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Por Bianca Morais

Durante muitos anos a hora do parto era vista como um procedimento médico, obstetras eram formados para fazer o parto com intervenções cirúrgicas, com o pensamento de “quanto mais rápido, melhor”. Com o passar dos anos a cultura obstétrica passou por uma mudança, enxergou-se que não era necessário tudo aquilo, que dar a luz é uma missão natural da mulher, a hora do parto é sobre mãe e filho e que os médicos devem interferir da menor maneira possível, sendo a mulher a protagonista do seu momento.

O termo Parto Humanizado tem sido muito utilizado nos últimos tempos, se entende na ideia de um parto mais humano e acolhedor. Dentro do conjunto de procedimentos dessa humanização, entra o Plano de parto, um documento elaborado pela mulher, nele ela registra seus desejos e cuidados que quer receber nos momentos antes, durante e após parir.

O Jornal Contramão traz hoje a história de mulheres que fizeram o plano de parto e tiveram experiências incríveis e acima de tudo a autonomia delas.

O plano quase perfeito

A coordenadora de vendas, Nicole Fiorini, 34 anos, não conhecia sobre o plano de parto. Foi na sua primeira consulta ao obstetra, com três semanas de gestação, que tomou conhecimento sobre o assunto. Mãe de primeira viagem, ela escreveu todos os seus desejos no documento para que sua equipe médica seguisse todos os protocolos possíveis no momento que ela deu à luz ao pequeno Ivo. 

Nicole contou que tudo foi como planejado, exceto o desejo para que o pai do bebê cortasse o cordão umbilical que não foi realizado em função da cesariana. Ela teve o auxílio do marido e da doula na hora de redigir o documento e ressalta a importância desse planejamento. “O plano de parto assegura que a vontade da família seja respeitada e possibilita ter um histórico a mais sobre a chegada do bebê. Além disso, faz o casal refletir de forma prática sobre o momento do parto”, diz.

A mãe do Ivo teve um parto tranquilo e sem intercorrências, a mesma equipe médica que fez seu pré-natal, também conduziu sua cesária. Em seu plano de parto continha alguns pedidos, como: presença do acompanhante e doula ou enfermeira obstétrica, luzes rebaixadas e ar-condicionado desligado durante o nascimento do bebê, aleitamento materno em livre demanda e não usar complemento e medicamentos ao meu bebê sem nosso consentimento e explicação clara do motivo. 

E para as gestantes e tentantes ela deixa um recado sobre a importância do plano. “Você não vai poder responder por si durante o trabalho de parto, evite arrependimentos com um documento simples”, reforça.

Mãe e protagonista

Uma gravidez não planejada, um susto e um misto de emoções, foi assim a descoberta da gravidez de Bárbara Cabalzar. Até o terceiro mês de gestação a jovem não conhecia sobre o plano de parto, descobriu a existência desse documento ao seguir influenciadoras digitais. Ela contou à nossa equipe que fez um planejamento completo, contendo todas as suas vontades em relação aos procedimentos e decisões que deveriam ser tomadas durante o seu processo de dar a luz ao pequeno Bernardo. 

Sua escolha era um parto normal com analgesia e sem episiotomia (um procedimento cirúrgico que consiste em uma incisão no períneo — a região entre o ânus e a vagina — para facilitar a passagem do bebê.). Caso a evolução do parto normal não fosse possível, a cesariana era a segunda opção.

Bárbara não conseguiu ter parto normal, mas conta que as ações realizadas no centro cirúrgico foram de acordo com o seu planejamento. “Meu parto não saiu como o  meu primeiro desejo. Eu queria muito o  parto normal, só que não deu. Tentei a indução, mas mesmo assim, não foi adiante, a solução foi a cesária”, explica. Apesar da situação, ela garante que não se arrepende e que foi tudo como seu desejo e que sua obstetra deu todo o suporte necessário para que o momento fosse tranquilo e sem grandes intercorrências.

Ela reforça que o plano de parto é recomendado pelo Ministério da Saúde e que é um direito da mulher. “É uma proteção da lei e a gente vê casos horríveis de violência obstétrica de mães que não foram ouvidas e que sofreram durante o nascimento do filho. É importante garantir que elas tenham seus desejos e vontades preservados”, diz Bárbara. 

