O preconceito vem de carro

O preconceito vem de carro

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Foto: Yuran Khan

Uma noite, oito amigos. Atos preconceituosos vieram do trânsito em direção à eles.

Era sexta à noite, dia 16 de outubro.  Um grupo de oito amigos, 6 homens 2 e mulheres, entre héteros, gays e lésbicas, se reuniu próximo ao bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, para aproveitar o início do final de semana. Alguns vinham direto da faculdade. Os outros estavam nos arredores de um dos mais tracionais bairros da cidade. Eles não imaginavam, mesmo se quisessem, o que aconteceria no caminho até o destino final, a Savassi.

Alguns iam de mãos dadas e outros, felizes, conversando e rindo pelas ruas do bairro, como Quimberlita e Mármore, em direção ao Santa Efigênia. Eles passaram num bar de esquina qualquer quando alguns deles perceberam olhares estranhos e cochichos acompanhados de apontamentos. Se reuniram, achando tudo muito estranho, e continuaram a caminhada sem dar muita atenção ao que tinha acontecido.

Seguiram rumo ao centro, já no Santa Efigênia, quando se depararam com a primeira situação constrangedora. Um carro passou e o motorista, apoiado pelos passageiros, gritou:

–  Bando de viados!

Os oito se entreolharam e um deles mandou um “tchau” com a mão direita em sinal de que não se importava para a provocação. Mais uma vez ignoraram o ocorrido achando que seria um caso isolado e que a noite ainda prometia, somente, diversão.

Eles passaram pelo Viaduto da Floresta quando um caminhão, em alta velocidade, reduziu. O motorista gritou ofensas ao grupo, porém devido ao barulho da buzina, as palavras não ficaram claras. O tom e a situação indicavam os motivos.

Mais mãos foram dadas e as manifestações dos motoristas contra o grupo permaneceram nos ouvidos dos oito amigos. Os gritos, incansáveis, persistiam em proclamar palavras de ódio. Um dos presentes afirmou que já estava acostumado com esse tipo de coisa e que, com ele, acontecia com muita frequência. Outros dois disseram ser a primeira vez que presenciavam e sentiam na pele a emanação do desrespeito ao próximo.

O grupo subiu a rua da Bahia, no Lourdes, eles precisaram atravessar a rua. Atravessaram. Durante o curto percurso para o outro lado, um carro branco, ocupado por três pessoas, desceu e pôde se ouvir: Saiam da rua, viados. Vamos atropelar!

Esse foi o estopim, quando perceberam que os comentários anteriores, apesar de mais “fracos”, faziam parte de um mesmo contexto de preconceito e intolerância. Os olhares indagavam, sem precisar de palavras, o porquê disso, enquanto mais um ato preconceituoso se apresentava.

Última parada

Dois deles se encontraram, após terem ido a um bar e cumprido o objetivo de espairecerem, para conversar sobre os flashs de desrespeito. Citaram a “péssima necessidade do ser humano de julgar e generalizar”, se perguntando o que elas sentiram quando atacaram o grupo com palavras. “Seria um hobbie, uma prática comum, ou somente um momento em que o ódio falou mais alto que a razão?”, pensava um desses dois, parte dos oito. Ainda não conseguiu resposta e teme que ela não venha tão rápido quanto os automóveis que passavam à 70km por hora numa via de 50km.

Três deles ainda estão incomodados. Não entendem as atitudes e, menos ainda, aquela sexta à noite. Eles ainda conversam sobre isso e, pior, veem na internet e na rua as manifestações acontecerem. Vez e outra passam por isso de novo. Se impressionam com o fato de a homofobia, lesbofobia, etc., e o preconceito, seja por qual for o motivo que ele se configure, ainda estarem enraizados em grande parte das pessoas e na sociedade em geral. Se entristecem ao acharem que um mundo livre de ódio possa ser utópico demais.

Havia héteros, lésbicas e homossexuais entre os oito. Havia mulheres. Homens. Havia gente. Gente como eu. Você.

Por Gabriel Peixoto

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