Mês da aviação: Elas voam alto

Mês da aviação: Elas voam alto

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*Por Bianca Morais

Quantas vezes você já andou de avião? E em quantas delas você viu uma mulher no comando? 

A resposta para ambas as questões provavelmente será poucas ou nenhuma. De acordo com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) no ano passado, enquanto no total foram expedidas 3183 licenças para pilotos homens, para mulheres foram apenas 207. Uma realidade assustadoramente desigual, colocando a profissão de piloto em um patamar quase totalmente masculino. Embora a diferença ainda seja muito grande, a realidade vem mudando ao longo dos anos. Por exemplo, entre 2015 a 2017, o número de mulheres com licença de pilotos privados de avião (PPR) saltou de 279 para 740, aumento de 165% nessa categoria. 

Quando falamos em papéis sociais, condicionamos indivíduos em determinados grupos de uma sociedade. Antigamente, a figura feminina estava relacionada a dona do lar. Porém, após muitas manifestações e batalhas, houve várias conquistas como o poder de voto, acesso à educação, ensino superior e a aclamada entrada no mercado de trabalho. A mulher enfim deixou um lugar que lhe havia designado e até hoje luta pela igualdade dos gêneros. 

Para se ter uma ideia, por anos não se usava a palavra “pilota” para se referir às mulheres que exerciam esse cargo, utilizava-se apenas o adjetivo “piloto”. Como por muito tempo os cargos eram fundamentalmente ocupados por homens, as mulheres não participavam dessa área e não eram nomeadas dentro dela, sendo invisíveis ali. Entretanto, com o aumento da inserção feminina se enxergou a necessidade da mudança. Nomear em feminino a profissão mostra a visibilidade que elas têm ganhado.

Quando se ingressa em uma profissão como a aviação, tanto mulheres quanto homens abrem mão de estarem próximos de parentes e amigos. Não existe uma rotina fixa, por isso são datas especiais, feriados e aniversários longe de casa. Agora, se já é complicado para um homem, imagine para uma mulher que carrega uma pressão social de ser mãe e que precisa deixar os filhos em casa. Ou da esposa que fica dias longe do marido, ou de simplesmente uma mulher independente que coloca seus planos profissionais acima daquilo que se espera dela. Aí surgem os comentários, as brincadeiras e cochichos dentro da família ou no ambiente corporativo.  

A liberdade de poder ingressar no mercado de trabalho foi dada à mulher há anos, porém a sociedade quer encaixá-las em empregos normativos, porque, por mais que não se assuma, grande parte das pessoas querem ver as mulheres crescendo, mas não aceitam que a  independência delas saia do “padrão”.

A maioria das profissionais no ramo da aviação se encontram na classe de comissárias de bordo, mulheres estereotipadas, maquiadas, arrumadas, bem vestidas. Um cargo como pilota muitas vezes é almejado, mas pela falta de incentivo e representatividade o sonho fica pelo caminho. É fato, que o valor dos cursos  são altos, mas se existissem mais encorajamento, com certeza, haveria mais inclusão, muitas ainda não sabem que também podem ocupar esse espaço.

É devagar que elas vão conquistando as alturas.

São poucas, mas elas existem.

Juliana Steck, 34 anos, trabalhou durante 10 anos como tripulante, hoje tem um canal no youtube e uma escola de cursos de aviação. Começou na área com 18 anos, fazendo o curso de comissária de bordo, e trabalhou no setor durante cinco anos em uma companhia brasileira. Seu próximo passo na carreira foi estudar para piloto, levou cinco anos para concluir. Quando terminou o mercado da aviação estava aquecido, por isso, conseguiu emprego fácil, voou durante dois anos em um ATR-600.

Em sua trajetória no comando de uma aeronave, Juliana admite que já vivenciou o machismo. Em um caso, ela conta que estava em aeroclube e o instrutor do lugar a indicou escolher o Cessna, um modelo de avião mais fácil, e disse que por ela ser mulher iria se adaptar melhor a ele. Juliana que nunca se deixou ser rebaixada em sua profissão, acabou fazendo todas suas horas no Paulistinha, que na teoria do instrutor, era o avião que mulheres não conseguiriam voar.

“Nunca me coloco no papel de vítima, sempre considero que o problema está no outro e não em mim. O que as pessoas pensam de você não muda quem você realmente é. Não me importo se alguém me considera inferior, eu sei das minhas capacidades e sigo em frente”.

Tem poucas mulheres, como você vai conseguir isso

Karla Cristina Martins, 32 anos, formada em Ciências Aeronáuticas atua na área da aviação há nove anos. Com a ajuda dos pais e abrindo mão de festas e viagens, a mineira conseguiu economizar dinheiro para sua formação. Se já não é fácil ser uma mulher no mundo da aviação, ser uma mulher negra requer muito mais força. “Lidar com preconceito é difícil, o olhar de desconfiança das pessoas, principalmente quando chega uma negra de black power no aeroporto” desabafa.

Mas nada disso nunca foi um empecilho na jornada da pilota. Com muita raça, foco e coragem, ela nunca desistiu de seu sonho. Hoje em dia, atua como freelancer e sempre escuta comentários cruéis, muitas vezes até dos próprios familiares, que duvidam de sua capacidade. Justificam seus argumentos em cima do fato dela ainda não ter entrado em uma companhia aérea, pois o curso não deu certo, que fez um curso que não tem nada a ver com ela.

