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Por Bianca Morais 

O TBT de hoje do Jornal Contramão, é um artigo de opinião e mostra não apenas os acontecimentos desastrosos daquele 2 de outubro de 1992, mas uma resolução sobre a atual situação que não é muito diferente da antiga.

A Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como Carandiru, inaugurada em 1920, foi durante décadas uma prisão segura e bem estruturada. Para se ter ideia, na época foram investidos 14 mil réis em sua construção, enquanto outros presídios custavam por volta de até mil réis. Depois de 20 anos funcionando, em 1940 ele alcançou sua lotação máxima, e em decorrência disto começou a construção dos pavilhões para que pudesse receber mais detentos.

Os pavilhões eram divididos por detentos.

  • No Pavilhão 2 aconteciam as triagens dos presos e onde ficavam os serviços de apoio, como alfaiataria e barbearia.

 

  • No Pavilhão 4 encontravam-se as celas individuais e enfermaria. Importante ressaltar que nesse prédio, no térreo mantinham-se os presidiários doentes, muitos com tuberculose, doença comum na época. No segundo andar os deficientes mentais, errado, uma vez que esse perfil de pessoa não deveria estar em uma cadeia comum.

O terceiro andar era ocupado pelas celas individuais e onde permaneciam estupradores e pedófilos. Por serem jurados de morte, esses bandidos precisavam ficar em celas separadas, e com isso, acabavam sendo beneficiados, afinal, sem convívio com os outros, eles não entravam em brigas, mantinham bom comportamento e conseguiam a liberdade mais cedo.

Não estou aqui para defender bandidos, mas é necessário entender que sim, existe uma diferença gritante entre alguém que rouba um pão para sustentar a família e alguém que estupra crianças. Esse perfil de prisioneiro deveria ser punido com mais rigor, sem a oportunidade de voltar a se reinserir tão cedo.

E isso acontece até hoje, afinal, se alguém condenado por ter estuprado uma criança, pelas “leis da prisão”, é morto logo nos primeiros dias, porque não criar um presídio para eles, onde irão pagar suas penas juntos aos seus iguais.

  • Pavilhão 5 nesse prédio possuía as celas conjuntas. No terceiro andar ficavam os justiceiros, no quarto os travestis, no quinto os “presos do seguro”, jurados de morte, conhecidos como amarelos, o apelido se veio pelo fato de que por não saírem das celas com medo e serem proibidos de tomar sol, eles ficavam amarelos. 

Situações desumanas, mas ainda na lei da prisão, se eles saíssem de lá, seriam mortos, e com certeza, os policiais, encarregados de manter a ordem no presídio, não iriam impedir isto.

  • Pavilhão 6 lá ficavam a cozinha e as solitárias, onde presos que cometiam alguma desordem eram mantidos durante alguns dias isolados.

 

  • Pavilhão 7 era o mais calmo, ocupado por presos de bom comportamento e que trabalhavam.

 

  • Pavilhão 8 presos reincidentes, os chefões, os mais “espertos”, que não procuravam confusão e viviam deles.

 

  • Pavilhão 9 o local do massacre. No pavilhão 9 se encontravam os réus primários.

O Brasil vive uma realidade de presídios superlotados e situações precárias. O Estado é falho, milhares de celas pelo país estão cheias de réus primários, aqueles que ainda estão aguardando julgamento, e não é atoa que foi justamente nesse pavilhão, superlotado, que ocorreu o massacre.

Existem réus primários que não cometem crimes tão graves, e existem aqueles que cometeram violências brutais, e ali, todos se encontravam, pois esperavam, às vezes anos, por julgamento. 

Coloque em uma cela uma pessoa manipulável e outras estressadas. Coloque alguém que acabou de entrar na cadeia e que não tenha onde dormir, porque para dormir nas celas do Carandiru você precisava pagar, sem dinheiro, você fica devendo a um assassino, que ou vai te matar ou irá te cobrar um favor. O que é pior? Era essa a realidade catastrófica do Pavilhão 9. 

