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Cultura Ballroom

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Por Keven Souza

A dança sempre esteve presente em todos os momentos da história da humanidade, como amiga do ser humano, desempenha papel importante na construção de várias culturas. Essa arte carrega a liberdade de se expressar, o poder de imaginar e a vontade de transformar o mundo. 

Essa responsabilidade conduzida pela dança tem sido precursora no desenvolvimento em todas as esferas da sociedade. Na Cultura Ballroom, esse princípio não é diferente. Em meio a resistência, glamour e movimentos, nasce uma comunidade que gira em torno de arte, um lugar onde ser diferente é permitido e se torna refúgio para aqueles que precisam de acolhimento.

Em conversa com o jornalista, dançarino e participante assíduo da Cultura Ballroom, Dante Alves, 26 anos, o Contramão abordou os aspectos e a importância que fazem desse movimento um ato social, político e histórico. Além disso, trazemos em detalhes como tem sido a cena ballroom no panorama de Belo Horizonte. Confira a entrevista! 

Dante Alves – Arquivo pessoal

Dante, o que seria a Cultura Ballroom para quem não conhece? 

A Ballroom é uma cultura que nasceu nos EUA em meados dos anos 70, ela surge em paralelo aos bailes drag daquela época e em um contexto social em que a população LGBTQIA+ sofria uma repressão horrivel, mas principalmente o recorte de travestis negras e latinas, que dentro da comunidade sofria com o racismo. Ela nasce a partir de suas próprias competições nos bailes, evoluindo e se criando em categorias que variam entre estética, dança, realidade, entre outras diversas. 

A Ballroom é extremamente importante, porque ela é feita por e para as travestis negras e latinas e acima de qualquer coisa, ela celebra os corpos marginalizados que estão dentro da comunidade LGBTQIA+, que por muito tempo, e até hoje, sofre de uma higienização e embranquecimento quando é representada no mainstream. Essa cultura é muito mais do que um baile e uma festa, é sobre resistência.

Qual é o estilo de dança dentro dessa cultura? 

A dança dentro da Ballroom é muito forte e diz muito sobre a liberdade. Ela é bem específica, pegando elementos de vários outros tipos de dança e, literalmente, não é necessário você ser o padrão de dançarino para se divertir dançando vogue. Essa autonomia que a ballroom permite é sensacional, pois abre um espaço de liberdade para você ser quem você realmente é.

Particularmente, eu sempre fui uma pessoa que ama dançar, desde criança nos churrascos de família ou fazendo as coreografias no meu quarto assistindo clipes na TV. A dança sempre foi um momento de diversão, de me conectar com a música e de me sentir bem com meu corpo.

Lembro que comecei a dançar na ballroom em 2017, mas já participava da comunidade como espectador desde 2014, neste ambiente me sinto confortável para dançar e me expressar. Como uma pessoa gorda, dançar pra mim é isso, liberdade! 

Normalmente, as pessoas tendem a confundir a Ballroom com a Dança Vogue, por serem estilos de danças marcados por poses e movimentos expressivos. Há diferença entre as duas? Por que as pessoas as confundem?

O Vogue é apenas uma parte da Ballroom, um estilo que nasce da dança de rua inspirada nas poses das modelos da revista Vogue. As pessoas se confundem principalmente pelo vogue ter saído da ‘bolha’ e isso se deve muito a Madonna nos anos 90 que levou a dança ao mainstream, onde as músicas são feitas para a massa. 

Há uma problemática com essa questão, é muito visto a apropriação da dança sem respeitar e ao menos saber da história da comunidade que há por trás, principalmente por pessoas brancas e não lgbts. O Vogue é muito mais que uma dança pra quem faz parte da ballroom e a ballroom é, definitivamente, muito mais do que o Vogue. 

Você é bastante atuante no cenário Ballroom aqui de BH, como funciona este estilo de dança aqui na capital? Possuem espaço ou ainda existe preconceito? 

Geralmente ocupamos espaços públicos, como o CRJ por exemplo, e acho que por mais que tenham pessoas preconceituosas e que não entendem o que está acontecendo ali, a gente se protege bem e sabemos onde vamos ser bem recebidos.