Influenciando parto humanizado

Giselle Souza é influenciadora digital e faz sucesso no Instagram postando sua rotina acompanhada de sua pequena Diana. Sua gravidez não foi nem um pouco planejada. “Foi um susto grande, mas é aquilo, quando você não se previne, não tem como vir um iphone, veio uma bebezinha”, brinca ela.

No início de sua gravidez, Giselle sofreu muito com enjoos e chegou a perder oito quilos. “Não conseguia comer nada direito, foi uma luta, achava que não ia passar, me odiava e odiava estar grávida, tudo aquilo não entrava na minha cabeça” desabafa a mãe.

Depois de alguns meses se acostumando com a ideia da gravidez que Giselle, de fato, foi se aprofundar no assunto e descobriu sobre o plano de parto. “Descobri na internet, seguindo doutoras e pessoas que falam de assuntos de maternidade, foi quando entrei de cabeça e procurei entender tudo aquilo que ia acontecer comigo, que me tornei mais segura, o meu medo foi embora”, diz ela.

Giselle fez algo muito importante que todas as mulheres que estão grávidas ou planejam engravidar devem fazer, estudar e muito sobre, o conhecimento é a melhor maneira de não ser pega de surpresa e ainda poder questionar o que não acha correto. 

“Muita gente duvidou, falou que eu estava doida por fazer um plano de parto, que isso não existe, que o hospital não ia aceitar, pois era pelo sus, e muito pelo contrário, eles me acolheram super bem”, relembra a influenciadora.

Uma das maiores preocupações de Giselle era o que poderia acontecer com ela, sua neném e seu corpo. “Nós mulheres temos tanto essa questão de meu corpo, minhas regras, e na gravidez que é algo que mexe totalmente com ele, deixamos nos levar pela opinião de outras pessoas, pelo que o médico nos induz a fazer, sem pesquisa e nem nada”, comenta ela.

Quando decidiu pelo seu plano de parto, Giselle, chegou ao médico sabendo tudo, eles conseguiram conversar melhor, ele entendia o que ela perguntava e ela todos aqueles termos médicos que ele falava.  

Para a influenciadora digital, o plano de parto é algo único, é sobre entender o parto, conhecer o hospital em que irá ganhar o bebê, ver o que ele oferece e baseado em todos os conhecimentos fazer o seu. 

“Muita gente não sabe, mas você pode visitar a maternidade onde irá parir, eu fiz isso, fui bem recebida no hospital da minha cidade, a equipe médica foi bacana comigo, eu vi cada sala, desde a porta pela qual entraria, onde eu iria ganhar a neném, e onde ficaria depois, ali eu fiquei muito tranquila porque sabia que quando chegasse a hora, ia ser um ambiente familiar”,  conta a mãe. 

Em seu plano de parto, Giselle colocou observações bem específicas, pediu para que o parto fosse induzido somente quando fosse necessário, pediu para comer, beber e andar, que ganhasse na posição que achasse confortável. 

“Tem uma coisa no meu plano de parto que até o médico estranhou, nele constava um pedido caso a minha bebe viesse a óbito. Não costumamos falar sobre a morte, é estranho falar, mas tudo ali é um pedido, não uma ordem, e eu pedi para que caso acontecesse eu tivesse um momento com ela”, diz ela.

Como nem sempre um plano sai conforme o planejado, Giselle acabou tendo uma mudança no seu, o tão sonhado parto normal para o qual ela estava preparada e estudada não aconteceu. “Durante o parto vemos o partograma, ele é um gráfico que acompanha o estágio do parto, eu percebia que com o passar das horas, toda vez que a médica vinha medir os batimentos cardíacos da minha broa, apelido carinhoso que dou a minha filha, ele diminuía cada vez mais”, complementa. 

Giselle começou a se preocupar e decidiu então, não pela dor e nem capricho, pois a mãe já havia ficado toda a noite em casa, não queria ir para o hospital, mesmo com as contrações esperava a hora certa, mas seu instinto materno fez com que desistisse do parto normal por preocupação com o que os batimentos cardíacos caindo que poderia prejudicar sua pequena.

