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Jean-Pierre e Luc Dardenne

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Foto Reprodução internet

Por Manuella Guerra

Originários da Bélgica, os irmãos Dardenne conservam em seu cinema um estilo próprio e singular. Nos primeiros minutos de filme já é possível reconhecer a autoria daquela obra. A semelhança entre os filmes, para além da parte técnica, se dá também no olhar dos diretores para o mundo. Seus personagens são magistralmente humanizados, reais, únicos e emocionantemente imperfeitos.

No meio de alguma ação já em andamento, surge a câmera. Claustrofóbica, incansável, invasiva e fascinada. A câmera, o olhar dos diretores, o nosso olhar: insaciáveis por mais daqueles personagens, acompanhando-os sem cessar.

Planos fechados, às vezes tão próximos que quase podemos sentir a respiração daquelas vidas; a câmera parece pulsar junto à pulsação delas. A câmera é asfixiante, mas também é ela que testemunha e mostra ao mundo o quão asfixiante aquela vida é. As obras dos Dardenne são reflexões políticas e sociais que se dão a partir da individualidade, estimulam nos espectadores uma forte conexão com aqueles seres e seus dilemas.

Os irmãos Dardenne apresentam um olhar sem julgamento, sem ditar regras ou destilar moralismos. Não fornecem respostas prontas, mas apresentam a situação, o objeto de interesse e é como se depois deixassem em nossas mãos os questionamentos, a possibilidade ou não de entender as escolhas e atitudes das personagens.

Ao final dos filmes a sensação talvez seja a de uma incapacidade de julgamento, pois eles parecem criar uma narrativa de modo a evitar uma análise crítica moral dos atos. Os erros, “imperdoáveis”, dentro de contextos específicos e individuais, somos até capazes de compreender, mesmo quando não concordamos. Não há uma moral na história, a intenção dos diretores não é apontar o certo e o errado. Trabalham com as questões sociais, a marginalidade, o vazio, a pobreza, o individualismo, as falhas e degradações causadas pelo sistema capitalista. As necessidades e transformações dos seres humanos dentro das micro-cadeias econômicas e seus dilemas morais.

 

Em A Criança, Bruno, o pai inconsequente, vende o bebê que teve com sua namorada e vive de pequenos furtos. Mesmo assim cativamos por ele no mínimo um sentimento de pena, de empatia maior do que a vontade de punição.

Nos filmes dos cineastas, vemos uma variedade de situações. Rosetta é uma jovem solitária que divide um trailer com a mãe alcoólatra em sua guerra diária por um emprego, por uma vida “normal”; Bruno e Sonia, jovens sem perspectiva alguma que vagam pela cidade com o filho recém-nascido. Um pouco menos à margem, a médica Jenny, solitária e apática, que dedica cem por cento de seu tempo e atenção aos pacientes e Sandra que, além da depressão, tem que vencer também a sua luta para convencer os colegas de trabalho a abdicarem do abono salarial recebido em troca do posto dela na empresa. Todos habitantes de uma Europa pouco próspera, em crise.

Há poucas falas nos filmes, os diálogos são curtos e pontuais, não nos fornecem um contexto completo sobre aquelas histórias. Conhecemos os personagens pelos seus olhares, gestos e atitudes ao longo do filme. Eles mantêm uma opacidade. Essa opção por seguir a nuca (e não os rostos de frente) se relaciona com isso. A ausência de trilha musical também é marca registrada no estilo naturalista dos Dardenne, que se aproxima do documental.

Os filmes apresentam uma Europa mais humilde, problemática e debilitada. Mas existe nos Dardenne uma universalidade. A crueza de seu cinema nos aproxima de uma realidade onde não há como não se abalar com o escândalo das imperfeições, perturbações, angústias e das dores da existência, sentimentos inerentes à raça humana. Possuem uma estética despida e imperfeita em que apresentam um hiper realismo de extrema sensibilidade, simplicidade e acima de tudo, de um humanismo perturbador.