Tags Posts tagged with "Feminismo"

Feminismo

0 2490

Por Daniela Reis 

Atualmente, as mulheres correspondem 53% do eleitorado brasileiro, são cerca de 78 milhões de títulos registrados em nome delas. Porém, nem sempre foi assim, a luta feminina para garantir o direito ao voto perdurou por muito tempo. E hoje no TBT do Contramão vamos contar sobre essa conquista que aconteceu há exatos 90 anos, em 24 de fevereiro de 1932.

A demanda de mulheres pelo direito de votar e de serem eleitas ganhou corpo no início do século XX, a partir do movimento sufragista brasileiro. Mas o exercício de direitos políticos só seria estendido às mulheres em 1932, quando o novo código eleitoral do país entrou em vigor, em pleno governo provisório do ex-presidente Getúlio Vargas. Dois anos depois, em 1934, o voto feminino passa a ser previsto pela Constituição.

A conquista desse direito também foi impulsionada por várias pioneiras, como a professora Celina Guimarães Viana, que pôde, por meio de um requerimento, votar em 1927 e se tornou a primeira eleitora do país. Outro nome é o de Leolinda de Figueiredo Daltro, uma das fundadoras do Partido Republicano Feminino, criado em 1910. A zoóloga paulista Bertha Lutz, uma das criadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, é apontada como uma das maiores líderes na luta pelos direitos políticos das mulheres.

A conquista do voto não encerrou a necessidade de continuar lutando pelo direito das mulheres na legislatura dos próprios países. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1995 apontavam uma representação média de apenas de 10% entre os membros de todos os parlamentos do mundo.

Atualmente, a média mundial de mulheres nos cargos executivos, governamentais e parlamentares, ainda não passa dos 22%. O destaque vai para Ruanda (64%), Bolívia (53%) e Cuba (49%) que são os únicos três países da lista que atingiram ou superaram a igualdade em seus parlamentos.

Hoje o Brasil ocupa a posição 140 no ranking mundial de representatividade feminina medido pela ONU e a União Interparlamentar. Aqui no Brasil, a Secretaria da Mulher analisou os dados das últimas eleições de 2020 e chegou à conclusão de que, apesar de as mulheres serem 52,5% do eleitorado, apenas 33,3% do total de candidaturas neste ano eram para prefeita, vice-prefeita ou vereadora.

Conheça 8 mulheres que influenciaram a luta pelos direitos femininos no Brasil

Nísia Floresta – A escritora nordestina Dionísia Gonçalves Pinto ficou conhecida pelo pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta. Nascida em Papari — hoje cidade Nísia Floresta — Rio Grande do Norte, em 12 de outubro de 1810, a educadora, escritora e poetisa brasileira é uma das pioneiras do feminismo no Brasil. Foi provavelmente a primeira mulher no país a publicar textos em jornais, na época em que a imprensa nacional ainda engatinhava.

Bertha Lutz – Nascida em São Paulo, em 2 de agosto de 1894, a bióloga Bertha Lutz teve participação direta pela articulação política que resultou nas leis que deram direito de voto às mulheres e igualdade de direitos políticos nos anos 20 e 30. Filha de Adolfo Lutz, renomado médico e cientista brasileiro, foi uma das organizadoras do movimento sufragista no Brasil, após ter tido contato com os movimentos feministas europeus quando estudava na universidade de Sorbonne, na França, no início do século XX. Foi a segunda mulher a ingressar no serviço público brasileiro (1918), criou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, o embrião da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (1922).

Mietta Santiago – Maria Ernestina Carneiro Santiago Manso Pereira era o nome completo de Mietta Santiago, que foi a primeira mulher no país a exercer, plenamente, os seus direitos políticos: o de votar e o de ser votada. Estudou na Europa, e quando voltou ao Brasil percebeu que a Constituição Brasileira de 1928 não vetava o voto feminino. O artigo 70 da Constituição então vigente dizia, sem discriminação de gênero: “São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei”. Ela entrou com um Mandado de Segurança e, de forma inédita, conseguiu o direito de votar e concorrer ao cargo de deputada federal.

