Tags Posts tagged with "criança autista"

criança autista

0 945

O Transtorno do Espectro Autista afeta 70 milhões de pessoas no mundo sendo 2 milhões apenas no Brasil

Por Italo Charles

Após uma demora no processo de andar e por volta dos 2 anos de idade, Miguel Gaspar dos Santos – hoje com nove anos – apresentava, também, um atraso na fala, sintoma pouco comum para crianças da mesma faixa etária.

Foi então que sua mãe, Maria Beatriz Gaspar, 49, percebeu que algo diferente estava acontecendo e resolveu procurar informações e auxílio médico para entender a situação.

Na época, a procura por profissionais a fim de entender o que havia era incessante e custosa. Miguel e sua mãe, Beatriz, foram a quatro médicos pediatras que alegavam que o atraso na fala era normal, entretanto, já cansada, Beatriz pediu ao último pediatra consultado um encaminhamento para neurologista.

“Nós fomos em quatro pediatras diferentes e todos falavam a mesma coisa, que o atraso na fala era comum e que eu esperasse fazer 4 anos. No último pediatra, já estava cansada, falei que tinha plano de saúde e pedi encaminhamento para um neurologista com a esperança de conseguir um diagnóstico mais preciso”, comenta Maria Beatriz.

Com o encaminhamento em mãos, novamente mãe e filho presenciaram certa dificuldade para encontrar um especialista para a idade de Miguel. Quando encontrado, a consulta demorou, visto que havia poucos especialistas e uma demanda de pacientes enormes.

Chegada a consulta, ao examinar Miguel e perceber alguns gestos, a neuropediatra  questionou Beatriz se seu filho sempre repetia o mesmo gesto e se havia outras características. Beatriz então começou a perceber que Miguel dispunha de vários comportamentos específicos. No final da consulta, a médica encaminhou Miguel para avaliação com psicólogo, fonoaudiólogo e psiquiatra a fim de colocar um laudo para o caso.

“Após a consulta comecei a observar alguns aspectos. Miguel só comia macarrão, podia ser de todo jeito, mas só macarrão. Percebi que ele sempre repetia o mesmo gesto, brincava somente com carrinhos vermelhos, ele tinha muitos brinquedos, mas só brincava com carrinhos vermelhos e, também, usava só um tipo de roupa”, destaca Beatriz.

Outra grande dificuldade foi encontrar os especialistas para idade de Miguel, porém, dado momento e já com  acompanhamento psicoterapêutico Beatriz se viu em uma situação inesperada. “Em uma das consultas, conversei com a psicóloga e disse que a neuropediatra havia solicitado um laudo para poder dar o diagnóstico, mas a psicoterapeuta me disse que já havia o diagnóstico de Autismo, nessa hora eu fui ao céu e voltei”.

Com a notícia e explicações, Beatriz, em casa, começou a se adaptar à situação e fez pesquisas na internet para obter mais informações sobre o Autismo. Ao longo dos anos, com devido tratamento e acompanhamento Miguel evoluiu e é identificado com a “Síndrome de Asperger”.

Transtorno do Espectro Austista

Segundo dados do DCD (Center of Deseases Control and Prevention) em português “Centro de Controle e Prevenção de Doenças”, o autismo afeta 70 milhões de pessoas em todo mundo. Só no Brasil a estimativa é de 2 milhões de pessoas.

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) faz parte do grupo de Transtornos do Neurodesenvolvimento. De acordo com a Psicóloga Jeniffer Viana Lobemwein, o TEA é caracterizado pela dificuldade  persistente na comunicação social e na interação social incluindo dificuldade na reciprocidade social, em comportamentos não verbais de comunicação usados para interação social em habilidades para desenvolver, manter e compreender relacionamentos.

Ainda não se sabe a causa exata do TEA, mas, um estudo publicado  pelo JAMA Psychiatry em 17 de julho de 2019 sugere que 97% a 99% dos casos de autismo têm causa genética, sendo 81% hereditário. O trabalho científico, com 2 milhões de indivíduos, de cinco países diferentes, sugere ainda que de 18% a 20% dos casos tem causa genética somática (não hereditária), e o restante, aproximadamente de 1% a 3%, devem ter causas ambientais, através da exposição de agentes intrauterino, como drogas, infecções e possíveis traumas durante a gestação.

O autismo, de acordo com pesquisas da área, pode se manifestar desde o primeiro ano de vida da criança com indicadores de falhas na comunicação e interação. Os primeiros sinais podem ser observados entre os 15 e 18 meses, embora seja uma fase precoce para a conclusão do diagnóstico. Os especialistas apontam como idade ideal para avaliação e diagnóstico da síndrome a faixa etária dos dois aos três primeiros anos de vida da criança.