“Mais do que o parto normal eu queria que ela nascesse na hora dela, que viesse na hora que tivesse que vir. Eu tive a contração, minha bolsa rompeu sozinha, eu passei por tudo e sim, essa era a hora dela, ela estava pronta, fiz a cesárea tranquilamente e não sinto arrependimento nenhum”, afirma. 

Giselle não é contra cesáreas, ela sabe que salva vidas, seu plano de parto foi seguido e apesar do procedimento, assim que sua filha veio ao mundo, ela foi direto para os braços da mãe e as duas tiveram sua ‘golden hour’, a primeira hora do neném no colo da mãe.

“Para toda gestante eu digo, pesquise sobre a gravidez, sobre o plano de parto, sobre o que vai acontecer com seu corpo, o que pode e o que não, sobre violência obstétrica, parto normal e cesárea, porque quanto mais a gente pesquisa menos da medo. Quem pari é só a mulher, é o nosso extinto”, conclui.

Já a Dra Denise Gomes, ginecologista e obstetra, responsável pelo Instagram @mamaeplena, compartilha com suas seguidoras assuntos ligados à saúde da mulher e à maternidade. Ela, em entrevista ao Contramão, traz detalhes sobre o plano de parto.

1 – Em termos médicos, o que é um plano de parto?

É um documento elaborado pela gestante no qual ela descreve todas as suas intenções a respeito do seu processo de parto, a ser apresentado para a equipe de profissionais que irá lhe atender durante o trabalho de parto e puerpério imediato.

2 – O que contém em um plano de parto?

Nele contém a identificação da paciente, do seu acompanhante, do serviço onde será o parto. Contém como a gestante deseja que seja o seu parto, qual a via de parto, quais mecanismos ela gostaria que fossem feitos no alívio da dor, quais ela gostaria de ser evitado. Quais procedimentos aceita e quais não. Como gostaria que fosse conduzido o cuidado do RN após o nascimento. 

3 – Quais profissionais podem fazer um plano de parto? 

O plano de parto deve ser feito pela gestante e pela sua rede de apoio que ela escolha. A equipe que prestará assistência ao parto (obstetra, enfermeiro, doula) pode ajudar a orientar o preenchimento do mesmo.

4 – Todas as mulheres podem ter um plano de parto? E quando ele deve ser feito?

Claro! Podem e Devem! O plano deve ser feito durante a gestação, recomendo que seja feito no terceiro trimestre da gestação.

5 – Qual a importância do plano de parto para a mulher e para o bebê?

Acredito que o plano de parto é um instrumento com algumas finalidades. Primeiro, traz muito conhecimento a respeito de todo o processo de parto para a gestante, pois para a sua execução ela acaba “estudando” um pouco sobre cada etapa do parto. Além disso, ele traz maior segurança para a mulher enfrentar esse processo e a coloca como protagonista do seu parto. Pode também fortalecer o vínculo da gestante com a equipe e/ou com o serviço que lhe prestará assistência. Sem falar que ajuda o bebê a nascer em um ambiente mais adequado e receber assistência na sua “hora de ouro do parto” que são de grande benefício para a sua vida.

6 – Nos últimos tempos temos visto muitas denúncias de violência obstétrica, existe alguma lei que denuncie um médico por não seguir o plano de parto escolhido pela paciente?

Não existe lei que “obrigue” o profissional a seguir o plano de parto, mas sim recomendação das Sociedades de Obstetrícia.

7 – Já aconteceu alguma situação em que você não conseguiu seguir o plano de parto? Como procedeu? Qual foi a reação da paciente?

Durante as minhas assistências de parto sempre procuro orientar muito tudo o que está acontecendo e busco a parceria da parturiente durante todo o momento. Por vezes posso indicar algum procedimento que não estava planejando, mas eu explico o porquê da indicação e seus benefícios, e só faço com seu consentimento. Nunca tive problemas, sempre chegamos juntas a melhor e mais saudável experiência possível para todos!

8 – Quais são as situações em que o plano de parto não acontece?

Normalmente quando existe risco de vida para a gestante ou o bebê.

9 – As mulheres podem mudar o plano na hora do parto?

Não é raro mudarem de opinião em momento de dor no parto ou por estarem fragilizadas ou com medo do processo. Sempre tentamos ouvir suas questões e atender suas necessidades, mas sempre tento lembrá-las das opções que tinham feito anteriormente. 