“Questionam até como meus pais tiveram dinheiro para pagar meu curso, acham que por sermos negros e ter vindo da favela não podemos ter condição para nada”.

A verdade é que aviação não é um mercado fácil, existem aqueles que sonham com a pilotagem desde cedo e não tem condição, por isso, começam  em outra área da aviação, como a de comissário de bordo, juntam o dinheiro e ainda têm a possibilidade de crescimento dentro da própria empresa. Karla ainda é nova e tem muito a trilhar na sua carreira, e não é o que os outros pensam que ditará seu futuro.

Quando se é mulher na aviação, sempre vão duvidar de sua capacidade, encontrarão uma forma de tentar diminuir sua conquista, mas são essas pessoas de mente pequena que nunca, nem ao menos tentaram algo tão grande.

“Eu ainda estou viva, enquanto eu puder eu vou lutar para chegar lá, e sei que vou alcançar, não é fácil, mas a luta continua. O bom dessas pedras que recebi é que servem para construção dos degraus da minha vitória e da muralha para me fortalecer”.

Sexismo na aviação

Bethânia Porto Pinto Toledo, 44 anos, sempre quis ser uma pilota de avião. Com seus 13 anos de idade já ansiava fazer o curso, mas por conta da idade foi apenas com seus 17 que conseguiu começar a fazer a parte teórica. A jovem garota no auge dos seus 18 anos, enquanto muitos da mesma idade ainda estavam concluindo o ensino médio, ingressando em uma faculdade, Bethânia estava tirando sua primeira licença de piloto privado.

Com 25 anos na aviação, a comandante, hoje está a frente do Airbus A330 em uma das maiores companhias aéreas do Brasil, fazendo voos nacionais e internacionais. Inclusive, vale ressaltar que esse modelo de avião que ela pilota, dentro da companhia em que trabalha, somam-se no total duas únicas comandantes mulheres no meio de mais de 150 homens.

Dedicada, a pilota nunca se deixou abalar por comentários machistas vindo tanto da parte de outras mulheres quanto de homens, como “precisava ter homem nesse voo para ser mais seguro”, ou “eu acho que isso não é profissão de mulher”. Um episódio específico ficou muito marcado em sua vida, isso porque ele teve repercussão não apenas nacional como mundial.

Foi em 2012, que a comandante estava em seu local de trabalho e viu um passageiro em questão conversando com uma agente, ele fazia gestos apontando para a cabine. Depois de um tempo, a despachante foi falar com ela e disse que o passageiro alegava que não estava se sentindo à vontade em voar com uma mulher e que iria fazer uma reclamação com a empresa.

Bethânia, com todo seu profissionalismo, foi conversar com o rapaz. “Ele estava muito ofegante, meio descontrolado na verdade, falou que queria ter a opção de não voar com uma mulher” conta ela.

A comandante, preocupada com seus outros passageiros, afinal, se por eventualidade durante o voo acontecesse qualquer situação inesperada que deixasse o homem em pânico, ele poderia colocar um avião inteiro de pessoas assustadas. Falou a ele então que estava disponibilizando sua vaga no voo e ele iria em outro. Nesse momento ela pediu à comissária que fechasse a porta da cabine.

“O homem começou a fazer um show lá atrás, falou que ele estava sendo vítima de uma situação e que ele não descia nem sobre a presença da polícia. Foi nesse momento que tive que chamar a polícia federal para tirá-lo”.

Esse foi um fato marcante não apenas para Bethânia, como para o mundo. Os outros passageiros que estavam no voo registraram e foi questão de horas para ser noticiado em grandes jornais. Foi um episódio claro de sexismo, que é a atitude de descriminação por conta do sexo da pessoa.

Mulheres comandantes são raras, então foi uma das primeiras vezes que algo como isso aconteceu, houve grande repercussão. A pilota se sentiu exposta, ela como uma profissional não gostou de ver seu trabalho sendo tão evidenciado.

Ocorrências como essas, partem do controle de quem as sofre e se torna algo muito maior. Isso passou-se com Bethânia, mas poderia ter sido com qualquer outra mulher dentro da aviação. Precisou-se dessa notoriedade para mostrar que aconteceu e que está errado, para conscientizar as pessoas. Se ela está em um cargo tão alto é porque ela tem capacidade para estar ali, e é imprescindível o respeito.

Persistência é a alma do negócio, qualquer carreira que uma mulher for seguir ela terá dificuldades. “Mulher na aviação é ousada, corajosa e determinada, tem que ter muito jogo de cintura” afirma Bethânia, que é um dos exemplos fortes de que é possível sim alcançar seus objetivos e construir uma carreira incrível se você se esforçar muito e não desistir por conta de obstáculos que irá enfrentar.

Enquanto uma mulher pilota ainda tiver a exigência de usar uma gravata em seu uniforme, a batalha não está completamente vencida. E claro, o problema não é a gravata, e sim, o que ela demonstra, que as mulheres não são completamente bem vindas no meio onde os homens são a maioria, mas é com muita luta que um dia a igualdade virá. Mas continuem mulheres, apertem os cintos, pois a viagem é longa mas em breve chegaremos ao fim dela.

 

E assim elas vão ocupando espaço e uma frase da Cecília Meireles exemplifica muito bem:

“Liberdade de voar num horizonte qualquer, liberdade de pousar onde o coração quiser”.

 

**Revisão: Italo Charles

***Edição e supervisão: Daniela Reis

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