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Cobertura por Ked Maria e Ana Luísa Arrunátegui

Provocando o público quanto aos termos Realismo e Naturalismo, a curadora de curtas da 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Camila Vieira destacou que essas palavras têm ligações históricas e são carregadas de sentidos, durante o Seminário Debate que ocorreu no sábado, 20 no Cine Tenda.

Junto de Camila, estava também os curadores Cleber Eduardo, Francis Vogner, Lila Foster e Pedro Marciel, que explicaram como foram feitas as seleções dos filmes e o que nós podemos esperar do termo realismo.

Camila, após a provocação destacou que a seleção não foi pensada somente sob o olhar do engajamento com o real, segundo ela, a ficção também está presente nos filmes selecionados que serão vistos durante todo o festival. Já Cleber ressaltou que a escolha do tema não foi aleatória, uma vez que, as produções desde 2012 vem com uma relação direta com o real.

O termo Chamado Realista, surgiu a partir das variações de filmes inscritos, selecionados ou não para a Mostra, e que apresenta de maneiras distintas a abertura para a vida. Além de esclarecer que em sua visão a ideia do “realismo” tende para o lado pan-realista. O curador enfatiza que esse tema não está presente em todos os filmes exibidos.

De acordo com Francis Vogner, as experiências contemporâneas, cada vez mais, servem como alimento para produções de curta-metragem, e que isso fica evidente quando se compara com as edições anteriores da mostra. Lila Foster destaca que o tema sugere algo como um documentário ultra-realista permeado por fabulações, pensado em estratégias em que filmes desenvolvem para ter contato com o real.

Exemplo deste chamado realista é o curta Vaca Profana, de René Guerra, um dos quatro curtas exibidos dentro dessa temática no Cine-Tenda, foram 16 minutos de emoção com a história de Nádia, uma travesti que sonha em ser mãe. Pontos Corridos, tirou risos dos espectadores com a fugaz amizade entre um homem com problemas e o motorista derivada de uma música. Outro curta-metragem que se destacou na Mostra Panorama foi o Intervenção de Issac Brum, explorando a tensão e os conflitos com a polícia, o diretor despeja a violência e as decisões de um motoboy.

Por Ked Maria 
A 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes além de difundir a sétima arte, dá destaque para grandes nomes do cinema e abre espaço para quem está começando no mercado audiovisual. O Jornal Contramão conversou com quem está estreando na Mostra de Tiradentes para saber mais sobre as produções, os desafios e a expectativa da apresentação de seus trabalhos.

 Maria Cachoeira
21/01 | Domingo – 15h00 | Cine-Tenda


Escrito e dirigido por Pedro Carcereri, de 29 anos, o curta-metragem “Maria Cachoeira”, exibido onze vezes em mostras e festivais brasileiros e seis internacionais. O curta contou com o apoio da Lei Murilo Mendes de incentivo à cultura de Juiz de Fora. “Nossa ideia foi ambientar a narrativa nas pessoas e lugares que melhor pudessem representá-la, por conta disso nos utilizamos de locações e moradores (não-atores) de Torreões, um distrito de Juiz de Fora.”, relata Carcereri que confessa se sentir satisfeito com a troca que envolve a sociedade na realização cinematográfica.


O interesse pelo cinema surgiu na vida do diretor em 2008, quando frequentava festivais como o de Tiradentes e cursava outro curso na faculdade. “Comecei a conviver com pessoas da área, sempre escrevi e fui atento a filmes, mas de 2009 pra frente comecei a estudar e produzir.”, confessa o jovem-adulto que teve seu primeiro curta, “Modorra”, lançado em 2014. “Sempre pesquisei e tentei produzir um tipo de cinema que chamo de fantástico, onde elementos sobrenaturais se mesclam com certas peculiaridades à nossa realidade.”, e complementa alegando que esse tipo de cinema se mostrando muito fértil no sentido de produzir uma estética relevante quanto uma discussão social no Brasil.


