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Artigo de opinião

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Por Pedro Soares

O título acima é um trecho da música “Autoestima” do cantor Baco Exu do Blues, um homem negro, gordo e periférico. Pela descrição anterior já podemos dizer que Baco não está nem perto do padrão de beleza brasileiro. 

Qual padrão de beleza é esse que estou me referindo? Façamos um exercício juntos, abra uma guia no seu navegador e vá ao Google, no espaço de pesquisa digite a seguinte busca “homem bonito no Brasil”. Vá na aba de imagens, dê uma olhada nas respostas trazidas pela ferramenta de pesquisa e me diga: num país onde 56,1% da população é negra (IBGE/2022), os resultados apresentados pela plataforma são reais? Ou estão ancorados em um padrão de beleza racista que não pertence ao nosso país, onde TODOS os resultados dessa busca apresentam homens brancos, com o padrão físico malhado e de barba. 

Desde 1500, quando a coroa portuguesa chegou ao Brasil, temos um histórico de roubo da parte deles para com o nosso país. Roubo esse em vários aspectos diferentes, roubo de recursos materiais e naturais, roubo cultural, roubo de identidade e principalmente, de nossa autoestima. 

De acordo com o Blog Nocaute, durante os 300 anos da colonização portuguesa em nosso país, extraíram de nosso território cerca de 610 bilhões de reais em pedras preciosas, mas mais grave do que esse valor, foi o roubo de nossa autoestima. 

Em 2018, quase 520 anos após o início da colonização vemos o Baco, artista com alcance nacional, cantando nossas dores, buscando encontrar nossa autoestima, tentando esconder as dores com o uso de drogas, gastando valores exorbitantes em jóias para esconder nossas dores. 

“Usamos drogas pra esconder nossa dor. diamantes nas correntes pra ofuscar nossa dor, cravejamos o sorriso, não vão ver nossa dor. Pago dez mil nesse tênis, tô pisando na dor”. É preciso entender que homens negros ainda são exclusos do padrão de beleza do nosso país imposto por um país europeu. Ainda estamos buscando nossa autoestima, mas pelo menos, por agora, temos artistas relevantes o suficiente para cantarem nossas dores e nos ajudarem na compreensão de nós mesmos e em nossas belezas naturais.

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Por Keven Souza

Após anos de espera, Queen B está de volta ao cenário musical para mostrar ao mundo sua nova fase com o lançamento de “Renaissance”. Se nos últimos trabalhos a artista abordou temas sociais e urgentes, como feminismo e racismo, em seu sétimo álbum de estúdio, lançado hoje (29), ela quer apenas celebrar.

Renaissance é em grande medida uma homenagem à house music e à importante contribuição da população negra na criação do gênero. Se você não acompanha a carreira de Beyoncé dificilmente entenderá que ela não quer se encaixar em nenhuma tendência musical atual.

O novo lançamento, que já está entre nós meros mortais, é simplesmente único. Aqui, Bey celebra e retorna às pistas com referências diretas aos hits que estouraram nas noites da década de 90 e nos anos 2000, mas carregado de representatividade e poder. Isso fica evidente com Break My Soul, música presente no álbum. E mais do que isso, traz o olhar da realidade vivida pela cantora e seu tio, de maneira dançante e muita rica. 

“Um grande obrigado ao meu tio Jonny. Ele foi minha madrinha e a primeira pessoa a me mostrar muito da música e da cultura que serve de inspiração para este disco. Obrigado a todos os pionerios que originaram essa cultura, a todos os anjos caídos e suas contribuições que foram ignoradas por muito tempo. Isso é uma celebração a vocês”, escreveu Beyoncé em seu Instagram.  

O álbum será dividido em diferentes atos, como indicam as artes promocionais lançadas até agora. O lançamento de hoje é “Act I” que contém 16 faixas. Os próximos certamente possuirão a mesma intensidade e qualidade já entregues por Beyoncé. E na contramão dos que muitos pensam, a cantora jamais deixará de cantar suas origens, já que como a mesma disse na faixa Be Alive (2021), “ eu não poderia me limpar da negritude nem se quisesse“, canta Beyoncé.

Se vamos entrar novamente em formação (formation) com próximos trabalhos não tenho certeza, mas o que compreendo é que ninguém na indústria musical atua hoje com tanta dedicação, pureza e coesão igual a Beyoncé. 

