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Patchwork

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Por Luiza Vinte e Matheus Velleda

O High End da moda, mais conhecido como alto luxo e as práticas da  sustentabilidade sempre tiveram conotações contra-intuitivas, já que o luxo por muito tempo refletiu o excesso, hedonismo e ostentação, enquanto a sustentabilidade sempre teve fortes mensagens de reestruturação do consumo desenfreado. Entretanto, a sustentabilidade e o luxo carregam valores parecidos, como respeito pela matéria-prima de qualidade, uma mão de obra qualificada, respeitada, o que nos fazem acreditar que há a possibilidade dessa vertente coexistir dentro do mercado de moda e de luxo.

A indústria do luxo em sua primariedade não foi associada junto às questões ambientais e às mudanças climáticas, porém com todas mudanças sociais obtidas nos últimos anos, o luxo passou a evocar um significado diferente em seu conceito, tais conceitos de qualidade, feitos à mão e atemporalidade são intrinsecamente sustentáveis. Além disso com o crescimento do poder aquisitivo entre a gerações mais novas, que tem pensamentos muito mais sustentáveis e eco-friendly que as gerações anteriores, é preciso que as marcas se adaptem e comuniquem com essa nova demanda que cada vez mais se concretiza, não como tendência mas sim uma forma de garantir um futuro justo para as futuras gerações.

Seguindo a linha do raciocínio do mercado de luxo e o crescimento de tendências sustentáveis, listamos algumas tendências que ganharam ao longo das últimas semanas espaços e interpretações dentro das grandes marcas de moda e luxo.

Patchwork

O patchwork, técnica milenar de juntar retalhos de tecidos já era usado no século 9 a.C no Egito antigo como uma forma de reutilizar sobras de tecido e prolongar a vida útil de uma peça, já na idade média o seu uso foi para criar peças que iam por baixos das armaduras para proteger a pele das armaduras, a técnica se espalhou por toda a Europa.

Mas só foi no fim da década de 1960 que a técnica foi  de fato introduzida à moda, graças à forte influência da cultura hippie e a valorização crescente das habilidades e do trabalho manual, que são necessários para produzir patchwork. Neste período o surgimento do artesanato tradicional  se tornou uma alternativa à moda dominante, e como a técnica do patchwork é barata e fácil de se fazer, era uma ótima maneira de adicionar individualidade a uma roupa.

Nos dias de hoje, com o agravamento da pandemia e as formas de repensar moda e consumo, a tendência nostálgica aos anos 60,  traz consigo a ideia de que nada é jogado fora, mas sim reaproveitado. Desde o inverno de 2020 a tendência do remendos, vem ganhando presença nas passarelas e assumindo muitas interpretações, como a Marni que exibiu  um sneaker feito de aproveitamentos, Alexander Wang apresentou um terno abstrato em patchwork, o crescente pensamento de conscientização e reaproveitamento foi até uma das principais tendências abordadas no desfile primavera/verão de 2021 da Dolce e Gabbana, abordou o maximalismo do patchwork, fazendo referência a ilha de Sicìlia na Itália, onde diferentes culturas se encontraram, como os espanhóis e os árabes.

Dolce e Gabbana desfile primavera/verão 2021
Tênis da Marni

 

Tecnologia

Couro que costuma a ser sinônimo de luxo, passou a ser questionado com a medida que o veganismo se torna cada vez mais popular e debatido em todo o mundo. Por muitos anos alternativas como o “couro ecológico” eram facilmente anunciadas como veganas e sustentáveis, mas na realidade o couro de poliuretano (PU) ou policloreto de vinil (PVC) são tão ruins e maléficos ao planeta, muitas vezes piores que o couro animal. 

Com a evolução da tecnologia e avanço em pesquisas de têxteis, alternativas começam a surgir para o mercado/consumidores empenhados em consumir produtos sustentáveis. Um exemplo de como a tecnologia vem se tornando uma aliada do mercado sustentável, foi apresentado esse ano pela marca francesa Hermès, que em parceria a startup de ciência de materiais, a Mycoworks, um material similar ao couro, porém feito de cogumelos. Até o final deste ano um dos modelos de bolsa mais famosos da marca, o “Victoria”  passará a ser confeccionado com esse material.