Celina Guimarães Viana – A professora Celina Guimarães Viana foi a primeira mulher a exercer o direito de voto no país, em 1927, na cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte.  Antes de Mietta Santiago ter impetrado o mandado de segurança que jogou luz sobre a questão da Constituição não discriminar o gênero dos eleitores, o governador do Rio Grande do Norte José Augusto Bezerra de Medeiros, sancionou naquele ano uma lei que estabelecia não haver mais ‘distinção de sexo’ para o exercício eleitoral no estado. Com isso, Celina se inscreveu para votar com o auxílio de seu marido e entrou para a história como a primeira mulher a votar no Brasil.

Carlota Pereira de Queirós – Nascida em São Paulo, Carlota Pereira de Queirós foi a primeira mulher brasileira a ser eleita deputada federal. Médica, escritora e pedagoga, viveu na Europa, onde efervesciam as ideias feministas e o movimento sufragista. Na volta ao Brasil, à frente de 700 mulheres, ela organizou a assistência aos feridos da Revolução Constitucionalista. Em maio de 1933, foi a única mulher eleita deputada à Assembleia Nacional Constituinte. Nas eleições de outubro de 1934 torna-se a primeira deputada federal eleita da história do Brasil. Seu mandato foi em defesa da mulher e das crianças.

Patrícia Rehder Galvão (Pagu) – Patrícia Rehder Galvão nasceu em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo. Foi escritora, poeta, diretora de teatro, tradutora, desenhista e jornalista. Em 1935, após participar da Levante Comunista, Pagu foi detida, torturada e condenada a dois anos de prisão. Em 1938, voltou a ser presa e foi condenada a mais dois anos. Ao longo da sua vida ela seria presa, ao todo, 23 vezes por causa do caráter transgressor de sua militância. A defesa da mulher pobre e a crítica ao papel conservador feminino na sociedade permearam a vida e as obras da idealista Pagu.

Laudelina de Campos Melo – Fundadora do primeiro sindicato de trabalhadoras domésticas do Brasil, a atuação de Laudelina de Campos Melo é tida como fundamental para o reconhecimento dos direitos da categoria. Nascida em 12 de outubro de 1904, em Poços de Caldas, Minas Gerais, aos sete anos de idade já trabalhava como empregada doméstica. Em 1961, funda a Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas. A iniciativa influencia a criação de outras entidades nos estados e culmina, em 1988, com a criação do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos. Sua luta, especialmente na década de 1970, foi fundamental para a categoria conquistar o direito à Carteira de Trabalho e à Previdência Social.

Rose Marie Muraro – Rose Marie Muraro foi uma das vozes importantes do feminismo no Brasil. Nasceu praticamente cega, no Rio de Janeiro, o que lhe obrigou a ter determinação suficiente para se tornar uma das mais brilhantes intelectuais de nosso tempo. Autoras de livros que retratavam de forma contundente a condição da mulher na sociedade da época, como “A Sexualidade da Mulher Brasileira”, Rose foi uma das pioneiras do feminismo no país nas décadas de 60 e 70. Intelectual que lutava pela igualdade de direitos para as mulheres, Rose foi reconhecida em 2005 pelo governo federal como Patrona do Feminismo Brasileiro.

 

 

0 877

Mulheres estão crescendo no mercado e contribuindo com a economia do país

*Por Jéssica Teixeira

O empreendedorismo feminino é uma definição que carrega consigo uma bagagem de superação de barreiras impostas socialmente. As mulheres tendem a enfrentar muitos desafios para implementar o seu negócio, pois o ambiente empresarial é ainda imerso em preconceitos. É claro que o mercado teve uma evolução e hoje tem uma melhor recepção para empreendimentos femininos e com isso tem colhido muitos benefícios econômicos.

O ramo empresarial é composto em sua maioria por figuras masculinas, o que para a sociedade representa o perfil ideal de força e autoridade para liderar uma empresa. Por esse motivo, as mulheres tendem a enfrentar muitos obstáculos quando querem empreender.

Para Ruliane Reis, formada em administração e criadora de conteúdo empresarial na web, ainda existe muito machismo tanto no mercado tradicional, quanto no empreendedorismo. Mas explica que a mulher deve assumir uma postura forte. “É preciso saber se impor, mostrar a que veio, pois fácil realmente não será”, conclui Ruliane.