Não há músicas feitas para o TikTok que realçam, ou representem, aquilo que nós sentimos e não sabemos dizer. E esse é o grande poder da Queen B. Espero que a representatividade através de suas músicas continue, pois há uma parcela da sociedade que a está ouvindo e compreendendo sua militância, inclusive eu.

Por Lucas Nascimento

Ontem, 7 de junho, se comemorou uma data que, não sabia que existia até escrever este artigo: o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa.

Em se tratando do conceito básico da imprensa, ela nada mais é do que o mediador entre a população e os fatos, já que não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Assim, a imprensa faz o papel informativo, para que possamos, por consequência, ter nossa própria opinião e debater, em bares, em casa e qualquer encontro que chamamos de social, tais assuntos.

Historicamente, a imprensa, com os meios de comunicação de massa, tem um poder quase absoluto, como um governo à parte; tanto que chega a ser denominada de “o quarto poder” aqui no Brasil. Seguindo essa linha de raciocínio, sabemos que, quase nunca, a imprensa foi plena o suficiente.

No Brasil colonial e imperial, a imprensa teve um cerceamento muito forte. A partir dos primeiros anos da república, jornais, como o Correio da Manhã e a Folha de São Paulo, além da revista O Cruzeiro, foram criados e demonstravam muita competência na busca detalhada de informações. Com a criação da rádio, na década de 1920, as informações passaram a ser ouvidas, para uma melhor absorção.

Quando tudo parecia um mar de rosas, Getúlio Vargas criou o DIP em 1935, como uma forma de controle sobre a imprensa à época. Com o Estado Novo (1937-1945), a rigidez do DIP se aprofundou até a sua destituição, dez anos após o DIP. Tivemos, então, uma imprensa forte por mais de 15 anos.

Porém, em 1964, tudo começaria a degringolar com o Governo Militar (1964-1985), sobressaindo o AI-5 (1968). A partir daí, admitiu-se uma nova faceta da imprensa: a da luta por liberdade de expressão, que foi a maior em muitos anos. A data desta comemoração, inclusive, foi criada ainda no Governo Militar, em 1977. O manifesto, assinado por mais de 3 mil jornalistas, ocorreu após o assassinato de Wladimir Herzog.

E, com todo este movimento e tantas transformações – entre elas, a descentralização da informação, confesso que, depois que ouvi de uma professora minha que “jornalista não se acha um Deus, tem é certeza”, alguns acontecimentos recentes mostram um cerceamento seletivo e que, a própria imprensa, que se julga atacada pelo presidente Jair Bolsonaro, bate palmas.

Desde as eleições de 2018, há uma competição de quem realmente fala a verdade. Desta forma, a grande imprensa criou mecanismos de validação; dentre eles, o Fato ou Fake, do Grupo Globo. Em paralelo, a criação de conteúdo voltado para assuntos sobre política, trazendo informações que a grande mídia, por vezes, esconde, gerou revolta pela disputa de audiência.

Lembra do cerceamento da liberdade de expressão que passou a ser validado? Criticar posturas da mídia e de políticos ou magistrados jurídicos (leia-se STF – Supremo Tribunal Federal), passou a ser passível de censura. Aí, devemos nos perguntar: por quê?

Há casos a serem analisados: o deputado Daniel Silveira e os canais Te Atualizei e Hipócritas, além do Telegram. No primeiro caso, o deputado está sendo julgado para uma pena de 8 anos. Motivo? Criticar posturas do ministro Alexandre de Moraes e outras, um tanto quanto estranhas, do STF. No dia 21 de abril, Bolsonaro concedeu o indulto presidencial a Daniel.

Já sobre os canais do YouTube e o Telegram, que, como sabemos, é um órgão privado. Logo, convenhamos que é bizarro ter alguma tentativa de cerceamento, correto? Não para Alexandre de Moraes. Ele notificou ambas as plataformas sobre “conteúdos perigosos” e exigiu que o Telegram fosse bloqueado, e os canais do YouTube citados, desmonetizados.

A imprensa ainda tem a ideia de que existe uma “censura saudável”? Como? Mesmo com o Brasil estando em 111º lugar em um ranking de 180 países sobre liberdade de imprensa, segundo o Repórter Sem Fronteiras. Bem estranho.

