Por Igor Teixeira

Não tem nenhuma guerra em curso no mundo, que mata mais do que o Brasil mata de jovens negros anualmente. Eu sei que começar essa nossa conversa com esta frase é algo triste, porém impactante. No Dia da Consciência Negra, devemos, claro, comemorar e celebrar esse dia. Enaltecer nossa cultura afro-brasileira significa fazer o nosso povo se sentir livre e ouvido, se sentir representado pela luta de Zumbi e por todas as vidas que ele salvou. Porém, não basta só comemorar, não basta só enaltecer, nós temos também quem pensar e refletir.

Somos pretos durante 365 dias do ano, sofremos todo o ano e é muita hipocrisia da sociedade acreditar que só um mês é suficiente para cobrir essas lacunas e feridas raciais. Durante tantos anos de resistência e durante todos os anos de luta, ainda conseguimos conquistar muito pouco, não concordam? E mesmo o pouco que conquistamos, ainda, sim, somos questionados e as pessoas se incomodam com nossas façanhas. Quer um exemplo? O engraçado é que: ficamos com tantas cotas, não é mesmo? Cota de desemprego, cota da fome, cota da violência e a cota dos hospícios, mas a cota que incomoda o povo de lá é a cota da vaga para faculdade. 

Durante quatro séculos, a escravidão foi a base da economia brasileira. O preto era mercadoria! E durante séculos após o fim da escravidão, ainda conseguimos sentir as consequências desses atos desumanos. As consequências são estruturais, uma sociedade racista onde as pessoas algumas vezes não tem nem consciência que estão cometendo racismo. Até porque, o racismo já vem implantado nas pessoas, desde criancinha. Frantz Fanon, um importante autor negro, escreveu a seguinte frase: o negro é mal, o negro é selvagem, o negro é feio. 

Pode parecer um pouco absurdo isso, mas o racismo estrutural traz essa opinião no nosso subconsciente e vou provar isto a vocês. O negro é mal? Vamos criar apenas uma pequena hipótese: se você estivesse na rua sozinha, qual pessoa você teria mais medo de te roubar? Uma pessoa negra, de cabelo crespo e roupas largas, ou uma pessoa branca, de cabelos longos e olhos claros? Não precisa ficar com vergonha ou algo do tipo, sabemos a resposta e a culpa não é sua. O negro é selvagem? Vamos criar outra situação: quando você vê um negro numa prova de atletismo, de corrida, que exige força física, você na mesma hora não acha que ele tem mais chances? O negro não é o mais forte? Não tem o físico mais invejável? Fortes como um touro, animalescos… selvagens!! O negro é feio? Vamos falar um pouco da semiótica? A semiótica, isto é, o estudo da imagem, se preocupa com o referencial, e o nosso referencial é branco, é europeu. O crespo é feio, tem que alisar, o nariz negroide é feio, os beiços “grandes” são motivos de piadas. Entenderam agora?

Foto/Divulgação: FMP.

Temos que comemorar nosso dia, temos que comemorar muito nosso heroísmo e nossos nomes históricos. Temos que levar ao nosso povo nossos guerreiros como Nelson Mandela, Malcolm X, Martin Luther King, Zumbi dos Palmares, Luiz Gonzaga, Mãe Menininha do Gantois, Machado de Assis, Angela Davis, entre tantos outros. Exaltar nossa cultura que, ainda hoje, é tão demonizada e retratada de forma agressiva. A nossa sociedade ainda se modela por ressonância do sistema escravocrata e devemos continuar lutando e resistindo, pois é isso que somos: a resistência. Somos aqueles que sofrem, que apanham, mas que continuam lutando por um mundo melhor, onde o racismo não exista e que meus filhos possam crescer sem sofrer aquilo que sofri. Que neste dia nós possamos comemorar, celebrar e gritar, fazer saudação aos Orixás, cantar nosso samba e dançar nosso hip-hop. Que possamos cada vez mais utilizar nossos penteados, nossas roupas e colocar nossa cultura no mundo. 

Partindo agora eu estou, mas quero deixar apenas um lembrete a todos vocês: não nos odeiem, pois todo brasileiro, até mesmo você, de cabelo loiro e olhos azúis, traz na alma, no sangue e na sombra um pouquinho da origem negra ou indígena. Viva a todos os pretos e pretas deste país! Wakanda para sempre!

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