Para Jaqueline Lima, analista da Unidade Educacional de Desenvolvimento (UEDE) e Gestora do SEBRAE DELAS, projeto de empreendedorismo feminino, além da burocracia de se criar um negócio, as mulheres sofrem preconceitos pela condição do seu gênero. “Por serem mães e cuidadoras da família, se dedicam 35% menos aos negócios do que os homens, e as linhas de créditos têm juros mais altos, apesar de serem melhores pagadoras”, explica.

Mesmo com todas as dificuldades, as mulheres estão abrindo portas e entrando no mercado econômico do país, com isso elas estão gerando mais empregos para a população e sanando as dificuldades de receberem salários desproporcionais. De acordo com o Monitoramento de Empreendedorismo Global (GEM) 2018, praticamente 47% dos novos empreendedores foram mulheres, ou seja, estamos falando de 24 milhões de negócios femininos movimentando a economia do país.

A digital influencer Ruliane, acredita que “ser empreendedora é transformador, a mulher ganha liberdade de escolha, liberdade financeira, passa a acreditar mais no seu potencial, afirma. É claro que essas afirmações fazem todo sentido, é uma forma de mostrar para a sociedade culturalmente machista que a mulher pode se encaixar onde ela quiser”.

De acordo com a analista Jaqueline, “as mulheres possuem características para usarem em seu benefício, elas são mais pacientes e tolerantes, sua equipe é sua família e essa confiança e cumplicidade podem ajudar nos momentos difíceis dos negócios. As mulheres têm mais empatia, estudam mais, e isso tudo faz com que o cliente volte a comprar de novo. Sem contar nos benefícios econômicos e sociais que os negócios geram”, explica.

Portanto, o empreendedorismo é um espaço que ainda tende muito a crescer com a criatividade feminina. É difícil de se consolidar, mas é possível mostrar que existe capacidade do sexo feminino dominar e estar à frente de grandes empresas.

 

*Essa matéria foi produzida sob a supervisão da jornalista Daniela Reis

 

Em um momento onde o grito de uma parcela da população indignada clama pelo fim do feminismo, vemos crescer dia a dia a necessidade daquelas que lutam para a conquista de nossos direitos. Somente em 2014 foram registrados 47.646 estupros, dados que constam oficialmente das estatísticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Dividindo esses dados, no Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos.

No último dia 23 com a notícia de que uma adolescente de 16 anos sofreu um estupro coletivo. A notícia provocou indignação e comoção em toda a população, que utilizou as redes sociais para se expressar.  Diante da repercussão do fato e dos números alarmantes muito se foi falado sobre a Cultura do Estupro. E você sabe o que é?

13254614_1092118034193169_1096222334540789102_n

“Algumas vezes me vi com medo…

Sabe aquele medo de se tirar a coberta que está sobre a cabeça, enquanto imaginamos vários monstros sem cabeça, ensanguentados ou com olhos esbugalhados? Ah, esse é o medo mais pueril, assim eu imaginava. O que eu não sabia era que aqueles momentos que eu passava quando minha mãe desligava a luz do quarto, era apenas um prelúdio da história de horror que eu teria que me submeter à vida inteira. Andar em um beco com meia-luz, passar por uma rua iluminada, ficar parada na porta da universidade esperando meu namorado, ou ao meio-dia esperando a condução da escola. Tornaram-se medos constantes…  Agora, junta isso a uma sociedade machista financiada pelo patriarcado e que jura de “pé de junto” que a culpa é da vítima. Não parece o pior de filme de terror de todos os tempos?!

Tenho lido muitas notícias, muitos filmes e até relatos desses medos, e me parece horrível saber que muitas mulheres não se compadecem do estado de horror que alguma outra tenha passado. É como se para justificar seu próprio medo, ela tenha que ocultar algum afeto ou sentimento por aquela situação que ela sabe ser uma barbárie, mas não há permissão para senti-lo. É uma barreira imaginária. Concordar com o agressor, levantar uma bandeira que nem é a sua, querer estar junto da maioria para que não veja a fraca que você é, e quem realmente manda nas suas reações. E quando isso está tão enraizado dentro de você, seu comportamento mecânico, a faz vítima de si mesmo. Daquilo que foi apresentado pela sociedade pra você, um conjunto de comportamentos que exigem que você copie, e julgamentos dentro de leis que você nem faz ideia quem foi o jurista que inventou, mas que as pessoas fazem se entreolhando para ninguém denunciar o medo da outra, ah isso é verídico. A cultura do estupro está se alimentando no sentimento mais puro que temos, e pior é que esse medo não poderá ser amortecido por cobertores, você vai perceber ao apagar as luzes do seu quarto.”, Fabíola Dantas, Professora e proprietária do English Chat Club.