Ou seja, enquanto a guerra da falta de verbas exorbitantes de desvio e as narrativas se sobreporem, a imprensa não vai mais convencer ninguém. Portanto, como qualquer coisa que exista para um bom equilíbrio, ele precisa retomar o seu papel de fato: apenas os fatos.

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Por Bianca Morais

Em uma época em que as mulheres viviam refém dos pais e depois dos maridos, quando elas não tinham acesso à educação e trabalhavam apenas em funções domésticas, uma delas, talvez uma das primeiras feministas do mundo, se levarmos o termo cru do movimento que luta pela igualdade de gêneros, se destacou. O nome dela: Maria Madalena. 

Tida por muitos, ao longo de séculos de catolicismo, como prostituta e pecadora, aquela que acompanhou Jesus Cristo até sua morte e ressureição, muito provavelmente, teve de deixar para trás padrões impostos pela sociedade da época que diziam que ela deveria permanecer em casa.  

Lucas 8:2 diz: “Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios”. Para os judaicos, ter demônios, nada mais é que ter uma doença, mas no cristianismo europeu aquilo foi ligado ao pecado, e por ela ser mulher, relacionado ao sexual. Em nenhum momento o versículo deixou claro que era uma prostituta, mas estamos cansados de saber que as religiões interpretam a bíblia da forma como querem, por isso, muitas a consideram de tal forma, inclusive, as mesmas que dizem que o relacionamento homoafetivo é pecado, mesmo Jesus durante toda sua vida ter pregado o amor. 

No livro “O Código da Vinci” de Dan Brown, é narrado um relacionamento secreto entre Jesus e Maria Madalena retratados nas obras de da Vinci. O argumento parte em teorias feitas pelos chamados “Evangelhos Canônicos” nos livros apócrifos do Novo Testamento e dos escritores gnósticos. Segundo eles, na pintura A Última Ceia, quem está ao lado de Jesus de cabelos compridos e traços femininos seria Maria Madalena e não o apóstolo João. Além disso, o fato de Jesus não envergar o Gral leva a interpretação que a mulher é o “Cálice Sagrado”, onde repousa o “sangue de Cristo”, ou seja, que ela estaria grávida. 

Após a crucificação de Jesus Cristo foi Maria Madalena que visitou sua tumba levando especiarias para ungir seu corpo nu, tarefa assumida por esposas, mães ou familiares. Já dizia a bíblia que Jesus viveu entre nós como um homem comum, e homens naquele tempo e com a idade dele tinham esposas. Os cristãos fervorosos dizem que o filho de Deus não veio a terra para se casar, muito menos para ter filhos, por isso, repudiam tanto Maria Madalena.  

Claro, isso é uma teoria, assim como toda bíblia escrita pela Igreja Católica, a mesma que considera Jesus Cristo, nascido em Jerusalém, um homem branco de olhos azuis.  

Na atual sociedade com o machismo imposto toda mulher autossuficiente, dona de si, financeiramente independente, mãe solo, líder e chefe, intimida e sofre preconceito. Quantas mulheres que saem a noite para tomar uma cerveja com o marido, ou levam o filho na apresentação da escola sozinha são vistas com maus olhos pela sociedade que por mais avançada que seja, ainda acredita que lugar de mulher é no fogão, faxinando casa para quando o marido chegar à noite do trabalho sua janta estar servida? 

Sendo assim, não seriamos todas nós feministas, Maria Madalena? 

Maria Madalena é vítima. Vítima de um catolicismo exacerbado, vítima de sua imagem ser possivelmente ligada a uma relação mais intima com Jesus. Vítima de ter largado costumes da época para seguir seu líder espiritual.  

E se Maria Madalena de fato fosse prostituta, qual seria o problema? Prostituta é uma profissão, mulheres que ganham a vida com trabalhos sexuais, inclusive, para homens de bem, seguidores do catolicismo. A questão é, do mesmo jeito que eles têm o direito de seguirem uma religião e usufruírem dos serviços delas, elas também têm o direito de acreditar em Deus e seguir os ensinamentos de Jesus. Independente se Maria Madalena foi ou não uma prostituta, ela teria a mesma licença para seguir a Jesus Cristo, afinal, foi ele quem disse “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”.  

