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pobre no Brasil

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Por Igor Tiago Ribeiro

Você já se perguntou hoje quem está mais exposto a este tiroteio que é a pandemia de covid-19? Conheço quem tenha a coragem de dizer “eu”, ou “todos nós”. Mas, infelizmente, os dados provam que essa não é uma verdade absoluta. A periferia tem sofrido cada vez mais porque o mal que a acomete não é somente a pandemia de covid-19, a distância dos centros de saúde, a falta de acesso ao saneamento básico, a quantidade de pessoas que moram na mesma casa, mas também a falta de acesso à educação, o aumento da presença messiânica da igreja nas comunidades e o quanto isso, infelizmente, a aproxima do discurso negacionista escancarado no mais alto escalão da política brasileira.

Pode soar conspiracionista demais que estes fatores se somem aos péssimos que já existem e resultem em uma chacina da população menos favorecida de um país, mas onde já vimos estes fatores acontecer, a história posterior fez questão de mostrar que nunca é somente só o fato, mas, sim, tudo o que está por trás dele. E eu, como jornalista, seria um irresponsável se não estivesse atrás da origem do fato de o Brasil ter ultrapassado mais de 300 mil mortes por covid-19, e elas estarem, em maioria, na população mais pobre.

Você ainda lembra que a primeira vítima fatal de covid-19 no Brasil foi uma empregada doméstica? Essa cena se repetiu outras milhares de vezes e foi um estudo publicado pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da PUC-Rio que primeiro confirmou tudo. Levando em conta as primeiras 30 mil notificações de casos de covid-19 disponibilizadas pelo Ministério da Saúde, o estudo concluiu que quanto maior a taxa de escolaridade, menor era a letalidade da doença, ficando em 71,3% entre pessoas sem escolaridade e 22,5% em pessoas com nível superior.

Se aprofundarmos os dados e cruzá-los com as características de raça, vemos que pardos e pretos sem escolaridade representam 80,35% dos dados de frente, com 19,65% dos brancos com nível superior. E esse é apenas o resultado de uma pesquisa no início da pandemia, em maio de 2020. O problema mesmo está no fato de que, com a permanência da pandemia, os dados ficam mais específicos e confirmatórios – por vezes, até mais assombrosos.

Pesquisa do estúdio de inteligência de dados Lagom Data, feita em exclusividade para o jornal El País, comparou os dados de 2020 com os de 2021 e confirmou aumento de até 60% das mortes entre as pessoas com vínculos profissionais comprovados que não puderam ficar em casa. Em especificidade, as profissões que não exigem formação de nível superior e não ganham o suficiente para sair das regiões marginalizadas onde habitam são as mais afetadas.

Mas o que a igreja tem a ver com isso? É meio difícil imaginar como a religião possa impactar numa crise humanitária quando seu papel, na história da sociedade, sempre foi o de passar uma imagem humanizada para a sociedade que a cerca [e a sustenta].

Segundo pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha, em janeiro de 2020, pré-pandemia, 60% das pessoas que compõe o perfil do brasileiro evangélico se autodeclaram pretas ou pardas. Isso é resultado do crescimento da presença dessas igrejas nas regiões onde essa população está, em sua maioria, nas regiões mais periféricas. Essa representatividade não existe somente nesta população. Pelo contrário, está, até mesmo, no cenário político brasileiro, no qual compõe 20% do Congresso, em Brasília.

Só nas eleições municipais de 2020, foram, aproximadamente, 13 mil candidatos espalhados pelo Brasil, que usaram a própria religião como bandeira política, segundo o Instituto dos Estudos da Religião. E o maior problema é que a religião faz oposição à ciência, e, quando forma representatividade política, colocamos os estudos científicos em xeque na mão dos representantes do povo. Afinal, a voz do povo é a voz de Deus.

É com esse discurso que o próprio presidente Jair Bolsonaro conseguiu puxar para si a taxada irresponsabilidade social durante a gestão da pandemia. Principalmente, porque representa o combo perfeito entre negacionismo, religião e poder. E, quando esse discurso ecoa entre as pessoas que frequentam os centros religiosos neopentecostais, que é são as mesmas, mas sem acesso à educação, e representam a maioria entre os seus eleitores, temos o resultado catastrófico de um número maior de mortes nesta população.

Infelizmente, ainda estamos numa realidade longe do ideal de conseguir separar política de religião, formar cada vez mais pessoas em ensino superior, e voltar a investir em educação pública para aumentar o acesso da população mais pobre a melhores oportunidades de vida. Em 2021, já não bastava que brasileiro, o que, no geral, já é difícil? Também ser pobre e preto é a certeza de que não há como sobreviver a mais uma pandemia.

 

*Edição: Professor Maurício Guilherme Silva Jr.