A prisão era uma verdadeira bomba relógio, a divisão dos pavilhões e presos sempre causava muitas brigas e discussões, inclusive, diferentes facções eram colocadas juntas de modo preciso para brigarem entre si e, quem sabe, “com sorte” um ou outro acabava morto para esvaziar o Carandiru. Enfim, uma dessas brigas, no entanto, ficaria marcada para sempre na história daquele lugar. Era como se fosse uma tragédia anunciada para extinguir o depósito de prisioneiros.

No dia 2 de outubro de 1992 aconteceu uma partida de futebol entre dois times de presidiários, outros detentos assistiam a partida. Enquanto isso, no pavilhão 9 começou uma briga entre dois presos conhecidos como Barba e Coelho. O que parecia apenas uma discussão comum, iria se tornar o maior massacre dentro de um presídio no Brasil.

Em determinado momento, a briga perdeu o controle e foram entrando mais e mais pessoas. Eram dezenas de presos se atracando e os guardas não conseguiam separar, por isso, foi necessário chamar reforço, eram 300 policiais do lado de fora do Carandiru.

Naquela tarde, o Coronel Ubiratan estava no comando e autorizou todos aqueles policiais a entrar no prédio e controlar a situação. E não apenas ele, mas foram ordens do governador e do secretário de “segurança” pública de que a PM poderia intervir para “restabelecer a ordem”, o que deu início ao banho de sangue. Literalmente falando, pois ao final o sangue dos mortos misturou a água dos canos estourados. 

A partir desse momento várias versões apareceram, e fica a cargo de vocês, leitores, escolherem qual parece mais digestível.

Enquanto a polícia afirmava que 86 policiais invadiram o presídio, a promotoria que investigou afirmou que foram mais de 300, e a maioria sem crachá.

300 policiais, e grande parte deles sem identificação. Eles não estavam entrando ali para controlar uma rebelião, eles estavam entrando ali para matar!

No ano de 1992 o país passava pelo primeiro episódio de impeachment, a transição do governo de Collor para o de Itamar Franco tomava conta de todos os jornais. No dia seguinte ao massacre seriam as eleições em São Paulo, entre as pesquisas o favorito era Paulo Maluf e seu principal adversário era Eduardo Suplicy. Aquele rebelião não poderia durar mais que um dia, ela precisava acabar naquela sexta-feira.

A tal guerra pode ter começado dentro da prisão, mas no final das contas ela se tornou uma batalha de fora para dentro.

Os direitos humanos e presos presentes afirmam que na hora que os policiais estavam entrando, eles já estavam se rendendo e entregando as armas. 

Os policiais alegam que os presos não estavam pacíficos, que ao contrário, atacavam eles e agiam de forma violenta, jogando sacos com urina nos policiais e os atacavam nos corredores com seringas com sangue de portadores de HIV.

Não se rebate sacos de urina com armas de fogo. 

Os detentos e, posteriormente, a perícia afirmaram o seguinte: a hora que os policiais atacaram, eles já haviam se entregado, estavam desarmados dentro das celas, e mesmo assim, os homens entraram para matar.

Ninguém tentou apaziguar nada, a perícia afirmou que apenas 26 detentos de 111 mortos naquele dia, estavam fora da cela, isso significa que 85 sujeitos foram mortos dentro da cela, já rendidos.

A trajetória das balas seguia de fora para dentro, os policiais teriam parado nos cantinhos da cela e atirado. A maioria dos tiros? Na cabeça, tórax. Ninguém atira na cabeça para render presos, atiram nesses locais para exterminá-los. 

Os policiais em contrapartida alegam legítima defesa. Centenas de presos desarmados, se um policial atirasse na perna de um, já calaria milhares, mas não, não era defesa, era ataque. 

Eles são bandidos merecem morrer? Escutamos diariamente isso vindo da boca de representantes do governo, não desde hoje, desde sempre. O banho de sangue do carandiru foi 29 anos atrás, mas com ordens superiores, poderia acontecer hoje ou amanhã.

Até os dias atuais, policiais sobem morro matando bandido e gente inocente que não teve sorte de estar ali no momento. Um preso custa ao governo cerca de 2500 reais, por que o governo não pega os 2500 reais e investe em educação? Em construção de escolas, invés de anexos em presídios?