No Brasil não se discute religião, política e futebol. 2022, copa do mundo e eleições. Com as redes sociais é, sem dúvidas, impossível não se discutir esses assuntos. Por que não discutir religião então? Discussão é uma palavra forte, pode remeter algo agressivo e não precisa ser. Discutir religião pode ser simplesmente uma maneira de tentar trazer os ensinamentos de Jesus Cristo para a nossa atual realidade.  

Paz, amor, harmonia, perdão, respeito entre os homens, por que é tão fácil adorar Jesus e tão difícil seguir seus mandamentos? Por que considerar uma mulher solteira uma prostituta? Por que levar um fora de uma mulher te leva a ofendê-la? Do que adianta não consumir carne na sexta-feira da paixão para ser perdoado dos seus pecados se você poderia simplesmente não os cometer? 

O feminismo te incomoda porque algumas pessoas são cheias de preconceitos dentro de si, e o pior, tentam justificar isso em cima do cara mais bacana que já passou pela Terra. E como disse Bruna Marquezine em uma recente participação num podcast, “Jesus Cristo é maneiraço, o fã clube que estraga o rolê”.

Nota do editor: os textos e fotos, vídeos publicados nos artigos de opinião não refletem necessariamente o pensamento do Contramão, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as informações, juízos de valor e conceitos divulgados.

 

 

 

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Por Bianca Morais 

No dia 24 de fevereiro, depois de meses negando uma invasão, Vladimir Putin, presidente da Rússia invadiu a Ucrânia. Por terra, céu e mar o presidente, com a justificativa de proteger a população de um genocídio e eliminar o nazismo presente no lugar, vem causando a morte de milhares de civis e militares com a guerra.

Putin não anuncia em suas redes sociais ou nos canais de televisão controladas pelo governo que, na verdade, a sua maior preocupação não é com os nazis do país, liderado por um judeu que teve seus antepassados mortos pelo regime, mas sim, pelo medo de perder o controle do Leste Europeu.

Com a proximidade da Ucrânia com a União Europeia e da Otan, a Rússia teme que o país vizinho se expanda e retorne ao tamanho que tinha em 1997, porém a narrativa de um Putin ‘bonzinho’ não engana ninguém que tenha acesso ao mundo real.

O aumento das mortes devido aos ataques leva o presidente russo a colocar a paz na Europa em risco, fazendo então países do continente e os Estados Unidos imporem sanções para ajudar a Ucrânia. Marcas como a Apple, Starbucks, McDonalds e Coca-Cola estão temporariamente encerrando suas atividades na Rússia, o capitalismo unido com força para derrubar a ex-União Soviética, mais uma vez.

Por onde será que estava todo esse boicote, ou como se diz hoje em dia “cancelamento”, lá em 2003, quando os EUA invadiram o Iraque com uma justificativa em cima de uma “fake news” que dizia que o ditador iraquiano da época tinha armas químicas de destruição em massa? Por que ninguém foi contra uma das maiores potências mundiais pedir misericórdia pelos iraquianos?

Nesse exato momento, ao redor do mundo, existem dezenas de conflitos com uso de armas, como na Europa, África, Oriente Médio e na Ásia. O destaque está na Rússia x Ucrânia, mas a Síria, há cerca de 10 anos está sendo completamente destruída por bombardeios diários.

O Afeganistão é sem dúvidas um dos mais abalados, depois de derrubarem o Talibã e manter suas tropas durante anos na região, Joe Biden, atual presidente dos EUA, retirou seus militares deixando o país africano nas mãos do grupo mais radical do mundo, aquele que mata mulheres e tira a liberdade de viver do seu povo. Mas quem vai criticar os Estados Unidos?

As guerras acontecem por diversos motivos, seja por questões políticas, territoriais, religiosas, étnicas, entre outras. Países do Oriente Médio, por exemplo, vivem massacres há anos, grande parte deles com um dedo da potência americana, e se a mídia divulga algum, uma vez por semana, é muito! 

A guerra na Ucrânia tem gerado uma grande comoção mundial, principalmente dos vizinhos europeus. O jornalismo ocidental vem soltando vários comentários de apoio aos irmãos, alguns deles ressaltam como pessoas brancas de olhos azuis estão morrendo, “Eles se parecem tanto com a gente, isso é o que faz ser tão chocante”, disse um jornal. Outros ressaltam como é um absurdo estar acontecendo uma guerra na Europa, “Com todo respeito, não é um lugar como o Iraque ou Afeganistão”.