A cidade tem abraçado projetos, ideias e os eventos desse nicho?

Não acho que o governo de Belo Horizonte seja o maior exemplo de apoiar projetos desse tipo, mas a comunidade se movimenta bastante para conseguir alguns projetos e coisas desse nicho. Falando em questão de público, as balls estão sendo sempre muito bem recebidas, principalmente com o sucesso que a ballroom voltou a fazer com os programas de tv e etc. Então depende do ponto de vista.

Dentro da Ballroom existem as Houses, que são espaços que representam o acolhimento e vão além de um local físico. Qual a importância delas para a comunidade LGBTQIA +?

As houses são como nossas famílias dentro da ballroom, como se fossem nosso “time” nas competições. Mas para além disso, são grupos que se apoiam e que têm um sentimento familiar, tem toda uma estrutura de mother, father, princess e etc, e são criadas através das conexões de seus membros. 

Antigamente as houses poderiam até serem físicas, onde as mães e pais acolhiam aqueles que não tinham onde morar, especialmente aqueles em que os pais não aceitavam ser da comunidade e colocavam para fora de casa. Mas, no contexto atual da ballroom é algo mais abstrato do que físico, são “espaços” que representam o acolhimento. 

É a partir das houses que acontecem as competições, as disputas de danças, os desfiles. De que modo são organizados esses eventos?  

Os eventos são chamados de balls, que em tradução significa bailes, esses balls são organizados geralmente por uma house ou pessoas de maior movimentação. Normalmente, existe um painel de jurados que são pessoas influentes e importantes na ballroom, um MC que organiza as batalhas e se comunicam com o público, um chanter que é uma pessoa que faz o chant – que é como se fosse uma ‘letra’ que dita a batalha –  e claro um DJ para soltar os beats. 

Cada categoria é aberta e todos que querem competir ganham os tens (aprovação) ou o chop (eliminação). Essa etapa acontece antes de começar as batalhas, onde você se apresenta para os jurados e a partir disso, se eles acham que você está apto a participar dessa categoria, você ganha os tens, mas se algum deles acharem que você não está e te dá um chop, você está fora, não passa para a fase das batalhas. Isso tudo faz parte dos eventos.  

Hoje, você faz parte de uma dessas casas, o que ela representa para você? 

Sou membro da House of Barracuda, uma casa que foi e é muito importante para meu crescimento dentro da ballroom, além do meu desenvolvimento pessoal. Estou na Barracuda desde a sua fundação, onde surgiu a partir de um sentimento das mother’s, o Trio Lipstick, de transformar aquele grupo que estava muito unido em uma família. Elas reuniram todos nós e expuseram a vontade de construir uma house, e de uma forma bem colaborativa a Barracuda surgiu.

Hoje, temos diferentes membros, onde cada um compartilha suas experiências e apoia um ao outro. É como uma família mesmo! Quando estamos juntos, seja em um almoço, treino ou na ball gritando e apoiando, me sinto livre para ser eu mesmo. 

Por fim, qual dica você daria para quem não conhece o cenário de dança LGBTQIA + de BH, especificamente a Ballroom, mas tem curiosidade de participar dos eventos? Qual seria o lugar ideal de procurar para quem se interessa?

Uma frase muito dita na Ballroom é “procurem saber”. Procurem saber da história, da importância, da necessidade dessa comunidade. Busque entender quem começou, de como surgiu. A história é muito importante para a Ballroom, então antes de começar a se jogar na dança, minha dica seria estudar sobre. Tem ‘Paris is Burning’ para ver na internet, além de diversas páginas no instagram que se propõem a serem didáticos para quem está interessado. 

Hoje, as lideranças da ballroom também estão dispostas a ensinar e acolher, então se aproxime das pessoas e estude! Isso é legal para um primeiro passo. E para quem tem vontade de frequentar, o CRJ é um lugar onde a gente sempre está se encontrando e tendo treinos abertos, que estão voltando aos poucos devido a pandemia, mas na pagina @mgballroom é dito todas as movimentações da cena mineira, balls, treinos e etc, então ao seguir a página você vai saber onde estamos.