Sylvania, nome dado ao material, foi resultado de uma colaboração de três anos entre a MycoWorks e a Hermès. Com esse lançamento Hermès se junta a outras grandes marcas de moda e luxo no percurso para encontrar alternativas viáveis e não plásticas ao couro animal, devido às crescentes preocupações ambientais. 

Ano passado grandes marcas como Stella Mccartney, Kering e Adidas também anunciaram que estavam investindo em outra alternativa à base de micélio (parte vegetativa de um fungo) chamada Mylo. Para uma marca tão tradicional como a Hermès, lançar um produto como esse foi surpreendente, já que a marca é conhecida mundialmente pelas suas bolsas, que são consideradas um dos produtos de luxo mais procurados em todo o mundo.  Se sua influência conseguir tornar o couro de cogumelo algo cobiçado, seria uma grande vitória para o meio ambiente. Iniciativas como essas são exemplos de atitudes que podem gerar bons frutos para um consumo mais sustentável e a esperança é que, se bem sucedida, a ideia inspire o resto da indústria de luxo para alternativas mais ecológicas.

Bolsa da Hermès

 

Upcycling

Em junho do ano passado, quando as fábricas da Chanel reabriram, Virgine Viard, diretora criativa da marca francesa, montou uma coleção de resort usando botões e fios que sobraram da última coleção, o que parece soar algo bobo é na verdade uma inovação dentro da marca. Já a Prada, lançou um ano anterior o Re-Nylon, uma coleção composta inteiramente por um nylon regenerado, criado através de um processo de reciclagem e purificação de plástico coletado dos oceanos, redes de pesca, aterros e resíduos de fibra têxtil em todo o mundo.

A prática nomeada de upcycling se consolidou até na alta costura. Em janeiro deste ano, os designers holandeses Viktor e Rolf lançaram a sua coleção nomeada de “Haute Fantaisie”, que revitalizou vestidos, tecidos e materiais reaproveitados de anos anteriores, a coleção que foi descrita como uma “rave de alta costura”, proteja uma energia positiva, desafia ideias do que alta costura pode ser.

Upcycling, como descrito nos exemplos anteriores, é o processo de criação de novos itens a partir de materiais já existentes, duplicando o ciclo de vida das peças, e de um ponto de vista criativo, cria uma nova perspectiva estética e de informações ao produto, tornando-o único. O objetivo dessa tendência que está se tornando mainstream é fazer com que o consumidor e o mercado percebam as consequência de uma produção irresponsável e sem consciência. Além de tudo ainda é uma ótima iniciativa para momentos de incerteza econômica, já que a sua produção é feita com peças antigas, descartando então a necessidade de compra de mais matéria prima.

Viktor e Rolf – primavera 2021

 

Não é nenhuma novidade que a pandemia, nos obrigou parar e repensarmos toda a nossa realidade. A sociedade se isolou, sem saber ao certo quando tudo ia passar, e se de fato vai passar, diversas empresas, sejam grandes ou pequenas, enfrentaram e ainda enfrentam grandes desafios. A garantia de um futuro se tornou incerto para nós e para o planeta. Com o levantamento de pautas como a ameaça à sobrevivência humana, a constante degradação dos recursos naturais, a exploração de animais, o abuso ambiental e o aquecimento da temperatura devido à emissão de gases poluentes tornaram a questão ambiental um assunto urgente e necessário. Os consumidores, que cada vez mais se demonstram abertos a discutir tais pautas, e se tornam cada dia mais preocupados com os impactos ambientais e sociais da indústria da moda,  por sua vez decidem apoiar marcas que promovam a  transformação do setor em uma indústria ecologicamente e socialmente responsável. 