Só existe uma explicação para toda a comoção da morte de europeus loiros de olhos azuis e indiferença por negros e outras minorias que estão sendo deixados para trás no país, moradores de favela e cidadãos do Oriente Médio, o nome disso é preconceito!

A Europa está praticamente gritando que toda morte é lamentável, mas algumas são mais do que as outras. Quem está perdendo a vida dessa vez não são homens-bomba e terroristas, são gente do bem, como eles. O deputado espanhol, Santiago Abascal, defendeu que os refugiados ucraniano merecem ser recebidos na Europa, porque são diferentes dos jovens de origem muçulmana que buscam o mesmo acolhimento, e o pior, ele está sendo aplaudido por isso.

A empatia é seletiva, pessoas brancas versus não brancas, dessa vez os europeus não estão sendo capazes de disfarçar o racismo e xenofobia, são imigrantes negros, árabes e asiáticos que não estão conseguindo sair do país. Segregação racial descarada, são pessoas negras barradas em ônibus e trens em direção a fronteira.

Recentemente um cidadão imigrou para o   Brasil para fugir da guerra e morreu em uma famosa praia do Rio de Janeiro. Certas coisas nunca mudam.

Mas o que é guerra? O que significa uma guerra? São pessoas presas em suas casas, sem poder sair com medo de serem vítimas de um bombardeiro. São escolas e hospitais fechados, destruição e sangue de inocentes derramados. Nesse momento me perco, estou a falar da guerra na Ucrânia, na Síria ou de uma invasão policial em uma favela brasileira? A diferença mais gritante é que aqui no país tropical, as pessoas não podem simplesmente abandonar suas casas para se refugiar em outro local.

No começo do mês, um jovem foi morto e dois baleados na comunidade da Gamboa em Salvador, o repórter então chega para uma mulher e pergunta se o garoto ferido tinha envolvimento e em resposta ela diz: “Ô moço, isso não importa nesse momento, sabe por quê? Porque se ele tinha algum envolvimento a obrigação dos policiais é levar preso e não matar à queima roupa”. A diferença do jovem de Gamboa para o ucraniano é a cor da pele e a humanização dada a ele.

É responsabilidade do jornalismo expor as imagens de guerra, mas é evidente que a grande mídia narra o que lhe convém. Durante a guerra do Iraque não se chegou nem perto de humanizar os iraquianos como os ucranianos. A rede social que acha lindo e emocionante o pai militar segurando uma arma e fazendo TikTok, a fim de fazer a filha acreditar que está tudo bem na guerra, é muito mais bem visto do que um iraquiano mascarado com uma arma.

Supremacia branca, termos racistas, xenofobia e termos pejorativos. Até quando? Há anos existem guerras, muitas vezes piores, que sensibilizam muito menos.

Em nenhum momento a dor dos ucranianos foi diminuída, são cidadãos pegando em armas, alguns pela primeira vez, para defender o país em que nasceram e foram criados. São crianças atravessando fronteiras sozinhas com apenas um papel com o telefone de parentes em mãos. São idosos com medo de sair de onde estão e serem bombardeados no caminho de fuga e outros que nem ao menos conseguem sair de onde estão.

A guerra está ali, aqui e lá, todas têm sua importância e história, as pessoas que passam por elas sentem mais, sofrem mais, por isso, a obrigação de quem está de fora é não selecionar quem merece ou não passar por tal sofrimento.

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Por Luiza Vinte e Matheus Velleda

O High End da moda, mais conhecido como alto luxo e as práticas da  sustentabilidade sempre tiveram conotações contra-intuitivas, já que o luxo por muito tempo refletiu o excesso, hedonismo e ostentação, enquanto a sustentabilidade sempre teve fortes mensagens de reestruturação do consumo desenfreado. Entretanto, a sustentabilidade e o luxo carregam valores parecidos, como respeito pela matéria-prima de qualidade, uma mão de obra qualificada, respeitada, o que nos fazem acreditar que há a possibilidade dessa vertente coexistir dentro do mercado de moda e de luxo.