10 – Na sua opinião, qual a importância de um plano de parto?

O Plano de Parto torna toda a experiência de parto para a gestante e sua família mais tranquila, mais rica, mas respeitosa, mais completa, unindo nesse processo gestante e profissionais do parto, para com tudo isso reduzir intercorrências no parto e tornar cada nascimento único e inesquecível.

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*Por Bianca Morais

O nascimento de uma criança é um dos eventos mais importantes na vida de uma mulher, é o momento dela de se autoconhecer e empoderar-se, um poder e uma função que é somente dela. Dar a luz que deveria ser um ato humanizado e repleto de sentimentos, deixando a mulher como protagonista das suas dores e do seu corpo, porém nos últimos anos a história tem sido bem diferente.

O Brasil é um dos países com o maior número de partos cesáreas do mundo, eles chegam a 80%, enquanto o recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) é de até 15%. Esse índice grande sobre o número de cesarianas é consequência da falta de informação. Grande parte das mulheres não conhece ou não sabe dos benefícios de parir respeitando a vontade do seu corpo e a hora do bebê.  

Parto humanizado nada mais é do que um parto natural, sem tempo para acabar, momento que ilustra a ação literal da natureza humana com supervisão profissional e apoio emocional . Antigamente, cesáreas e hospitais não existiam como forma de uma mãe dar à luz a seu filho, o parto era realizado em casa, por parteiras, sem uso de anestesias ou intervenções cirúrgicas. Isso pode ser usado como um exemplo de que é possível sim trazer uma criança ao mundo sem toda aquela tensão do ambiente hospitalar.

O parto humanizado acolhe a grávida. A equipe médica está sempre atenta em explicar o que está acontecendo a ela, se ela quer, se aceita, se entende o que irão fazer e o porquê estão fazendo. Partos em hospitais muitas vezes são estereotipados, cercados por polêmicas envolvendo violência obstétrica, médicos que se dizem donos da razão e não escutam o lado da mulher, são equipes autoritárias que fazem procedimentos sem emergência, somente por pressa, como romper a bolsa para induzir um trabalho de parto. Muito também se ouve falar de casos de episiotomia, que é o corte do períneo (região localizada entre a vagina e o ânus) na hora do nascimento do bebê, uma técnica usada para aumentar a abertura vaginal a fim de evitar que a área perineal sofra uma laceração, sem necessidade, apenas para facilitar o procedimento e sem a autorização da paciente.

De acordo com a OMS, a data provável do parto é calculada para 40 semanas após o primeiro dia da última menstruação, porém nem sempre acontece dessa forma. Quando se humaniza o parto, respeitando a hora da mãe e do bebê, ele pode passar desse prazo pré-determinado, esperar, por exemplo, o momento em que o pulmão e o cérebro estão maduros. É importante ressaltar que cesáreas também podem ser humanizadas, o que torna um parto mais humano é a forma como ele é feito. E, sendo de forma natural, pode ser realizado até em casa, no hospital com suporte de uma banheira ou em casas especializadas, dependendo da forma que a mulher se sentir mais confortável e segura.

Um bom parto trás diversos benefícios, fisiologicamente a mulher fecha um ciclo hormonal para iniciar outro, a amamentação, sendo assim, o parto vaginal desprende hormônios que na cesária demoram a acontecer, facilita a descida do leite, ou seja, o parto humanizado colabora para a recuperação do corpo e traz segurança emocional.

Atualmente no Brasil, o procedimento humanizado já é bem conhecido e vem crescendo cada dia mais. A Obstetrícia é a ciência que estuda a reprodução humana, e dentro dela se formam três diferentes profissionais: O obstetriz, o obstetra e o enfermeiro obstetra. O médico obstetra se forma em medicina e o enfermeiro em enfermagem. O obstetriz é o profissional que conclui o ensino superior em Obstetrícia, a USP, é a única faculdade brasileira que oferece o curso, eles são profissionais preparados para acompanhar um pré-natal e também um parto, todos obstetrizes apresentam uma visão de humanização que aprendem já na faculdade e esse é um dos principais diferenciais entre os outros especialistas. 