Com todos os preparativos para a 21ª Mostra de Cinema Tiradentes, Carcereri demonstra entusiasmo com a exibição de Maria Cachoeira. “É um festival pelo qual tenho muito carinho, por ter sido meu primeiro contato com o cinema há dez anos atrás, levar meu primeiro filme para lá faz muito sentido na minha caminhada cinematográfica, além de ser um imenso prazer.”, Sobre o temaChamado Realista, o jovem destaca que o momento que vivemos no Brasil nos choca com a responsabilidade de estarmos atentos para que novos cataclismas políticos e sociais não venham a acontecer, apesar da certa iminência deles. “Devemos estar conectados com a realidade nua e crua, mesmo que flertando com diversas outras formas de realidade é importante para uma construção cinematográfica contemporânea”.

Maria Adelaide
24/01 | Quarta – 17h30 | Cine Teatro SESI

 

Com direção de Catarina Almeida de 23 anos, o curta-metragem Maria Adelaide é sobre uma retirante nordestina que se descobre na cidade grande do Rio de Janeiro. Resultado de um trabalho de conclusão de curso, o processo de produção durou cerca de um ano e meio. Almeida conta que o início se deu no sexto período, onde o roteiro foi escolhido para uma defesa oral. “Dessa defesa, 2 projetos foram aprovados, entre eles, o “Maria Adelaide”, que na época tinha até outro nome. Seguindo para o 7º período, tivemos 6 meses para produzir todo o filme.”, relata a diretora. A arrecadação de fundos para a pré-produção se deu com bazar, rifas e financiamento coletivo, as filmagens foram feitas em sete dias seguidos de manhã até a madrugada. “Foi um processo de extremo aprendizado e também foi onde a turma toda se uniu muito para produzir o filme da melhor forma possível.”, Catarina afirma que o resultado foi uma consciência de que o trabalho em equipe é a forma mais gratificante e gostosa de se aprender a trabalhar.

O cinema sempre esteve presente na vida da jovem diretora, “Minha madrinha fazia faculdade de Cinema quando eu tinha uns 8 anos, e eu me lembro de assistir com ela Cidadão Kane (não entendia nada), e até os filmes de terror, que eu assistia escondida na beirada da porta.”. Mas foi em 2013 quando entrou para a Escola Cinema Nosso que Catarina teve um contato real com as telonas, com criação de roteiros, aprendizados sobre posicionamentos de câmera e termos técnicos. “Eu não tenho um estilo de filme favorito, eu gosto do filme que de alguma forma me desperta interesse, principalmente aqueles que envolvam questões relacionados ao ser humano”, comenta a diretora e complementa dizendo que gosta de histórias que a faça refletir, seja através das risadas ou lágrimas.

Maria Adelaide, já passou por festivais no México e na Itália, além do Brasil, na Bahia, Porto Alegre, Santos e Curitiba. Foi premiado como Melhor Curta de Ficção no NEOfest em Puebla e direcionada ao público LGBTQ em Napoli. Ansiosa para a 21ª Mostra de Cinema Tiradentes, Almeida ressalta a importância desses espaços para quem está começando no mercado audiovisual, “A recepção do filme está sendo algo inimaginável. É importante demais para nós universitárias e recém-formadas, perceber essa abertura em festivais tão múltiplos, além de servir como um super apoio para prosseguirmos produzindo e fazendo o que amamos, que é o cinema.”. A jovem confessa curiosidade sobre os filmes relacionado ao tema Chamado Realista, uma vez que, ela se sente próxima dessa expressão artística. “Os debates do ano passado me acrescentaram bastante, principalmente pela presença da mulher que mais me inspira cinema. Acredito que esse ano os debates também vão trazer diversas reflexões e direções futuras para o cinema nacional.”, declara a diretora.

