Participação da mulher na política cresce, mas ainda é desafio

Participação da mulher na política cresce, mas ainda é desafio

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Depois de eleita vereadora de Belo Horizonte, mais bem votado no pleito de 2016, Áurea Carolina, hoje, representa as mulheres na Câmara dos Deputados em Brasília. Foto: Lucas Ávila.

No Brasil, a representação política das mulheres saltou de 10% para 15%; popularidade baixa vem carregada de estigmas de décadas

Por Marcelo Duarte*

Há exatos 33 anos, o Brasil passou por um processo de redemocratização, e, mesmo depois de tantos anos e mudanças, as mulheres ainda não ocupam cargos políticos com a proporção devida. Elas representam aproximadamente 52% da população do país, mais da metade, mas a sua participação na política não chegava a 10%, de acordo com os dados compilados pela União Interparlamentar, que têm como base as informações fornecidas pelos parlamentos nacionais, até o dia 1º de setembro de 2018.

Nas eleições recentes, o percentual da participação da mulher na política aumentou, mesmo com a dificuldade que encontraram dentro do partido para terem suas campanhas financiadas. Segundo levantamento feito pela Campanha Libertas, que tinha como intuito dar visibilidade às candidaturas das mulheres, quase metade das candidatas mineiras não foram contempladas com recursos de seus partidos para realização de suas campanhas. O balanço feito mostra que apenas 53% delas receberam verbas dos diretórios estaduais ou nacionais das siglas.

No 1º turno das eleições 2018, que ocorreram no dia 7 de outubro, foram eleitas 77 deputadas federais, contra 51 em 2014. No Senado, que neste pleito tinha duas vagas por federação, foram eleitas sete deputadas, como em 2010. Junto às mulheres da bancada atual, que ocupam a vaga até 2020, foram eleitas sete senadoras, o que representa um total de 12 cadeiras num universo de 81.

Ainda de acordo com o balanço pela campanha Campanha Libertas, com base nos dados das últimas eleições para o legislativo, as mulheres finalmente alcançarão 15% de representação no Congresso Nacional, a partir do dia 1º de janeiro de 2019. O número representa um aumento de cinco pontos percentuais. Ainda que seja um avanço, uma conquista histórica, as mulheres enfrentam muitos desafios na construção da representatividade política.

A mineira Áurea Carolina é um contraponto a este cenário já desenhado e cheio de vícios. Nas últimas eleições municipais, em 2016, foi eleita vereadora de Belo Horizonte, a mais votada naquele pleito. Depois de ter conquistado uma votação expressiva para a Câmara de Vereadores da capital mineira, lançou-se como candidata a deputada federal, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), por Minas Gerais. Foi a 5ª mais votada, conquistando mais de 162 mil votos, e irá representar, entre outras bandeiras, a das mulheres, na Câmera dos Deputados, a partir de janeiro de 2019.

Para Áurea, na política ou em qualquer outro campo profissional, as mulheres ainda enfrentam desafios para serem reconhecidas. “Nós mulheres enfrentamos problemas históricos seríssimos de não reconhecimento da nossa plenitude como pessoas capazes, que devem ser respeitadas e que devem estar em condição de igualdade com os homens. Isso é refletido nas mais diversas áreas, na saúde, na educação, no mundo do trabalho, na política. Muitas vezes, reproduzimos esse tipo de política, essa que nos obriga a falar mais alto para sermos ouvidas, que nos obriga a sermos duras para estarmos em pé de igualdade, mas aos poucos vamos mostrando outra forma de fazer política, a política do afeto e da convivência coletiva”, expõe Áurea Carolina.

Na corrida para a eleição 2018, a candidatura de mulheres para os cargos de deputados (as) estaduais e federais representaram 30%. Para o senado, governo de estado e presidência da república, o número foi ainda menor. Apenas 16% das candidaturas eram femininas.

Ainda de acordo com Áurea Carolina, a baixa proporção de mulheres nas esferas de poder institucional é uma consequência do sistema patriarcal, que produz a exclusão sistemática de mulheres das instituições políticas. “A questão se acentua quando falamos sobre mulheres negras. Nós somos sub-representadas nos espaços da política institucional: atualmente na Câmara dos Deputados, por exemplo, somos menos de 1% na Câmara dos Deputados. Essa é uma confirmação de como o nosso país é racista e machista”, pontua.

Histórico precisa ser mudado

Nos cargos municipais, nas eleições de Belo Horizonte em 2000, apenas 4 mulheres foram eleitas. Já nas eleições de 2016, mais de uma década e meia depois, o número de mulheres eleitas foi o mesmo, estagnado em quatro. Para a vereadora de Belo Horizonte, pelo PSOL, Cida Falabella, o machismo e a misoginia são estruturantes de uma Câmara Municipal. “O contrário é que é quase impossível ter alguma facilidade por ser mulher. A forma de organização do espaço, a disputa pelo microfone, o silenciamento dos colegas, tudo está muito ligado a esse universo macho, que não é nem machista, é macho mesmo, esse universo da virilidade, do que é ser homem, do que é ser um homem na política. Em contraponto, a relação com as outras mulheres, embora de campos políticos opostos ao nossos, é sempre uma relação de muito respeito, colaboração e escuta. Toda vez que nós estamos juntas, os homens chegam e perguntam ‘o que é que o clube da luluzinha tá fazendo?’ sendo que eles estão sempre agrupados e a gente nunca pergunta ‘e aí, como está o clube do bolinha?’. A gente tenta construir algo muito diferente disso e, para isso, temos que mostrar o tempo inteiro que somos pelo menos duas vezes mais capazes que um homem”, explana.