E com essa crescente preocupação em processos e cadeias produtivas responsáveis, ideias de reaproveitamento, adesão de uma tecnologia limpa e ecologia são bastantes interessantes. A esperança é que essas inovações veganas, lideradas pelas grandes marcas cheguem no mainstream e possam ser cada vez mais debatidos. 

Um ponto que chama atenção, são as contradições entre discurso e prática da cadeia de moda, resta saber se as marcas de fato se preocupam com uma mudança limpa e responsável ou se é apenas uma estratégia  de marketing para se manterem relevantes no mercado. É importante que as marcas e as pessoas entendam que a sustentabilidade vai muito além de um couro produzido de cogumelos ou a utilização eventual de retalhos. Para entender a sustentabilidade na moda é importante que olhemos para todos os bastidores de uma marca, seja a origem, os processos químicos dado ao tecido, processo de produção, quem costura, quem e como se distribui. 

Uma roupa sustentável não pode ser produzida em larga escala, não há como padronizar, por exemplo, uma peça feita de patchwork já que a ideia da técnica é utilização de retalhos, e não um mix de texturas, tecidos e estampas. Roupas sustentáveis tem uma produção individual, dentro do seu tempo, se preocupando com os impactos ambientais e sociais. As marcas de luxo andam por um campo minado, por muitos anos as grandes marcas de luxo foram responsáveis por ditar tendências e comandar o mercado, agora sob uma nova pressão de um consumidor mais rigorosos, e com a estrondosa força das redes sociais, se tornou fácil para que todos os consumidores ao redor do mundo se juntem e possam de fato cobrar atitudes ecológicas, transparentes, honestas e responsáveis das marcas.

 

 

Edição: Keven Souza

Comas Brasil no desfile Eco Fashion Week

Como um dos pilares da instituição, os projetos de extensão tem como princípio construir uma visão aberta e plural nos alunos, capaz de estimular o contato de ambos com a profissão ainda na graduação. Uma maneira que enriquece os conhecimentos acadêmicos e salienta o dinamismo profissional em diversas áreas de atuação. 

E hoje, o Contramão traz um artigo de opinião construído por meio do projeto de extensão Jornalismo de Moda, liderado pela professora Gabriela Ordones, que tinha como propósito fomentar o senso crítico e a escrita jornalística dos alunos dos cursos de Design, Comunicação e Moda. 

por Helena Coutinho

“Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, como bem expressou Lavoisier. Esse é o precedente de um dos movimentos de mercado mais fortes da atualidade, que ressignifica o descarte e o transforma em novo, apontando uma direção importante para a segunda indústria mais poluente do mundo, a da moda. 

Há relativamente pouco tempo, o mercado tem caminhado em um mesmo sentido: o da sustentabilidade. Tal movimentação, já mostrava sua previsibilidade em diversos veículos de tendência, visto que, há muito, já vínhamos percebendo que a escala na qual produzimos é insustentável para o nosso planeta e esse não é um reflexo a longo prazo. Para as marcas, o que antes era uma escolha e um diferencial é agora uma obrigação e uma exigência crescente dos consumidores, principalmente no que diz respeito às novas gerações. Vemos hoje a assinatura de tudo isso em colabs eco-friendly, técnicas de Upcycling e linhas de produção mais transparentes e atentas aos seus reais impactos.

Mas, cá entre nós, o consumidor de luxo e de grandes marcas, no geral, não dispõe de muita atenção no que diz respeito à temática da sustentabilidade, apesar disso, nitidamente, veio se fortalecer a cada dia. Uma das fortes ondas do momento são as técnicas de otimização de recursos e a reestruturação de materiais que seriam descartados. Uma das mais vistas recentemente é o Patchwork.

A técnica não é novidade: desde o Egito Antigo já deixou suas pegadas e, na moda, marcas como Vivienne Westwood e Versace foram algumas das pioneiras. Porém, o discurso do Patchwork aliado à sustentabilidade é relativamente fresco e quase que simbiótico. Contudo, em um momento onde a narrativa de empatia com o nosso planeta é crescente, marcas que ousam experimentar técnicas de Upcycling e reaproveitamento devem se atentar, também, ao seu discurso e analisar, diante de um mercado cada vez mais atento, se o seu propósito enquanto marca converge ou não com os princípios que precisam nortear uma coleção ecologicamente segura.