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Por Kelly Lima

Nos filmes de Naomi Kawase não há temática mais clara do que vida e morte. Em Floresta dos Lamentos, isso é expandido e passa pela celebração de ambos estes momentos e também pela discussão do que é estar vivo e do que acontece quando morremos.

Na história, um senhor chamado Shigeki perdeu a esposa há 33 anos e se encontra agora em um lar para idosos onde Machiko, uma jovem que recém perdeu o único filho, cuida dele. O título do filme em japonês “Mogari no mori” se refere ao “(…) período dedicado ao luto e à memória daqueles que morreram. ‘Mogari’ significa o ‘final do luto’.”

Vida e morte são alternados quando o filme começa em um enterro, segue para uma conversa sobre o que é estar vivo, passando pela explicação do que ocorre 33 anos após a morte de alguém (a esposa de Shigeki) – esta pessoa sofre uma “libertação”, se torna um Buda e não mais irá vagar pela Terra –, o luto de uma mãe (Machiko) que reza para o filho, a comemoração de um aniversário (de Shigeki), uma conversa sobre o que nos espera após a morte.

Alguns questionamentos surgem durante o filme, dentre eles, o que é estar vivo? O Mestre diz que há duas respostas: o simples ato de comer faz você estar vivo e o de se perguntar “qual o propósito da minha vida? ”. Esta cena, além de mostrar com uma única frase a dor do luto – “como se sentir vivo quando se está sozinho? ”, uma pergunta que paira sem resposta e ecoa por todo filme – pode ser rapidamente associada a uma cena futura em que um personagem pergunta “por que eu estou vivo e meu filho está morto? ” Um questionamento que nos leva de volta ao título do filme: o período dedicado ao luto.

Ao que parece Kawase representa no filme todas as fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. E Shigeki parece ter um misto de todos esses sentimentos: no início ele claramente nega que a esposa morreu; logo em seguida fica com raiva e agride Machiko (o que se repete ao longo do filme); depois fica recluso – aparentemente depressivo –, tenta barganhar o fato de que a esposa morreu dizendo que tem que ir visitá-la (na floresta) e já no fim do filme (fim do luto) aceita a morte. Não só aceita a morte dele naquele momento, que pode ser interpretada como figurativa quando o luto acaba, como a morte da esposa.

A música, tocada ao piano, é recorrente nos momentos de maior interação entre os protagonistas Machiko e Shigeki. É como um respiro, o momento em que os dois estão “mais vivos” e, repentinamente, a realidade da perda e do luto os faz retornar ao estado absorto em que se encontravam e o silêncio (aqui no sentido de ausência de música) retorna. É como se ocorresse uma tentativa de fugir desse período da vida e da morte que é o luto, mas por ser algo natural – afinal todos morremos e vemos os entes queridos morrerem – é impossível. Pelo contrário, deve-se aceitar e lidar com este momento.

E é com este entendimento que entramos na floresta do título junto de Machiko e Shingeki (este que vai em busca da esposa falecida). Quando eles entram na floresta, a chuva cai e os conecta de vez. O que existia de desentendimento e culpa é levado pela chuva, ainda que exista um sofrimento que está por vir. Como Kawase (apud MAIA e MOURÃO, 2011, p. 09) diz: “Chove quando eu não quero que chova; o sol se levanta mesmo sem que eu queira. A noite cai e o dia finda. Assim como esses fenômenos, as coisas acontecem sem nenhum significado real. Mas o coração das pessoas muda. Só das pessoas, não dos outros seres vivos. Por exemplo, flores e plantas. Elas apenas recebem a chuva do céu. Mas as pessoas sentem frio ou dor quando o tempo está bom e chove”.

Logo depois vem o fogo, que os aquece e os protege. “Estamos vivos” diz Machiko, mas será? Ao que parece, a morte é iminente e logo depois disso Shigeki ainda vê, toca e dança com sua esposa falecida, para depois encontrar sua “lápide” que procurava na floresta e embaixo dela cavar seu túmulo, dando fim ao processo de luto e das próprias vidas – sua e de Machiko, afinal a possibilidade de ambos serem encontrados em uma floresta tão densa é quase inexistente.