Em 2018, em todos os partidos, as mulheres são minoria, inclusive no Partido da Mulher Brasileira, o PMB. Essas dificuldades no Legislativos e Executivos são ainda maiores, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, entre 77 cadeiras, apenas seis são ocupadas por mulheres. “É muito importante incentivar as mulheres a ocupar os espaços políticos institucionais e apoiar essa escolha cotidianamente. Acredito que a população brasileira também tem enxergado isso e percebido que as mulheres têm a mesma capacidade que os homens para ocupar os espaços de poder que, por centenas de anos, foram um espaço exclusivamente masculino”, comenta Áurea Carolina.

Durante o período que compreende o primeiro mandato da ex-Presidenta Dilma Rousseff, entre 2010 e 2014, houve um aumento de aproximadamente 13% no número de mulheres se candidatando. Em 2016, após seu impeachment, esse número voltou a cair. Áurea Carolina acredita que a deposição de Dilma, um golpe em sua opinião, produziu no imaginário que as mulheres não têm capacidade de estar na política ou de fazer um bom trabalho como agentes públicas.

“Com o golpe, criou-se uma associação de que a Dilma foi uma presidenta incompetente, incapaz e corrupta. Esse pensamento está presente no senso comum, mas estamos confrontando isso nestas eleições e intensificando as campanhas para que mais mulheres estejam nesta empreitada. É necessário que as mulheres ocupem os espaços de poder, pois é justamente por conta dessa violência machista que a presidenta Dilma foi atacada. Têm surgido muitas iniciativas nesse sentido, com a candidatura de mulheres, negras, indígenas, quilombolas, lésbicas, bissexuais e transexuais para a política institucional”, exemplifica Áurea Carolina.

A pauta sobre representatividade feminina abre espaço também para pensar em outros grupos de minorias que não se sentem representadas politicamente. A sigla LGBT, por exemplo, vem tentando romper essa barreira e construir uma representação nas diversas esferas da política.

Transpondo barreiras

As eleições de 2018 vêm rompendo várias barreiras. O número de pessoas transexuais candidatas para cargos políticos multiplicou dez vezes em relação à última eleição, em 2014. Só neste ano, foram 55 candidaturas, aponta lista divulgada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

A secretária de articulação política da Associação Nacional de Transsexuais (ANTRA) e membro da diretoria da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Bruna Benevides, destaca o ineditismo e a necessidade de pessoas transexuais ocuparem os espaços institucionais da política. “A importância de ter pessoas trans e travestis nos lugares de poder é principalmente para que possamos ocupar lugares que antes não eram possíveis para nossa população e principalmente para pontuar as demandas e as políticas públicas necessárias para o resgate da cidadania e pensando em questões de representatividade, legitimidade e pertencimento, que quem vive com essas situações pode de alguma forma refletir de ações e medidas para o combate dessas violências e violações”, argumenta.

O partido que mais contém candidaturas de pessoas transexuais e travestis é o PSOL, com cinco representantes em 12 estados; seguido por PT e PCdoB com cinco candidaturas em quatro estados cada; e PMB, com quatro candidatas em três estados. As eleições 2018 trouxeram duas candidaturas a deputada distrital pelo Distrito Federal; 17 a deputada federal; e 32 a deputada estadual, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Erica Malunguinho da Silva, mulher, negra, natural de Pernambuco, foi a 1ª transexual eleita deputada estadual em São Paulo. No total, três deputadas estaduais trans foram eleitas, todas do PSOL.

A professora de literatura Duda Salabert, primeira candidata travesti ao senado fala sobre a importância de termos grupos, que são dados como minorias, conquistando alguns cargos na política. “Historicamente, o senado é ocupado por senhores mais velhos. A idade mínima para pleitear esse cargo é 35 anos, que a idade de expectativa de vida de uma travesti no Brasil, dando a entender que não é um cargo feito para travestis. E esses 35 anos tem um valor muito simbólico para nós, e mais do que isso, o senado é ocupado por senhores mais velhos que têm o papel simbólico de moralizar a sociedade, e aí entra mais uma questão, o meu corpo, e o corpo das pessoas trans é lido tradicionalmente como imoral, então nós vamos rivalizar um conceito de moral, um conceito de política e um conceito de ética, para propor de fato uma nova forma de construir política e colocar em choque com esse modelo antigo”, defende.

Com o efeito da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que garantiu direitos constitucionais ao grupo, os candidatos transgêneros puderam usar o nome social na urna eletrônica e participar da cota feminina dentro dos partidos.

*(O estagiário escreveu a reportagem sob supervisão do jornalista Felipe Bueno).

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