É notável que o movimento efetivo relacionado à sustentabilidade na moda, teve seu ápice nos brechós, bazares e com pequenos artesãos que, com um talento impecável, transformavam o que antes era considerado lixo em peças comercializáveis e exclusivas. Feliz ou infelizmente, grandes corporações, ao perceberem a crescente valorização mercadológica desse tipo de produto, viram-se diante de uma grande oportunidade: vender mais, com um discurso que até então ia na contramão das suas crenças e da sua linha de produção. É aí que a discussão ganha novos rumos.

A pandemia impactou a escassez de matérias-primas de todo e qualquer setor, inclusive o da moda. Gigantes da indústria fashion deram de cara com a incerteza, investimentos perdidos e uma estrada nebulosa diante do que viria pela frente. Ao mesmo tempo, pessoas que estavam em casa, esgotadas pelas exigências do isolamento social, começaram a utilizar como forma de escape a arte e a criação. O famoso “inventar moda” deixou de ser apenas um termo e ocupou um lugar importante no cotidiano das pessoas, principalmente no TikTok, onde ficou famosa a reformulação de peças já existentes no guarda-roupa. E essa foi a estratégia também adotada pelas marcas, agora obrigadas a utilizar dos seus recursos em meio à escassez, vendo-se impelidas a aproveitar o seu estoque que, há pouco, era integralmente carbonizado. 

Dolce & Gabbana, marcada pelas suas polêmicas contraditória se ética questionável, foi uma das gigantes a adotar o reaproveitamento, estratégia carimbada na sua coleção de verão 2021 ready-to-wear, executada a partir da mescla de diferentes retalhos que, juntos, se transformaram em uma explosão de cores e peças bastante atraentes ao olhar. Por um lado, nossos olhos brilham por saber que a adesão de grandes marcas a temas e propostas mercadológicos do tipo é um passo enorme para a expansão destes. Porém, reconhecendo o aspecto pendular da moda, sabemos que toda tendência tem data de validade. E o reaproveitamento de retalhos, pode ser uma delas.

Dolce Gabbana no desfile primavera/verão 2021

O poder do capitalismo é ainda maior do que parece e o mercado da moda anda ao lado dele. Um dos impactos disso é o greenwashing, que, segundo o Politize, é uma prática que promove discursos ambientalmente responsáveis, o que, na prática, não ocorre. É então, bastante coerente questionar se o imperialismo das grandes marcas usa do seu poder com verdade e propósito ou apenas como o “branding ideal” para vender cada vez mais.

A relação de poder no mercado da moda é o maior patrocinador dos seus impactos, sendo urgente que nós, como consumidores, consigamos enxergar isso. Grandes redes de fast-fashion já foram responsáveis por criar peças com design sustentável que, no entanto, utilizavam tecidos novos, produzidos especialmente para aqueles modelos. Para onde vai o discurso da sustentabilidade? Ecologia está na moda, mas será essa uma nova postura ou mais uma das brisas do mercado que passam adiante com a chegada do novo?

Historicamente, conhecemos os inúmeros dos grandes artistas que se perderam ao baterem de frente com a fama descomunal. Halston, Amy Winehouse, Michael Jackson, todos engolidos pelos holofotes que idealizavam seres humanos. Com esse final, já estamos familiarizados, mas o que a indústria como um todo nos mostra são grandes empresas que se perdem diante da escuridão da sua efervescência, esquecendo-se de que arte e equilíbrio socioambiental podem e devem ser inseparáveis. O mercado muda, os discursos mudam, o público muda. Mas será que o mundo vai se manter o mesmo? Diante disso, nos cabe questionar: será que “fazer o que se vende” é mesmo a melhor escolha?

 

 

Edição: Keven Souza