13254069_10154305598623530_5901334644852044871_n

O termo Cultura do Estupro vem do termo em inglês denominado “Rape Culture”. Assim como vários termos conceituais que surgiram na década de 1970 para falar da desigualdade de gênero, esse conceito foi criado pelas feministas norte-americanas para apontar a violência de gênero na sociedade. Em suma, a cultura do estupro diz de qualquer forma de opressão: seja discursiva, imagética e, infelizmente, a própria violência perpetrada pelo homem contra o corpo da mulher. É a maneira que o homem tem de alimentar o machismo e minimizar a violência de gênero e torná-la naturalizada. Quando um delegado diz que um vídeo_  evidência cabal de um crime_ não é uma prova, ele está reproduzindo discursivamente a Cultura do Estupro. Quando um diretor de cinema diz que os hematomas de uma atriz causados pelo iphone esmagado em sua cara pelo marido são falsos_ apesar da foto_ ele está perpetrando a cultura do estupro. E a pior parte é que qualquer discurso de poder só se mantem constante porque encontra apoio do lado dos próprios oprimidos. Então, quando uma mulher concorda que a culpa é da vitima de violência machista porque ela usava roupa “assim ou assado”, ela está contribuindo para que esse discurso, o discurso da cultura do estupro, se mantenha e seja visto como algo “natural”. Ela está contribuindo, muitas vezes inconscientemente, para que a mulher se mantenha em uma posição de dominada.  E já está na hora de isso acabar!”, Marina Gazire, Professora da UNA/ ICA.

13178914_1310274032322473_1809882912331370939_n

“Banalização do estupro basicamente. Além da demora e as vezes impunidade dos homens que cometem o crime, o machismo torna ele banalizado como se a mulher pedisse ou deixasse algo dessa natureza acontecer.”, Lorrayne Chacon, estudante de Jornalismo.

b1ac6fcd-7079-4f74-bc8b-61b3c6c73b71

Em uma abordagem geral Cultura é a característica de um determinado local, povo ou raça. Falar sobre Cultura nos da a sensação de um diálogo bom, construtivo e que nos gera conhecimento. Mas nem toda Cultura possui aspectos positivos e prazerosos, ao contrário, algumas são destrutivas e podem causar danos irreparáveis. Um exemplo cultural obscuro é a ‘Cultura do Estupro’, algo presente na maior parte do mundo.

Fui criada como uma ‘princesa’ sendo privada de inúmeras coisas por que ‘sou menina’. Venho de uma família machista e até certa idade acreditava e seguia os padrões machistas impostos sobre mim. Regulavam minha roupa, meu cabelo e o meu corpo… justificam tal privação como uma forma de me assegurar, mas contra o que? Contra os monstros a solta que eles próprios criaram.

Tenho irmão, primos e amigos que aprenderam desde sempre a humilhar e menosprezar mulheres. Homens que são guiados por aquilo que consideram correto. Enfim, a luta pelo fim da Cultura do Estupro precisa começar em casa, pois é em casa que ela começa. A minha roupa, o meu corpo o meu jeito de viver não justificam nunca uma violência, um estupro ou uma morte., Bárbara Mota, Estudante de Psicologia.

Reportagem: Ana Paula Tinoco

A roteirista norte-americana responsável por histórias do Deadpool, Simpsons e Red Sonja esteve recentemente no Brasil para participar do FIQ e conversou com nossa equipe sobre feminismo e quadrinhos.

 

GailSimonePressPhoto (2)

A fotógrafa Alexandra DeWitt foi encontrada morta dentro de um freezer. A vítima estava dentro da geladeira do ex-namorado, Kyle Rainer, com sinais de estrangulamento. A descrição acima _ cena corriqueira de violência doméstica _ poderia ter saído das páginas policiais de qualquer jornal diário. Mas não, essa “não é uma notícia real”. Essa descrição, na verdade, estampou graficamente as páginas do volume #48 dos quadrinhos do Lanterna Verde, ano de 1994.