Uma criança na favela cresce recebendo cesta básica e brinquedos de traficante de droga, enquanto de policial cresce levando tapa na orelha, chamado de vagabundo, e de vez em quando perde um amiguinho de escola de bala perdida.

Você acha que essa criança vai gostar de bandido ou de policial? Quer respeito, respeite.

Na noite daquele 2 de outubro, os policiais obrigaram os presos sobreviventes a carregar os amigos mortos até o 1º andar do presídio, e nisso ainda atirou em alguns deles que saíam da cela. 

Havia tantos mortos, que até quem não tinha morrido e estava agonizando entrava no camburão e morria sufocado.

Se não deviam nada a ninguém, por que atrapalhar uma cena de crime? 

Em uma primeira hora a polícia anunciou o número de mortos: 8 detentos.

Oficialmente 111.

Por que aqueles presidiários morreram? Qual foi o crime cometido por eles? Por que eles estavam ali? Será que o crime cometido por eles é pior que o de desviar verba de construção de escolas e hospitais? Será que o crime deles é pior que corrupção?

Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. Discurso do presidente do Brasil. O mesmo que diz que bandido bom é bandido morto. Se cree tanto em Deus não deveria ser ao contrário? Não é Deus o único poderoso o suficiente, que pode condenar alguém no juízo final? Onde se perdeu a tradução da bíblia sagrada? E vale lembrar, que segundo a legislação brasileira, Brasil é um país laico.

E sabe o que aconteceu com todos aqueles responsáveis pela morte de 111 presos? Condenados, claro, mas alguém realmente pagou por isso? Ou para esses a lei divina irá cobrar? Segunda opção.

Dos 300 policiais, 78 foram a júri por participação no massacre, 74 foram condenados por homicídio, porém, com os julgamentos anulados ninguém cumpriu pena.

Na realidade o capitão Ubiratan pagou, em 2001 ele foi condenado por 102 mortes, 632 anos de cadeia, mas em 2006 acabou sendo absolvido. No entanto, antes tivesse sido preso, pois aqui fora não teve tanta sorte, no caso dele não foi a justiça, nem Deus que o julgou, foi a lei da prisão, o “aqui se faz aqui se paga”.

Atualmente o presídio está desativado, os presos foram transferidos, alguns dos prédios demolidos e outros reaproveitados para abrigar instituições educacionais e de cultura, mas a realidade é que nada nunca poderá apagar o que aconteceu naquele dia, todo aquele sangue derramado.

O episódio do Carandiru chamou atenção de todo o mundo, a partir daquela data houve muita cobrança em cima da polícia, a tropa de choque não invadia mais, aquele massacre acabou interferindo na segurança dos presídios, uma vez que eles não poderiam mais interferir e os presos acabaram tendo mais “liberdade” na forma de agir. Os justos acabam pagando pelos pecadores.

O Primeiro Comando da Capital, o PCC, uma das maiores organizações criminosas no Brasil nasceu com a justificativa de “combater a opressão dentro do sistema prisional paulista” e “vingar a morte dos cento e onze presos”, se a justiça não é feita pelos meios convencionais ela acaba sendo feita por outros.

O governo nunca esteve preparado, os anos 90 foram marcados por crises econômicas e desemprego, a criminalidade crescia mais a cada dia, esse episódio não deveria ter acontecido, o certo era se construir mais prisões, se aqueles presos deveriam pagar pelo seus crimes, eles iriam pagar para sempre, mas vivos. 

A rebelião era entre presos, uma hora ou outra eles acabariam resistindo, em situações como essas, corta luz, água, banho de sol, uma hora eles acabariam cedendo, infelizmente essa hora nunca chegou. 

111 mortes não podem ser esquecidas, todos estamos fadados a cometer erros na vida, e não é por isso que precisamos pagar com nossa vida, antes de encher a boca para falar de fulano, olhe para dentro e entenda que você também não é perfeito. Se dentro da sua religião apenas Deus pode julgar, porque você insiste em condenar os outros sem nem ao menos juiz você é?