridos nas manifestações, algumas delas com atos de violência e vandalismo, do Rio de Janeiro. Mais correto seria que o Ministério Público ingressasse com tal pedido, mas acredito que os maior problema dessa comissão não seja a possibilidade de postular medidas cautelares junto ao Poder Judiciário, mas sim os poderes que ela detém, de duvidosa constitucionalidade.

CONTRAMÃO: É possível que essa decisão se torne um precedente e seja repetida em outros estados?

RAFAEL SOARES: A decisão do Poder Judiciário do Rio de Janeiro não vincula e nem obriga outros tribunais de quaisquer outros Estados da Federação. Trata-se de uma decisão isolada, proferida num contexto específico. No entanto, não se pode negar que a prática que a jurisprudência carioca busca implementar possa ser copiada ou reiterada por outros Estados onde, de igual modo, ocorram manifestações com utilização de máscaras e haja ocorrências de vandalismo. Entretanto, se houver adoção do mesmo procedimento em outros Estados membros isso deve a uma opção exclusiva daquele Estado e não pelo fato do Tribunal carioca ter criado ou aberto um precedente. A palavra “precedente” em Direito possui significado diverso.

Por: Fernanda Fonseca

Foto: João Alves

SIMILAR ARTICLES

0 401

0 290

NO COMMENTS

Leave a Reply