A frase: “Não existem regras rígidas por aqui”, várias vezes repetida no filme, pode reforçar um dos aspectos da filmografia de Naomi Kawase: vida muitas vezes pode não ser literalmente representada por um nascimento e morte, pode não ser literalmente representada por um enterro. Kawase representa a complexidade da vida e da morte em seus filmes de maneira simples e sutil. Vida e morte são, além de milagres, naturais (da natureza, no sentido mais simples da palavra) e inevitáveis, pois ocorrem ao acaso e contra eles não é possível se opor, apenas lidar com o que existe de mais belo e assustador.

3 2013

Por Bianca Rolff

 

“Há algo de podre no Reino da Dinamarca”. (SHAKESPEARE, W. in: Hamlet)

“Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você. (NIETZSCHE, F. W. in: Além do Bem e do Mal)

 

Dinamarca. Neste país de reconhecimento shakespeariano – uma expressão, aqui, literal –, encontramos após algumas centenas de anos, outra arte sobre a qual é interessante nos debruçarmos: o cinema. E mais especificamente sobre o cinema de um artista da contemporaneidade cujas características se mostram, em si, contraditórias e questionáveis: se ao mesmo tempo este cinema se pode dizer, por muitos, necessário, por seu intrínseco paradoxo e possibilidade de discussão, também se faz bastante plausível cogitarmos se a sua existência acrescenta, de fato, algo à evolução do homem enquanto ser. De Shakespeare para Lars Von Trier, de Hamlet para Dogville e Manderlay, falemos sobre a humanidade. Ou sobre uma visão muito particular e decadente dela.

Tomando como material de análise o cinema de Von Trier, inicialmente voltamos o nosso pensamento à sua criação balizadora da produção cinematográfica: o Dogma 95. Mas não mais do que cinco minutos dos filmes aqui retratados, mais especificamente Dogville (2003), por ser o primeiro, para percebermos que o Dogma é descumprido veementemente por seu criador.  O que vemos é uma grandiosa tentativa de um cinema que ostenta técnica e recursos cinematográficos numa tentativa de englobar outras áreas artísticas.

Dogville é o primeiro de uma inconclusa trilogia crítica aos Estados Unidos da América, que pretende, aparentemente, demonstrar como o homem é o lobo do homem. Neste aspecto, não há dúvidas de que o sadismo paulatino dos personagens de Von Trier ilustra a capacidade do homem de ser mau por mera escolha de caminhos. Entretanto, a crítica a esta humanidade animal se esvai de sentido, na medida em que só o que se vê é um caos completo, sem nenhuma maneira de escape ou visão minimamente libertadora para o futuro da humanidade. Ainda que sua “forte” personagem feminina se valha de todos os seus ideais até o último instante, até mesmo ela sucumbe às mazelas inerentes à nossa pobreza de espírito. Se só há a maldade nesse universo tão meticulosamente construído, onde está a crítica?

E esta visão pessimista e desagradável é estendida por outras duas horas e meia de filme em Manderlay (2005). Entretanto, se em Dogville ainda mantínhamos certa esperança, ou mesmo uma curiosidade com aspectos tanto técnicos (o cenário teatral, a câmera na mão – herança do Dogma 95? –, a montagem visível através de cortes assimétricos e ligeiras repetições dos momentos), quanto narrativos (há em nós torcida quando a protagonista Grace foge de Dogville, acreditando estar se libertando daquele lugar tão pequeno e sórdido, e até mesmo certo contentamento com a vingança final, afinal, a catarse nos é intrínseca), em Manderlay não nos resta nada, senão esperarmos por qual final trágico teremos para os personagens.

