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Artigo de opinião

Por Tales Ciel

Ainda me lembro de quando vi a minha primeira parada gay. Vi pela janela do carro; vi, porque participar eu jamais iria. Lembro-me de pensar “ainda bem que não sou eu”, para muitas das ações incabíveis que estavam fazendo – dois homens que se gostam beijando? O sacrilégio! Mal sabia o pequeno eu o que essa frase iria fazer. Às vezes ainda penso no que poderia ter sido se não tivesse sido doutrinado assim, se não tivesse negado tanto, se não teria começado a perceber mais cedo e me poupado de ter que ir no ritmo que a pandemia me permite, mas sei que não vale à pena ficar pensando nisso. Antes tarde do que nunca, é o que dizem.

Para muitas juventudes LGBTQ+, a percepção de que algo está “errado”, incomodando, começa bem cedo. Para outros ela vem mais devagar, aos pouquinhos. Se é algo do destino ou do subconsciente não tem como dizer e pode ser que seja um pouco dos dois, porque tem pessoas que precisam de mais tempo que outras para entender algo que deveria ser apenas mais uma faceta de existir. Mas o medo, ele nos para, faz com que enxerguemos esses pequenos fatos e condições como errôneos e ruins, com que esses seres humanos que são diferentes – pois é apenas isso que somos, diferentes do “padrão” – se odiarem tanto por dentro, até não acreditarem que merecem viver. Que podem ter uma vida normal, um emprego, uma pessoa para amar. Faz um garotinho olhando duas pessoas que se amam pela janela do carro agradecer por não ser como eles.

E é um absurdo pensar que condicionamos o nosso direito de existir nos padrões que um grupo alheio de pessoas seguem. Que temos que justificar com evidências e provas, um slide de 100 e mais páginas e um estudo de 60 anos o porquê merecemos viver. É uma noção retrógada, nociva e cruel, que muitos não param para perceber. Especialmente num tempo em que os números e fatos que deveriam estar sendo levados em consideração é, talvez, o primeiro lugar que o Brasil ocupa mundialmente no assassinato de pessoas transgêneros ou a relação de uma morte por homofobia a cada 16 horas. Tanto que quando invertemos as cartas, há muitas mais evidências de que nenhum dos que nos subjugam podem provar porquê não podemos, porquê somos “errados”.

Em quase todas as espécies de animais no planeta há a presença de todos as cores do arco-íris, por exemplo existem casais de leões, pinguins, elefantes e muito mais, homoafetivos. Até mesmo nas plantas, com árvores que trocam entre serem do sexo feminino e masculino sem motivação ou interferência externa, apenas o fazem. Sexualidade, gênero e identidade são coisas que fazem parte da mãe natureza e, por extensão, fazem parte da natureza humana. Talvez o problema não seja quem somos, talvez não seja quem amamos, como no chamamos ou queremos vestir. Talvez, o problema não sejamos nós, não seja o menino gay que agradece por não ser o que, na verdade, é. Talvez, o problema seja o medo que aprendemos a ter.

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Crédito: Pixabay

Por Grégory Almeida

Essencial significa aquilo “que constitui o mais básico ou o mais importante em algo; fundamental”. Até aí, ok. Se pesquisarmos uma frase com a palavra, fique certo de que a famosa citação do aviador francês Antoine de Saint-Exupéry saltará aos olhos. No livro, O Pequeno Príncipe, há um diálogo, entre uma raposa e o principezinho, muito relevante sobre a nova palavra de nosso cotidiano. Conhecida por sua astúcia, a raposa se gaba por se deixar guiar pelos sentimentos. Ela acredita que a intuição – no caso dela, o instinto – deve guiar as decisões, e não a razão. E aí vem minha indagação: o que você julga essencial para você próprio deve servir como régua para “o meu essencial”? Pensemos nisso. Ah, leia o livro. O clássico não é só para misses.

Em dias de pandemia, vivemos uma dualidade de sentimentos sobre o certo e o errado. Um conceito cai em minutos, há erratas a todo momento, e, no fim, nos resta contar mortos.  Os dias estão difíceis. Claro que a gente vai ouvir, de alguns super-heróis, que a tal gripezinha não lhes afetou. A estrutura psicológica desses caras foge da realidade. A pandemia reforçou a ideia do ignorar, do desligar da realidade pra não pirar. Ignore esses caras e não pire.

Seguimos. Abre e fecha de comércios, abre e fecha de igrejas. Um abre e fecha disso e daquilo. Protocolos estabelecidos por “grandes nomes”, que regem nossas vidas. Podemos e devemos analisar as decisões pelo caminho da capacidade política de ponderar o cenário, por erro de gestão, por conjurações políticas, pelos tais favores que eles sempre devem, e até pelo seu voto (faça sua autoanálise), mas, talvez, não precisemos analisar seguindo o conselho da raposa do livro: “o essencial é invisível aos olhos”.

Qual o caminho? Talvez ninguém, saiba. A única certeza é que erramos como sociedade. Fecha comércio e empresários vão à falência. Abre comércio e o número de infectados e mortos aumentam. Eu já ouvi: “Se eu não trabalhar, como vou comer?”. Mas não seriam estes que estão levando o vírus para casa? Quem sabe? Já ouvi, também: “As pessoas que querem as igrejas fechadas, evangélicas e católicas, não sabem o poder da fé”.

Mas a bíblia é enfática em dizer: “É melhor ir a uma casa onde há luto
do que a uma casa em festa”. E os versículos seguem nos Eclesiastes. Pois te pergunto: Quem está certo? Pois é, não se sabe. E é claro que temos inúmeros outros serviços essenciais não citados por este que escreve. A intenção, aqui, não é sobre definir certezas, e, sim buscar alternativas para amenizar a dor de todos. Mesmo porque os questionamentos precisam de contexto. E lembre-se; amenizar a dor de todos. Isso mesmo; de todos.

Ao pensar em “todos”, é emergencial implorar aos eleitos que não desprezem a ciência, nem barganhem com ela. Ela, sim, é essencial. Ao seguir as falas do que já ouvi, um engenheiro mecânico me indagou sobre minha decisão por tomar a vacina. Afirmei: “Acredito na ciência!”. Ele respondeu: “Que ciência?”. Ao pensar em todos, teremos de nos preocupar, também, com os “instruídos”. Eles também votam. Alguns deles gostam de contar números de recuperados, e não de óbitos. O que não me parece ser o cenário que mudará a situação. Afinal, os nomes nos obituários estão ficando entre os nossos conhecidos, nos próprios bairros e nas ruas de cima.

Hoje, não teremos respostas e acho que nem precisamos. A gente quer é passar por tudo isso e sobreviver. Quem será aplaudido, não sabemos, mas o alvo de todas as críticas, sim. É preciso pensar que nunca seremos um país sério enquanto estivermos polarizados. Minha barraca de água de coco não é menos importante que sua empresa. Mas, se seu direito de ir e vir me traz um vírus mortal, não é sobre essencialidade que estamos falamos; é sobre você não saber usar seus direitos. Quem pode fica em casa. Quem não pode sai, mas assumindo riscos. E assumir riscos torna a linha tênue sobre “o seu essencial” não ser “o meu essencial”.

Pra fechar: a raposa não é racional, mas o príncipe, sim. E ele decidiu repetir a frase, para guardar na memória.

– Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.

– O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

Qual essencial? “O meu ou o seu”?

 

*Edição: Professor Mauricio Guilherme Silva Jr.