A indústria do luxo em sua primariedade não foi associada junto às questões ambientais e às mudanças climáticas, porém com todas mudanças sociais obtidas nos últimos anos, o luxo passou a evocar um significado diferente em seu conceito, tais conceitos de qualidade, feitos à mão e atemporalidade são intrinsecamente sustentáveis. Além disso com o crescimento do poder aquisitivo entre a gerações mais novas, que tem pensamentos muito mais sustentáveis e eco-friendly que as gerações anteriores, é preciso que as marcas se adaptem e comuniquem com essa nova demanda que cada vez mais se concretiza, não como tendência mas sim uma forma de garantir um futuro justo para as futuras gerações.

Seguindo a linha do raciocínio do mercado de luxo e o crescimento de tendências sustentáveis, listamos algumas tendências que ganharam ao longo das últimas semanas espaços e interpretações dentro das grandes marcas de moda e luxo.

Patchwork

O patchwork, técnica milenar de juntar retalhos de tecidos já era usado no século 9 a.C no Egito antigo como uma forma de reutilizar sobras de tecido e prolongar a vida útil de uma peça, já na idade média o seu uso foi para criar peças que iam por baixos das armaduras para proteger a pele das armaduras, a técnica se espalhou por toda a Europa.

Mas só foi no fim da década de 1960 que a técnica foi  de fato introduzida à moda, graças à forte influência da cultura hippie e a valorização crescente das habilidades e do trabalho manual, que são necessários para produzir patchwork. Neste período o surgimento do artesanato tradicional  se tornou uma alternativa à moda dominante, e como a técnica do patchwork é barata e fácil de se fazer, era uma ótima maneira de adicionar individualidade a uma roupa.

Nos dias de hoje, com o agravamento da pandemia e as formas de repensar moda e consumo, a tendência nostálgica aos anos 60,  traz consigo a ideia de que nada é jogado fora, mas sim reaproveitado. Desde o inverno de 2020 a tendência do remendos, vem ganhando presença nas passarelas e assumindo muitas interpretações, como a Marni que exibiu  um sneaker feito de aproveitamentos, Alexander Wang apresentou um terno abstrato em patchwork, o crescente pensamento de conscientização e reaproveitamento foi até uma das principais tendências abordadas no desfile primavera/verão de 2021 da Dolce e Gabbana, abordou o maximalismo do patchwork, fazendo referência a ilha de Sicìlia na Itália, onde diferentes culturas se encontraram, como os espanhóis e os árabes.

Dolce e Gabbana desfile primavera/verão 2021
Tênis da Marni

 

Tecnologia

Couro que costuma a ser sinônimo de luxo, passou a ser questionado com a medida que o veganismo se torna cada vez mais popular e debatido em todo o mundo. Por muitos anos alternativas como o “couro ecológico” eram facilmente anunciadas como veganas e sustentáveis, mas na realidade o couro de poliuretano (PU) ou policloreto de vinil (PVC) são tão ruins e maléficos ao planeta, muitas vezes piores que o couro animal. 

Com a evolução da tecnologia e avanço em pesquisas de têxteis, alternativas começam a surgir para o mercado/consumidores empenhados em consumir produtos sustentáveis. Um exemplo de como a tecnologia vem se tornando uma aliada do mercado sustentável, foi apresentado esse ano pela marca francesa Hermès, que em parceria a startup de ciência de materiais, a Mycoworks, um material similar ao couro, porém feito de cogumelos. Até o final deste ano um dos modelos de bolsa mais famosos da marca, o “Victoria”  passará a ser confeccionado com esse material.

Sylvania, nome dado ao material, foi resultado de uma colaboração de três anos entre a MycoWorks e a Hermès. Com esse lançamento Hermès se junta a outras grandes marcas de moda e luxo no percurso para encontrar alternativas viáveis e não plásticas ao couro animal, devido às crescentes preocupações ambientais. 

Ano passado grandes marcas como Stella Mccartney, Kering e Adidas também anunciaram que estavam investindo em outra alternativa à base de micélio (parte vegetativa de um fungo) chamada Mylo. Para uma marca tão tradicional como a Hermès, lançar um produto como esse foi surpreendente, já que a marca é conhecida mundialmente pelas suas bolsas, que são consideradas um dos produtos de luxo mais procurados em todo o mundo.  Se sua influência conseguir tornar o couro de cogumelo algo cobiçado, seria uma grande vitória para o meio ambiente. Iniciativas como essas são exemplos de atitudes que podem gerar bons frutos para um consumo mais sustentável e a esperança é que, se bem sucedida, a ideia inspire o resto da indústria de luxo para alternativas mais ecológicas.