Dogville, Lars Von Trier. 2003

Não há, para Von Trier, escolhas além do desastre. Manderlay nada mais é do que um prolongamento do martírio de Dogville, sem nem mesmo inovar na técnica e no modo de se contar a sequência. Inicialmente, podemos dizer que são filmes cujo intuito de incômodo e reflexão se concretizam no espectador, uma vez que nos proporcionam contato com aquilo que de pior temos. Mas para além disso, se fizermos uma análise um pouco mais profunda do que se pretendeu, cinematográfica e humanamente, o que vemos é um vazio de causa, já que nem mesmo uma dualidade dos antagonismos Bem e Mal se coloca de maneira convincente nos filmes. Somos todos lobos, e ponto final. Não há humanidade, apenas oportunidade (aliás, Von Trier acredita em algum momento que haverá, para nós, alguma forma de salvação?). O sadismo visto em seus personagens nos leva a um ponto ainda mais controverso e, se conclusivo, assombroso: o sadismo do próprio cineasta em relação aos espectadores de sua obra. Há uma vontade e uma realização de um martírio em cima de nós, desencadeando a desesperança e a crença de que podemos (devemos, quiçá) desistir. Von Trier cria uma crença perigosa a partir da sua descrença na humanidade.

Manderlay, Lars Von Trier. 2005

Talvez este seja um ponto para refletirmos porque a trilogia não se concretizou até o momento. Ou porque não há mais nada para mostrar, ou porque o autor percebeu a sua falha argumentativa e preferiu não bater na mesma tecla quebrada pela terceira vez. Parece que Von Trier busca uma ilustração cinematográfica do pensamento forte e também negativista de Nietzsche a respeito do homem como ser que precisa dos abismos e das desigualdades para evoluir. Ir além do bem e do mal, significando uma ausência de crença em Deus e de suas proteções aos mais fracos e oprimidos. Mas ao camuflar o seu discurso como crítica à humanidade, Von Trier se afasta de Nietzsche e nos mostra apenas um produto artístico que não visa solução, mas constatação generalizada. Nietzsche, por mais controversas e perigosas fossem as suas elucubrações, via uma evolução humana, ainda que pautada em atitudes que justificariam a nossa Vontade-de-Poder. O que Lars Von Trier faz é uma involução, ao nos colocar num mundo onde há apenas um lado: o do desastre.  Permanece a sensação de que o abismo que nos olha de volta é, ao contrário do abismo de Nietzsche, muito raso.

 

 

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Por Ana Paula Tinoco 

A Mostra de Cinema de Ouro Preto – a CineOP – chega a sua 12ª edição e irá acontecer entre os dias 21 a 26 de junho. Sob o tema “Quem conta a História no cinema brasileiro? ” O enfoque neste ano será “Emergências Digitais” e a entrega do Plano Nacional de Preservação com a temática histórica “Quem conta a História? Olhares e identidades no cinema brasileiro e na Educação, “Emergências Ameríndias”.

 

Os homenageados da 12ª edição serão dois nomes que se destacaram na cena audiovisual brasileira: Antônio Leão e Cristina Amaral. O evento que receberá 100 profissionais de vários Estados do País tem como propósito a preocupação com a preservação do acervo que abriga as obras cinematográficas brasileiras.

Outro destaque presente na Mostra deste ano são as iniciativas que abrirá diálogo direto com os moradores, o Cine-Expressão – A Escola vai ao Cinema e a UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto. Os dois programas pretendem oferecer sessões que beneficiaram estudantes e professores.

A mostra que tem sua programação estruturada em três pilares, preservação, história e educação, oferece uma programação variada que inclui exibição de 60 filmes em pré-estreias, retrospectivas e mostras temáticas, homenagens e personalidades do audiovisual, oficinas, workshops internacionais, debates, seminários, exposições, lançamentos de livros, shows e atrações artísticas e tudo isso gratuitamente.

 

Serão três lugares ocupados pela Mostra em Ouro Preto: Cine Vila Rica, Centro de Convenções e a Praça Tiradentes.

