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costume

Por Keven Souza e Júlia Thais 

A moda é um documento que acompanha e registra a trajetória de um povo. Desempenha papéis importantes na sociedade. É por meio das indumentárias que realçamos significados que dizem quem somos e de onde viemos, sendo importante, ainda, expressarmos mediante ao que usamos. E na periferia essa premissa não é diferente! 

É por meio de origem, trajetória e estilo de vida que se evidencia a moda presente nas favelas da sociedade brasileira. O estilo periférico, como se nomeia as roupas vestidas por quem mora em uma área à margem da cidade, tipifica a vestimenta de quem vive ali e parte de um lugar singular e perene, da arte.

Esse estilo de roupa tende a valorizar narrativas e anseios de quem o veste, e, acima de tudo, dá palco para diversidade, acessibilidade e tamanha personalidade. O que o difere da alta moda e do universo fashion luxuoso. “O que é muito comum nas regiões periféricas é possuir algumas características que nos trazem a proximidade com o grupo ao qual estamos inseridos. O mais presente nas pessoas dessa região demográfica é o sentimento de pertencimento. Então, quando analisamos superficialmente, acreditamos que todas se vestem igual, mas na verdade elas criam suas próprias narrativas das suas vivências individuais e em grupos”, explica o stylist e fashion designer, Pedro Birra. 

Retrata, ainda, costumes e comportamentos de minorias e preenche, ao longo do tempo, lugar imprescindível na vida das pessoas do gueto. E é com esses pontos que o estilo está, também, presente no lugar mais alto da favela: na laje! 

A laje é símbolo que muito diz da força, dos laços e dos saberes dos moradores da favela. É um espaço onde se pode construir e reverberar costumes sociais, culturais e considerar ações pontuais no tempo ocioso.  E a partir daí surge o churrasco na laje. 

O churrasco na laje é uma forte tradição que se estabeleceu em todo o Brasil, especialmente em camadas mais pobres da sociedade, que caracteriza ideais e costumes dos moradores. Um evento que traz peças e estilos de roupas plurais que remetem a descontração, a alegria e o calor nesse momento de lazer. É o que afirma Pedro. “O churrasco na laje, assim como outros eventos presentes neste determinado grupo (moradores da periferia), é uma forma de diversão e para esse tipo de encontro a produção passa primeiro pelo conforto, então shorts, chinelos, são muito bem vindos”, diz. 

Pessoas no churrasco na laje. Foto: Jessi Goes.

Dito isso, listamos algumas peças comuns vistas no churrasco na laje. A primeira delas é a camisa de time de futebol. A periferia tende a valorizar a figura da celebridade do futebol, enxergando nesses indivíduos uma representatividade da comunidade, pelo simples fato do jogador de futebol ter nascido lá. 

Outra peça carimbada do estilo da periferia e no churrasco na laje é o short jeans. Não há uma peça que esteja mais presente na vida do brasileiro, do que os shorts jeans. Usado desde ocasiões mais informais, até em lugares que pedem algo mais elaborado.

Lado a lado ao short jeans, o chinelo Havaianas (que nem sempre é da Havaianas), possui sua relevância no momento de lazer. O calçado sintetiza a simplicidade, uma atitude de relaxamento, de verão, de praia, um estado de espírito do Brasil. Por isso, tem sempre alguém usando-o como parte de um look ousado no churrasco na laje. 

Falando de ousadia, o biquíni de fita já é, quase, a irmã do shorts jeans, devido sua grande participação nos churrascos da periferia! Coloridos ou não, tradicionais ou ‘diferentões’, a técnica de pregar fitas nas partes íntimas em forma de biquíni ou sunga já é uma trend nas lajes. E com a indústria musical, popularizado para além da favela por Anitta no clipe de ‘Vai, malandra’, tal técnica já é marca registrada na moda da favela. 

A cantora está entre os artistas brasileiros que saíram da periferia e continua mostrando com clareza, roupas e práticas que são comuns nas comunidades. Em Vai Malandra, clipe gravado em 2017 no Morro do Vidigal, podemos encontrar o famoso bronze na laje, que faz parte da rotina de muitos moradores da periferia. 

Ludmilla, Anitta e Mc Cabelinho. Arte: Jessi Goes.

Com referência e muita representatividade, Ludmilla é outra artista que aposta em looks baseados na moda periférica. Nascida e criada em Duque de Caxias, a cantora e suas bailarinas no clipe Rainha da Favela, gravado em 2020 na Rocinha, Rio de Janeiro, trouxeram peças de roupas bastante comuns em churrascos na laje. E já o cantor e ator, Mc Cabelinho em seu videoclipe da música Little Hair, gravado no Morro da Caixa d’Água, com Felp 22 e Xamã, faz uma releitura do churrasco na laje, além do estilo visto no gueto. 

O fato é que o estilo periférico conquistou o seu lugar tanto no universo da moda quanto no meio artístico, e, desde então, possui interferência na indústria musical graças às suas características. Da mesma maneira que a indústria possui lugar referencial para quem sempre teve tão pouco acesso. E é neste movimento de conversão de influências que se completa um processo cultural, rico e cíclico, que se sobressai e se pode ver perfeitamente no churrasco na laje.