Bolsa da Hermès

 

Upcycling

Em junho do ano passado, quando as fábricas da Chanel reabriram, Virgine Viard, diretora criativa da marca francesa, montou uma coleção de resort usando botões e fios que sobraram da última coleção, o que parece soar algo bobo é na verdade uma inovação dentro da marca. Já a Prada, lançou um ano anterior o Re-Nylon, uma coleção composta inteiramente por um nylon regenerado, criado através de um processo de reciclagem e purificação de plástico coletado dos oceanos, redes de pesca, aterros e resíduos de fibra têxtil em todo o mundo.

A prática nomeada de upcycling se consolidou até na alta costura. Em janeiro deste ano, os designers holandeses Viktor e Rolf lançaram a sua coleção nomeada de “Haute Fantaisie”, que revitalizou vestidos, tecidos e materiais reaproveitados de anos anteriores, a coleção que foi descrita como uma “rave de alta costura”, proteja uma energia positiva, desafia ideias do que alta costura pode ser.

Upcycling, como descrito nos exemplos anteriores, é o processo de criação de novos itens a partir de materiais já existentes, duplicando o ciclo de vida das peças, e de um ponto de vista criativo, cria uma nova perspectiva estética e de informações ao produto, tornando-o único. O objetivo dessa tendência que está se tornando mainstream é fazer com que o consumidor e o mercado percebam as consequência de uma produção irresponsável e sem consciência. Além de tudo ainda é uma ótima iniciativa para momentos de incerteza econômica, já que a sua produção é feita com peças antigas, descartando então a necessidade de compra de mais matéria prima.

Viktor e Rolf – primavera 2021

 

Não é nenhuma novidade que a pandemia, nos obrigou parar e repensarmos toda a nossa realidade. A sociedade se isolou, sem saber ao certo quando tudo ia passar, e se de fato vai passar, diversas empresas, sejam grandes ou pequenas, enfrentaram e ainda enfrentam grandes desafios. A garantia de um futuro se tornou incerto para nós e para o planeta. Com o levantamento de pautas como a ameaça à sobrevivência humana, a constante degradação dos recursos naturais, a exploração de animais, o abuso ambiental e o aquecimento da temperatura devido à emissão de gases poluentes tornaram a questão ambiental um assunto urgente e necessário. Os consumidores, que cada vez mais se demonstram abertos a discutir tais pautas, e se tornam cada dia mais preocupados com os impactos ambientais e sociais da indústria da moda,  por sua vez decidem apoiar marcas que promovam a  transformação do setor em uma indústria ecologicamente e socialmente responsável. 

E com essa crescente preocupação em processos e cadeias produtivas responsáveis, ideias de reaproveitamento, adesão de uma tecnologia limpa e ecologia são bastantes interessantes. A esperança é que essas inovações veganas, lideradas pelas grandes marcas cheguem no mainstream e possam ser cada vez mais debatidos. 

Um ponto que chama atenção, são as contradições entre discurso e prática da cadeia de moda, resta saber se as marcas de fato se preocupam com uma mudança limpa e responsável ou se é apenas uma estratégia  de marketing para se manterem relevantes no mercado. É importante que as marcas e as pessoas entendam que a sustentabilidade vai muito além de um couro produzido de cogumelos ou a utilização eventual de retalhos. Para entender a sustentabilidade na moda é importante que olhemos para todos os bastidores de uma marca, seja a origem, os processos químicos dado ao tecido, processo de produção, quem costura, quem e como se distribui. 

Uma roupa sustentável não pode ser produzida em larga escala, não há como padronizar, por exemplo, uma peça feita de patchwork já que a ideia da técnica é utilização de retalhos, e não um mix de texturas, tecidos e estampas. Roupas sustentáveis tem uma produção individual, dentro do seu tempo, se preocupando com os impactos ambientais e sociais. As marcas de luxo andam por um campo minado, por muitos anos as grandes marcas de luxo foram responsáveis por ditar tendências e comandar o mercado, agora sob uma nova pressão de um consumidor mais rigorosos, e com a estrondosa força das redes sociais, se tornou fácil para que todos os consumidores ao redor do mundo se juntem e possam de fato cobrar atitudes ecológicas, transparentes, honestas e responsáveis das marcas.

 

 

Edição: Keven Souza