Para outras informações: Programação 12ª CineOP

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Foto Reprodução internet

Por Manuella Guerra

Originários da Bélgica, os irmãos Dardenne conservam em seu cinema um estilo próprio e singular. Nos primeiros minutos de filme já é possível reconhecer a autoria daquela obra. A semelhança entre os filmes, para além da parte técnica, se dá também no olhar dos diretores para o mundo. Seus personagens são magistralmente humanizados, reais, únicos e emocionantemente imperfeitos.

No meio de alguma ação já em andamento, surge a câmera. Claustrofóbica, incansável, invasiva e fascinada. A câmera, o olhar dos diretores, o nosso olhar: insaciáveis por mais daqueles personagens, acompanhando-os sem cessar.

Planos fechados, às vezes tão próximos que quase podemos sentir a respiração daquelas vidas; a câmera parece pulsar junto à pulsação delas. A câmera é asfixiante, mas também é ela que testemunha e mostra ao mundo o quão asfixiante aquela vida é. As obras dos Dardenne são reflexões políticas e sociais que se dão a partir da individualidade, estimulam nos espectadores uma forte conexão com aqueles seres e seus dilemas.

Os irmãos Dardenne apresentam um olhar sem julgamento, sem ditar regras ou destilar moralismos. Não fornecem respostas prontas, mas apresentam a situação, o objeto de interesse e é como se depois deixassem em nossas mãos os questionamentos, a possibilidade ou não de entender as escolhas e atitudes das personagens.

Ao final dos filmes a sensação talvez seja a de uma incapacidade de julgamento, pois eles parecem criar uma narrativa de modo a evitar uma análise crítica moral dos atos. Os erros, “imperdoáveis”, dentro de contextos específicos e individuais, somos até capazes de compreender, mesmo quando não concordamos. Não há uma moral na história, a intenção dos diretores não é apontar o certo e o errado. Trabalham com as questões sociais, a marginalidade, o vazio, a pobreza, o individualismo, as falhas e degradações causadas pelo sistema capitalista. As necessidades e transformações dos seres humanos dentro das micro-cadeias econômicas e seus dilemas morais.

 

Em A Criança, Bruno, o pai inconsequente, vende o bebê que teve com sua namorada e vive de pequenos furtos. Mesmo assim cativamos por ele no mínimo um sentimento de pena, de empatia maior do que a vontade de punição.

Nos filmes dos cineastas, vemos uma variedade de situações. Rosetta é uma jovem solitária que divide um trailer com a mãe alcoólatra em sua guerra diária por um emprego, por uma vida “normal”; Bruno e Sonia, jovens sem perspectiva alguma que vagam pela cidade com o filho recém-nascido. Um pouco menos à margem, a médica Jenny, solitária e apática, que dedica cem por cento de seu tempo e atenção aos pacientes e Sandra que, além da depressão, tem que vencer também a sua luta para convencer os colegas de trabalho a abdicarem do abono salarial recebido em troca do posto dela na empresa. Todos habitantes de uma Europa pouco próspera, em crise.

Há poucas falas nos filmes, os diálogos são curtos e pontuais, não nos fornecem um contexto completo sobre aquelas histórias. Conhecemos os personagens pelos seus olhares, gestos e atitudes ao longo do filme. Eles mantêm uma opacidade. Essa opção por seguir a nuca (e não os rostos de frente) se relaciona com isso. A ausência de trilha musical também é marca registrada no estilo naturalista dos Dardenne, que se aproxima do documental.

Os filmes apresentam uma Europa mais humilde, problemática e debilitada. Mas existe nos Dardenne uma universalidade. A crueza de seu cinema nos aproxima de uma realidade onde não há como não se abalar com o escândalo das imperfeições, perturbações, angústias e das dores da existência, sentimentos inerentes à raça humana. Possuem uma estética despida e imperfeita em que apresentam um hiper realismo de extrema sensibilidade, simplicidade e acima de tudo, de um humanismo perturbador.