Psicóloga Jeniffer Lobemwein

Jeniffer explica que segundo o DSM- 5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) o TEA possui  3  níveis de comprometimento, são:

  • Nível 1 (leve): Os pacientes necessitam  de apoio, possuem dificuldade para se comunicar, interagir ou não têm interesse em se relacionar, apresentam resistência a mudanças e problemas de organização e planejamento. 

 

  • Nível 2 (moderado): Existe a necessidade de apoio substancial, apresentam déficit notável nas habilidades de comunicação tanto verbal quanto não verbal, possuem pouca interação social com outras pessoas (praticamente sem diálogo), evitam mudança na rotina pois tem dificuldade em lidar com ela. O nível 3 é o meio termo entre o leve e o severo.

 

  • Nível 3 (severo) : Necessitam de apoio muito substancial, apresentam dificuldade severa na comunicação verbal e não verbal, demonstram muita limitação para interagir com outras pessoas, não suportam mudanças na rotina, apresentam comportamentos repetitivos e restritivos que interferem diretamente na vida (do paciente) e das pessoas em suas volta, são mais dependentes dos pais para realizar as atividades do dia a dia, como, por exemplo, se vestir ou comer.

Dentro da categoria Nível 1 está identificada a Síndrome de Asperger – Transtorno que se assemelha e enquadra ao Autismo. O termo foi suscitado em homenagem ao pediatra e psiquiatra Austríaco Hans Asperger que, quando criança, apresentava sinais de transtorno.

Segundo Jeniffer  as pessoas com Asperger apresentam-se mais funcionais e em grande parte dos casos não manifestam atrasos nos marcos do desenvolvimento.

“Embora costumem apresentar interesses restritos e comportamento mais excêntrico, não há deficiência intelectual e algumas apresentam QI superior ou altas habilidades. Também não há atraso significativo na aquisição da fala, porém, a Síndrome de  Asperger conta com particularidades: repertório verbal extenso e mais formal, alteração na prosódia, timbre e altura de voz. Costuma existir falhas na compreensão de figuras de linguagem, gírias, piadas, mímicas faciais e linguagem corporal, interpretações mais literais, além de dificuldades em iniciar e manter uma conversa. A fala geralmente é mais para demanda própria do que para compartilhar”, explica. 

O TEA apresenta sintomas ou sinais, na maioria dos casos ainda enquanto crianças. “Alguns se manifestam com maior ou menor intensidade ou podem não ser observados”, explica Jeniffer.

  • Pouco contato visual;
  • Atraso na fala;
  • Manias (ter um jeito próprio);
  • Não ter medo de situações perigosas;
  • Acessos de raiva;
  • Hiperatividade;
  • Gostar de brincar sempre com o mesmo brinquedo;
  • Dificuldade em expressar seus sentimentos com fala ou gestos.

Como no caso de Miguel, é importante que os pais e familiares percebam possíveis sinais que possam levar ao diagnóstico de Autismo e assim realizar o acompanhamento. 

Para compreender melhor o processo de diagnóstico, a psicóloga Jeniffer explica que o  diagnóstico do TEA é apenas clínico e que para certificar que uma pessoa é autista, é preciso observar o comportamento do paciente e analisar informações coletadas com pessoas que convivem com o mesmo, “Todo o processo é delicado e, por isso, é necessário ser realizado por profissionais capacitados”.

Jeniffer ressalta que de acordo com a faixa etária do paciente os profissionais a serem procurados são diferentes. Enquanto crianças neuropediatras e pediatras, no caso de adultos neurologistas e psiquiatras “Depois de uma avaliação dos mesmos eles encaminham para os profissionais que acharem necessário para realizar o fechamento do diagnóstico e acrescentar no acompanhamento da criança/adulto”, salienta.

Adquirir o diagnóstico precoce possibilita que o paciente seja condicionado aos tratamentos que tendem a propiciar condições melhores ao desenvolvimento a partir do momento em que os profissionais começam a trabalhar as principais habilidades, sobretudo aquelas que estão ligadas à comunicação e à sociabilidade.

As possibilidades surgidas durante esse processo são inúmeras, a começar pelas orientações que os médicos e os demais especialistas dão em cada consulta. A informação repassada aos pais é essencial para a condução da criança, seja no ambiente doméstico ou até mesmo escolar.

Desenvolvimento e impacto

O TEA em meninos é mais comum. A proporção é de quase 5 meninos afetados por cada menina. Os sintomas iniciais apresentados pelos meninos autistas incluem maneirismos, comportamentos repetitivos e interesses altamente restritos. Acredita-se que os sintomas menos reconhecíveis em meninas estão levando não só ao diagnóstico tardio, mas também a uma sub-identificação da condição.

Como no caso de Miguel, o atraso na fala pode ser muito comum, entretanto, com o tempo pode ocasionar sérias consequências quando não diagnosticado e tratado. 