Se você foi leitorx de quadrinhos na década de 1990, talvez, quem sabe, se lembre de que essa época ficou conhecida sob o epíteto “década perdida”. O mercado estava péssimo: a Marvel declarou falência em 1996, o publico dos quadrinhos estava mudando e os super-heróis eram desenhados de maneira anabolizada e hiperssexualizada. Esse cenário de transição deu margem a uma tendência desesperada por dramas mais realistas. Porém, a década de 1990 não foi perdida apenas porque o ramo dos HQ’s como negócio estava mal das pernas. Soma-se a essa conta a espetacularização da morte de heroínas e personagens mulheres para o deleito sádico de leitores misóginos creditados como salvadores de um mercado em suposta decadência. Afinal, arte imita a vida, não é mesmo?

Gail Simone discorda. A época do episódio de Alex DeWitt, algumas perguntas surgiram à mente da roteirista de quadrinhos norte-americana, ao se deparar com a sanguinolenta da morte de Alex DeWitt : “quem escolhe transformar em arte essa realidade? Até quando esse tipo de cena misógina será sinônimo de sucesso com o “público alvo”; o público masculino?”. Simone viu ali, na crueldade fria do assassinato de DeWitt, uma oportunidade. Sua revolta de deu origem a um site chamado “Women in refrigerators” (Mulheres no refrigerador), famoso a partir do ano de 1997. A ideia era a de denunciar a injusta representação das mulheres nas páginas dos gibis. O site de Simone funcionava como apoio para um, então, grupo minoritário de leitoras das editoras Marvel e DC Comics. Simone mal imaginava que um dia seria uma das grandes roteiristas de quadrinhos das empresas que censurava.

kp (1)

O nome do site  mulheres em refrigeradores se tornou uma expressão amplamente usada na língua inglesa para descrever episódios de machismo. Foi também a partir dali que a futura roteirista alcançou uma carreira séria na crítica a um gênero cada vez mais respeitado por adultxs. Sua coluna “You’ll all be sorry” (Vocês irão se arrepender) passou a ser publicada semanalmente no site especializado Comic Book Resources. Em 2001 ela estreou como escritora do comic Killer Princesses, quadrinho dedicado ao público feminino e publicado apenas nos EUA. Trabalhou como roteirista de episódios dos Simpsons e hoje é uma das estrelas da DC Comics e Marvel, escrevendo para revistas como Deadpool, Aves de Rapina e Red Sonja. Simone esteve na última edição do Festival Internacional de Quadrinhos, que foi dedicado à presença das mulheres nessa indústria para participar da mesa “Fantasia e Quadrinhos”. Em sua breve passagem pelo Brasil, Simone conversou com a equipe J.E².D.I sobre a necessidade do feminismo no mundo nos quadrinhos:

 

th (2)  1) Você trabalha a relação entre quadrinhos e misoginia desde do final da década 1990 quando criou o site “Women in refrgerators” (Mulheres no Refrigerador). Antes disso você sempre já tinha se envolvido com alguma questão feminista?

Não de uma maneira organizada como era no site. Minha avó foi uma sufragista que lutou pelos direitos da mulher ao voto. Ela era uma enfermeira que lutou pelos direitos da mulher ao auxílio saúde e minha mãe foi influenciada por ela. Portanto, eu fui educada a lutar pelos meus direitos e pelos das outras; lutar por aquilo que eu acredito ser o certo. A ideia do site “Women in refrigerators” foi a de indagar o porquê, naquela época, de tantos personagens femininos serem “assinados” porque os “rapazes” não gostavam delas. Já não bastasse o fato de personagens femininos serem uma minoria no mundo dos quadrinhos, essa tendência começou a se tornar frequente. Eu era uma fã da indústria dos quadrinhos e só queria saber o porquê disso estar acontecendo.

2)Você acha que essa tendência de eliminar as heroínas, presente na década de 1990, continua até os dias de hoje? Já tentou fazer uma estatística das mulheres assassinadas nos quadrinhos?

