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Aline Lemos

Aline Lemos desde pequena quis trabalhar com quadrinhos. Até a realização do sonho de infância, outros caminhos a levaram a graduação em História pela UFMG. Após concluir o curso, teve a certeza de que queria seguir a vida desenhando. Arrumou as malas e partiu para França, terra de origem de Asterix e Obelix, para fazer mestrado profissionalizante de história em quadrinhos na cidade de Angoulême, onde estuda e mora atualmente.

Aline publica quadrinhos e zines desde o ano de 2013. Atualmente, participa a distância do coletivos ZiNas _ que é um grupo de 7 artistas independentes que falam sobre feminismo e a cultura uderground. Os seus quadrinhos são publicados na sua página do facebook e em no site Desalineada. Ela que sempre frequentou o FIQ participou dessa edição, pela primeira vez, como convida da mesa “Sexo e Quadrinhos”, junto do coletivo ZiNas. A mineira respondeu algumas perguntas para a nossa equipe, sobre suas motivações para trabalhar o tema do feminismo nos quadrinhos.

11214156_10153269623134840_6179428469297280051_n1. “Qual a sua formação? Como você começou a trabalhar com quadrinhos?”

Sou formada em História, mas desde pequena quis trabalhar com quadrinhos. Quando terminei o meu primeiro curso, já consciência disso e das possibilidades reais de atuação na área. Então decidi me dedicar profissionalmente a essa arte. Acho que os principais estímulos que eu tive para tomar essa decisão foram a movimentação de quadrinistas em Belo Horizonte, com o FIQ e autores jovens como Ricardo Tokumoto, Felipe Garrocho e as ZiNas. Outras iniciativas que me motivaram foi o trabalho das autoras do Zine XXX e da Revista Inverna. Comecei a fazer cursos independentes de quadrinhos, pintura e desenho. Também cursei durante um tempo uma graduação em Design Gráfico. Atualmente, faço um curso de mestrado profissionalizante em Histórias em Quadrinhos em Angoulême, França.

2. Você já enfrentou machismo por parte de algum quadrinistas ou leitor?

O machismo está disseminado na nossa sociedade, então ele acaba se manifestando também no meio dos quadrinhos. Existem quadrinistas e leitores que não aceitam bem o fato de que grupos tradicionalmente com pouco acesso aos canais de comunicação – como mulheres, negros e pessoas LGBT – estão se unindo, ganhando cada vez mais expressividade e se manifestando contra os discursos preconceituosos. Então fazem aqueles quadrinhos e textos “chororô”, reclamando que não há mais liberdade de expressão, ridicularizando esses grupos e suas lutas… No nosso caso, os discursos machistas buscam deslegitimar nossas vozes no meio. Felizmente, nunca recebi um quadrinho direcionado diretamente a mim com esse teor. Porém, já li vários direcionados a mulheres, mulheres quadrinistas e feministas de modo geral. Aconteceu comigo dos leitores entrarem em contato de modo invasivo, acreditando que podem ter liberdades que não cabem só pelo fato de eu trabalhar com quadrinhos eróticos.

3. Você acha difícil a escolha de uma profissão que é tida como predominantemente masculina?

Acredito que no meio dos quadrinhos, como talvez no meio artístico e de comunicação de uma forma geral, essa dificuldade se manifeste de forma sutil. Não vejo muitos casos de alguém dizendo diretamente que uma mulher não pode ser quadrinista, mas são as barreiras que temos que enfrentar que dificultam a atuação. Já ouvi quadrinistas estabelecidas dizerem que nunca enfrentaram machismo no trabalho. Ao mesmo tempo, essas mesmas mulheres afirmavam que eram as únicas mulheres em seus lugares de atuação, e começaram a questionarem-se do por que da ausência de outras mulheres ali. Por vezes, a discriminação se coloca como uma crítica ao conteúdo. É o famoso “não importa se é homem ou mulher, o que importa são os quadrinhos.”. Esse discurso ignora que histórias com teor sentimental são associadas a uma visão feminina e são ao mesmo tempo desvalorizadas. Na maioria das vezes as experiências, os corpos de mulheres são raramente retratados, ou o são de forma estereotipada ou desumanizada. Quando assuntos do interesse dos direitos das mulheres são tratados eles são rechaçados como se não tivessem lugar no meio…

3. Você trabalha a questão do feminismo nos seus quadrinhos? Se sim, porque decidiu falar sobre esse assunto por meio dessa arte?

Sim, trabalho com frequência. O feminismo me inspira muito a produzir. Como quadrinista, eu gostaria muito de comunicar com pessoas de diferentes realidades e falar sobre assuntos que não são discutidos tanto quanto deveriam. Gosto de falar sobre temas ligados à experiência de mulheres e de pessoas LGBT, e gostaria que mais pessoas pudessem se identificar nos quadrinhos, que pudessem ter empatia com as histórias de outros grupos marginalizados e, principalmente, se sentirem inspiradas a narrar suas próprias histórias. Então foi uma decisão inspirada nesses objetivos, mas também na minha própria vivência. Quando comecei a fazer quadrinhos, sentia necessidade de manifestar essas inquietações, e fui muito estimulada pelas iniciativas feministas de incentivo a jovens autoras, o que me deu um contexto favorável para fazer isso.

4. No seu ponto de vista há alguma mudança hoje em dia diante do crescimento do papel na mulher no meio dos quadrinhos?

Com certeza. A internet facilitou a publicação para muitas pessoas, inclusive mulheres e meninas quadrinistas. O mais interessante para mim no contexto atual é a união de mulheres quadrinistas pelo direito de se manifestarem e lutarem por u espaço no meio, fortalecendo assim sua própria produção. Tivemos no ano passado o Primeiro Encontro Lady´s Comics, realizado pelo portal Lady´s Comics, que reuniu mulheres do Brasil inteiro apenas para debater essa questão. Vejo como um momento muito positivo nesse sentido.

5. Você já sofreu algum tipo de violência ou preconceito por ser mulher?

O machismo está disseminado na nossa sociedade e acredito que ele afeta a todas nós, embora de formas diferentes. Felizmente, não faço parte dos altos índices de violência doméstica, de agressão de parceiros, de condições de subemprego, de encargos domésticos dobrados, entre muitas outras dificuldades que milhares de mulheres enfrentam no Brasil. Mas também tenho que lidar com o assédio constante nas ruas, com a minha palavra ter menos peso diante da palavra de um homem em determinados contextos, de não ter pleno direito ao meu corpo em casos de necessidade de aborto e de determinados procedimentos médicos, de ter tido que lidar com a minha autoestima e a minha sexualidade desde jovem em um contexto de padrões esmagadores de beleza e de conduta afetiva… Eu já sofri manifestações pontuais de violência, de assédio e de preconceito, mas elas também fazem parte de todo esse contexto.

6. Você tem alguma quadrinista que gostaria de indicar para o público? Por quê?

Claro! Acompanho o trabalho de várias quadrinistas. São muitas, por isso vou focar nas novas autoras brasileiras atuais que acompanho. O trabalho delas é muito empolgante e me inspira muito. Por exemplo, os coletivos de autoras de que faço parte: ZiNas, Mandíbula e Girl Gang. Lovelove6, Sirlanney, Bárbara Malagoli, Fêfê Torquato, Bianca Pinheiro, Rebecca Prado... Convido também a conhecer o portal Lady´s Comics, com textos, reportagens e entrevistas sobre mulheres nos quadrinhos.

Reportagem de Amanda Eduarda
Coordenação Nina Gazire
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