“O atraso da fala pode trazer sérias consequências para o processo de aprendizado, assim como para as interações sociais. É a partir do quarto mês que o bebê começa a balbuciar e emitir alguns sons repetitivos, esse é um dos marcos principais para o desenvolvimento da fala. Por isso, se o bebê não está balbuciando, é preciso investigar “, comenta Jeniffer.

Não somente o atraso na fala, há também comportamentos repetitivos que podem ser importantes para a identificação do autismo. Denominado hiperfoco ou interesse restrito é uma condição intensa de concentração em um mesmo tema ou tarefa. 

Em pessoas com TEA o hiperfoco acaba fazendo parte da categoria de padrões comportamentais restritos e repetitivos. A estereotipia que consiste em bater os pés, balançar o corpo, girar objetos, emitir sons repetitivos, entre outros, são movimentos auto regulatórios feitos para buscar sensação de bem-estar ou ainda para aliviar o estresse.

Mitos relacionados ao Autismo

O Transtorno do Espectro do Autismo carrega em si muitos estigmas e mitos, muitos deles podem e são ofensivos aos autistas e seus familiares.

 

  • O autismo é causado pela falta de afeto dos pais;
  • O autismo é causado pela exposição a determinados materiais tóxicos, como o mercúrio;
  • Uma criança autista pode ser curada com uma intervenção psicoterapeuta
  • A única coisa que pode ajudar uma criança autista são as intervenções médicas
  • O autismo passa com a idade;
  • Nenhuma terapia é realmente útil: na verdade, não há nada a fazer;
  • O autismo é um distúrbio muito raro;
  • Uma criança autista é, na verdade, um gênio;
  • Se a criança fala, não pode ser autista;
  • Uma criança autista só precisa de amor;
  • Autismo é causado por vacinas;
  • Autistas não conseguem olhar nos olhos;

Desafios e Direitos

Assim como Beatriz, muitos pais não possuem informações do Transtorno do Espectro do Autismo. Além da dificuldade em encontrar profissionais capacitados, existe também a dificuldade de encontrar espaços sociais que incluam a criança.

Jeniffer Lobemwen possui 15 anos de experiência na psicologia, durante sua formação e carreira trabalhou com locais que atendiam pacientes autismo. Ao longo do tempo, foi pesquisando e aprendendo mais sobre o transtorno.

Em determinado momento, Jeniffer se viu em uma situação parecida com a de Beatriz. Para além de psicóloga, Jeniffer é mãe do Cauã Viana Lobemwein Brandão, 9 anos, portador da Síndrome de Asperger.

A dificuldade para Jeniffer, diferente de Beatriz, era menor por ter mais informações e ter experiências com autistas, mas os desafios e aprendizados diários foram se apresentando durante o tempo.

Além das dificuldades encontradas no percurso da vida, é importante ressaltar que existem direitos que auxiliam os pacientes autistas e seus familiares para manutenção da vida e tratamento. 

No Brasil há leis específicas para pessoas com deficiência (Leis 7.853/89, 8.742/93, 8.899/94, 10.048/2000, 10.098/2000, entre outras). Cada município ou estado também possui suas leis. 

No geral, os benefícios incluem atendimento na Assistência Social (CRAS e CREAS), Benefício de Prestação Continuada, que é um benefício socioassistencial regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei 8.742/93), atendimento educacional especializado (mesmo em escola regular, é possível um acompanhamento de um profissional específico com conhecimentos em Transtornos do Neurodesenvolvimento), na Saúde, com atendimento terapêutico e dentário, entre outros, além de passe livre no transporte público (consulte as leis municipais ou estaduais da sua região).

Existem também vagas específicas para deficientes em estacionamentos que podem ser asseguradas a quem tem Autismo ou acompanha um autista, inclusive há a possível redução da jornada de trabalho sem redução de salário em alguns casos. 

Por lei, o CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) deve prestar atendimento às pessoas diagnosticadas com TEA. Porém, há poucos pelo Brasil. Cerca de 31 Unidades de Atendimento Infantil no país (dados de 2017).  Além disso, a inclusão da pessoa com TEA é assegurada por diversas leis, a principal delas, a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Lei Nº 12.764, ou Lei Berenice Piana), sancionada em 2012. Segundo esta, o indivíduo com TEA também é considerado portador de deficiência. Desse modo, a Lei Nº 7.853, que dispõe apoio à pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, torna-se aplicável.

 

“Falar sobre Autismo é quebrar estigmas e estereótipos levando às pessoas informações que propiciam conforto e cuidado! No dia 02 de abril é celebrado o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, a data foi instituída pela ONU em 2007”.

 

Edição: Bianca Morais e Daniela Reis