Eu não atualizei o número no site, porém sinto que essa era uma tendência muito específica para aquela década. Eu sinto que a iniciativa do site “Women in Refrigetarors”_ e toda a crítica que essa tendência recebeu naquele período tornou os roteiristas de quadrinhos conscientes de que mulheres também liam quadrinhos e que elas se sentiam pouco representadas por histórias que seguiam esse caminho. Foi uma mudança muito positiva.

3) A expressão “mulheres no refrigerador” passou a ser usada para além dos contextos dos quadrinhos por causa de seu site. Você usa essa expressão para outros acontecimentos referentes a violência contra a mulher?

Eu sinto que isso se tornou um fenômeno e o termo cresceu em estatura. Já escutei advogados usando esse termo. Escutei produtores de Hollywood usar essa expressão também. Tive reuniões com grandes executivos que usaram a expressão “mulheres no refrigerador” sem saberem que a expressão teria sido criada por mim. É um pouco estranho. A ideia do site nunca foi a de livrar as personagens femininas de situações dramáticas ou ruins, mas sim denunciar o que tinha de preconceito e machismo nas histórias.

4) Como foi o início de sua carreira de como roteirista de quadrinhos? Você já se encontrou acidentalmente reproduzindo nos seus roteiros alguma situação machista ou sexista?

Eu comecei minha carreira escrevendo quadrinhos dos Simpsons, depois disso os do Deadpool para a Marvel. A arte para algumas das primeiras histórias que escrevi eram um tanto “bregas”, por assim dizer. O roteiro não era voltado para um público feminino, pelo menos era isso o que os editores pensavam. Mas na medida em que as vendas das minhas histórias começaram a aumentar, eu consegui que as personagens mulheres fossem desenhadas de maneira mais realista. Isso aumentou ainda mais as vendas dos quadrinhos. Eu não me preocupo muito se os quadrinhos que escrevo serão sexistas. Eu não ligo se as pessoas não gostam de um quadrinho que eu considero bom. O que eu quero é que existam mais escolhas para além do machismo; eu quero que surjam mais HQs que não alienem as mulheres. Existe um elemento fantástico nos quadrinhos de super-heróis em particular. Nós esperamos que eles sejam maiores do que a vida. Eu quero apenas que boas histórias cheguem a todo tipo de pessoas possíveis. Por um longo tempo, pouquíssimos quadrinhos eram voltados ao público feminino. Atualmente, este é o seguimento de quadrinhos com maior crescimento de público leitor e eu sinto que faço parte disso, mesmo que seja de uma pequena parte.

5) Pensando que a indústria cria nichos editorais dividindo os leitores entre mulheres e homens, o que torna um personagem feminino diferente de um personagem masculina em termos de ações e objetivos? Ou não existem diferenças em sua opinião?

Eu penso que o objetivo não é o de comparar um personagem masculino com um feminino. Acho que o objetivo é o de simplesmente criar um espectro de personagens disponível desde o começo. Prefiro que existam opções. Uma personagem mulher pode ser brava, alegre, corajosa, covarde, protetora, egoísta, de todas as maneiras possíveis. No mundo dos quadrinhos você tem personagens homens que são feitos de pedra ou fogo, mas a maioria das personagens femininas são demoníacas ou namoradinhas. Eu não entrei para a indústria dos quadrinhos como uma crítica raivosa, eu entrei como alguém que possui um profundo amor pelos personagens e pela cultura dos quadrinhos. Pra mim, a maneira de retribuir esse amor é tentar melhorar os quadrinhos e abrir as portas para um público mais diverso.

6) Qual é a sua quadrinista favorita?

Eu não possuo uma quadrinista favorita, um dos acontecimentos mais incríveis da última década é o de que agora existem muitas quadrinistas para escolhermos. Porém, sou uma fã declarada de G.Willon “Ms. Marvel” Wilson¹, Marjorie “Monstress” Liu², Kelly Sue “Pretty Deadly” DeConnick³, e muitas, muitas outras. Estamos vivendo um tempo de abundância na produção feminina, algo que seria inimaginável há 10 anos. As mulheres têm sido muito requisitadas. Nas convenções de quadrinhos, vemos filas imensas de leitores querendo falar com alguma de nós. É o que eu mais queria quando comecei lá trás.

7) Você tem algum conselho especial para as garotas que estão interessadas em seguir a carreira nos quadrinhos?

Meu conselho para as quadrinistas aspirantes é o mesmo que para qualquer pessoa, independente do gênero. Trabalhe suas habilidades e seja verdadeiro com você mesmo. Você precisa das duas coisas para vencer. Não se consegue ir longe sem essas qualidades.

Por Nina Gazire
Equipe: Amanda Eduarda e Ana Paula Tinoco

logo-04

2 10999

Em edição histórica, Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte celebra a presença das mulheres no mundo comics. 

It_Ain't_Me,_Babe_(comic),_first_printing
O quadrinho “It aint me babe”, de Trina Robbins.

Em 1895, o norte-americano Richard Outcault largou sua carreira como desenhista técnico, mudando-se para as páginas dos jornais. Outcault que trabalhava para o inventor Thomas Edison fazendo também os primeiros desenhos de circuitos elétricos do mundo, decidiu dar um novo significado a sua profissão. Recém contratado pelo jornal New York World, ele teve a ideia de contar uma história, não feita apenas de textos, mas também de desenhos. Primeiro “quadrinista do mundo”, como assim quer a história oficial, Outcault é pai do personagem polêmico “The Yellow Kid” retrato racista de um garoto chinês e de uma das primeiras tirinhas humorísticas, hoje populares nos jornais cotidianos.

A história de Outcault quer nos convencer que, desde seu inicio, o universo HQ’s (sigla que também designa as conhecidas Histórias em Quadrinhos) foi “parido” por homens. Conhecemos Stan Lee, pai dos X-men; conhecemos Walt Disney pai de Mickey e Pato Donnald; conhecemos Charles Chultz, pai do Snoopy. A história que nos contam esquece-se de incluir suas quadrinistas, tão importantes quanto seus múltiplos patriarcas e super-heróis musculosos. Finalmente, essa história está sendo reescrita e agora contada por mulheres super poderosas.

Com o fortalecimento dos movimentos feministas, desde a década de 1960, os quadrinhos começaram a mudar e as mulheres passaram a reivindicar, cada vez mais, seu lugar nesse plano sequência cheio de testosterona. Se assim podemos dizer, os quadrinhos são cada vez mais “paridos” por diferentes mães. Dos anos 1970, devemos relembrar a pioneira Trina Robbins que viu nos quadrinhos uma forma de  expressar o poder das mulheres no combate ao machismo. Nascida nos EUA, no final da década de 1930, Robbins é considera uma das primeiras autoras de HQ’s totalmente voltados ao público feminino. Sua HQ chamada “It Ain’t Me, Babe” é considerada um marco: na primeira edição trazia uma capa com personagens como a Mulher Maravilha, a Garota Marvel, Olivia Palito, dentre outras personagens, femininas protestando pelos direitos das mulheres.

De lá pra cá o universo dos quadrinhos se tornou mais receptivo às mulheres, tanto para as personagens fictícias quanto às suas criadoras.  Essa evolução foi comemorada na última edição do FIQ_ Festival Internacional de Quadrinhos. Realizado em Belo Horizonte entre os dias 11 e 15 de novembro, o festival de quadrinhos teve como tema a crescente participação das mulheres no mundo dos comics.

A roteirista norte-americana Gail Simone já escreveu histórias para a DC Comics e para a Marvel e marcou presença no evento participando da mesa “Fantasia e Quadrinhos” ao lado de outras quadrinistas brasileiras. Simone já era conhecida por seu ativismo feminista antes mesmo de se tornar roteirista. Ao lado de outras fãs de quadrinhos, ela fundou o site “Women in refrigerators” (Mulheres nos refrigeradores), fórum que discutia a violência contra personagens femininas. “O que eu quero é que existam mais escolhas para além do machismo; eu quero que surjam mais HQs que não alienem as mulheres”, afirmou Simone em entrevista a equipe do J.E.D.I. _ Jornalismo Experimental e Diversidade, que inaugura suas atividades com a presente matéria em honra às mulheres dos gibis.

GailSimonePressPhoto
A roteirista norte-americana Gail Simone esteve no FIQ, em visita inédita ao Brasil.

Visitando o Brasil pela primeira vez, Simone compartilhou sua experiência sobre o machismo na criação de super-heróis com a plateia do FIQ. A roteirista se declara interessada na criação de personagens que tratem de maneira realista a representatividade feminina por meio da fantasia. “Por um longo tempo, pouquíssimos quadrinhos eram voltados ao público feminino. Atualmente, este é o seguimento de quadrinhos com maior crescimento de público leitor e eu sinto que faço parte disso, mesmo que seja de uma parte pequena”, afirma. Fã declarada de Trina Robbins, ela revela que ao contrário de um passado indiferente à presença feminina, o futuro dos quadrinhos será das mulheres: “Hoje temos uma gama inimaginável de mulheres na profissão dos quadrinhos e a tendência será a de uma presença cada vez maior, algo inimaginável há dez anos”, respirou aliviada.

Ao lado de Simone, a mineira Aline Lemos, que também participou da mesa “Fantasia e Quadrinhos”, nos contou que teve como estímulo para seu início no mundo dos comics o surgimento de duas publicações: o Zine XXX e a revista Inverna, ambas de cunho feminista. Em suas histórias, Lemos busca discutir temas como violência sexual e machismo e afirma que a questão da diversidade nos quadrinhos é inesgotável já que este é um universo ainda predominantemente heteronormativo e masculino, apesar das mudanças atuais apontadas anteriormente por Gail Simone. “Gosto de falar sobre temas ligados à experiência de mulheres e de pessoas LGBT, e gostaria que mais pessoas pudessem se identificar nos quadrinhos, que pudessem ter empatia com as histórias de outros grupos marginalizados e, principalmente, se sentirem inspiradas a narrar suas próprias histórias”, comenta.

“As mulheres vem conquistando seu espaço tanto na produção quanto enquanto publico consumidor. Sei que a proporção de convidados e convidadas esse ano foi de quase 50%. O que é bem bacana! Ouso dizer que não deve ser comum nos eventos de quadrinhos”, observa a quadrinistas Carol Rossetti, conhecida pelo projeto de ilustrações “Mulheres”, que se tornou famoso em todo mundo ao viralizar nas redes no ano passado. Rossetti participou do FIQ fazendo lançamento da edição especial de quadrinhos reunida em um livro intitulado “Que diferença faz?”, parte da campanha idealizada pelo Ministério Público de Minas Gerais, voltada à conscientização da diversidade e de seu projeto pessoal, o livro “Mulheres” que reúne suas ilustrações. “A gente já havia detectado que metade do público do FIQ era de mulheres. Mas no mercado infelizmente temos poucas mulheres publicando, porém isso está mudando, e bem rápido. Um terço dos convidados são mulheres, apesar do fato de que minha meta era chegar nos cinquenta por cento”, explica o quadrinista, professor da UFMG e curador do FIQ, Daniel Werneck que, a princípio, pretendia trazer Trina Robbins para essa edição do festival. “Queríamos trazer a Louise Simonson, a Uli Lust e a Trina Robbins, todas pioneiras dos quadrinhos, mas não conseguimos. A Trina esteve esse ano no Brasil para um evento na USP, a Jornada de Quadrinhos, mas não conseguimos trazê-la para BH”, justifica o curador.

A identidade visual do FIQ 2015 ficou a cargo de Lu Caffagi
A identidade visual do FIQ 2015 ficou a cargo de Lu Caffagi

Com clima de evento histórico, essa edição contou com a inédita presença de mulheres superpoderosas do Brasil e de outros países. Não atoa, a identidade visual do FIQ 2015, uma garota sorridente, desenhada pela cartunista Lu Caffagi, traduz de maneira exata a realização do sonho de várias mulheres fãs de quadrinhos. “A Gail me disse que durante o FIQ umas 20 mulheres falaram pra ela que começaram a escrever quadrinhos por causa dela”, resume Werneck. Esse sonho feminista feito em gibis durou cinco dias, e claro, seria impossível reduzi-lo aqui em um punhado de caracteres. Portanto, fechamos essa reportagem contando que ao longo de toda semana publicaremos várias entrevistas diferentes quadrinistas no intuito de tentar construir uma narrativa jornalística que faça jus a essa pequena parte gloriosa da história dos quadrinhos brasileiros. Fique atento, acompanhe nosso site e celebre as mulheres dos quadrinhos!

Por Nina Gazire e Ana Paula Tinoco
Colaborou Amanda Eduarda Oliveira
logo-04