Quando o assunto é parto humanizado, a maternidade Sofia Feldman situada em Belo Horizonte, é referência nacional e internacional. Reconhecida como berço da enfermagem obstétrica no Brasil, a  instituição é 100%  atendida pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e oferece serviços de saúde da mulher, pediatria, saúde sexual reprodutiva e assistência social com projetos voltados às mães e ao recém-nascidos.

Dos partos realizados no lugar, cerca de 84% são normais e apenas 16% são cesáreas. Dos partos normais, 7% acontecem na água, cerca de 31% das mulheres recebem analgesia farmacológica para alívio da dor e apenas 1% tiveram episiotomia. O hospital conta com cinco suítes, sendo 3 com banheira, no centro do parto normal Helena Grego e mais cinco quartos, sendo 2 suítes com banheira na casa de parto normal David Capistrano. 

De acordo com Beatriz de Oliveira, 26 anos, atua no hospital desde 2018 como enfermeira obstétrica, a filosofia com que trabalham é de que a mulher é protagonista do seu momento, por isso, durante todo o processo explicam os métodos não farmacológicos e farmacológicos para alívio da dor, oferecendo apoio emocional, incentivando a deambulação, ingestão de líquidos e alimentos, e colocando profissionais disponíveis para tirar as dúvidas.

“Sempre recomendamos que a grávida ainda durante a gestação leia a caderneta da gestante, tire todas as dúvidas com o pré-natalista, conheçam a maternidade, e realize o plano de parto, colocando as coisas que desejam e que não desejam durante o trabalho de parto” conta a enfermeira.

O respeito pelo desejo da mãe

Larissa Godinho, 24 anos, teve seu parto na maternidade Sofia Feldman . A mãe de primeira viagem tinha apenas um desejo na sua gravidez: ter um parto humanizado para seu filho João Antônio.

Quando descobriu a gravidez, preocupada com a estética do seu corpo queria um parto normal, mas foi com o passar do tempo, os pré-natais e muita pesquisa que encontrou o parto humanizado e descobriu que aquilo não era mais apenas para sua beleza e sim pela saúde e bem estar de seu filho.

Durante sua gestação Larissa fez um plano de parto onde deixava claro que não queria nenhuma intervenção, ou seja, não queria anestesia nem ser medicada, queria que tudo fosse o mais natural possível no tempo de João. Sofia Feldman é hospital referência em parto humanizado, por isso, ela não teve dúvidas de onde escolher para ter esse momento tão importante de sua vida. A mãe chegou a conhecer o hospital antes do parto, participou do dia da gestante, e sabia que ali suas vontades seriam respeitadas.

“Sem sombras de dúvidas para mim é a melhor maternidade do SUS que existe, se eu tivesse mais três filhos, meus três filhos eu ganharia lá”.

Como escolheu o parto natural, não havia uma data certa para João Antônio vir ao mundo. Ao completar 39 semanas e 6 dias de gravidez, Larissa foi ao hospital para uma consulta de rotina, não imaginava que horas depois da visita ao médico sua bolsa estouraria e começaria então seu trabalho de parto. 

Larissa ficou em uma suíte, pois queria ter o parto na banheira, a única coisa que a relaxava era a água quente, e no Sofia existem vários banheiros justamente por isso. Em determinado momento ela pediu para a doula se retirar, pois estava muito nervosa e não queria ninguém desconhecido no quarto, ficando apenas sua irmã e o pai do bebê. Conforme queria, não recebeu nenhum tipo de anestesia, apenas um analgésico para poder descansar e comer.

“Foi assim, maravilhoso, porque assim que João nasceu eu fui a primeira pessoa a pegar nele, eu que coloquei ele no meu peito, a gente abaixou a luz para não ficar muito forte no rostinho dele. Minha irmã colocou uma música que eu sempre escutava na minha gravidez pra ele se sentir assim, em casa”.

Larissa teve um parto que considera perfeito, ela e o parceiro esperaram o cordão umbilical parar de pulsar para poder cortar, em momento algum houveram atitudes invasivas, respeitaram o seu tempo e o tempo do seu filho. 

A história dessa jovem mãe é emocionante, mas infelizmente não é a realidade da maioria das gestantes do Brasil. No país em que a tecnologia e ciência substituem a escolha e o respeito com o ser humano, é muito mais rápido e vantajoso se fazer uma cesariana. É mais rápido tirar um bebê em 15 minutos do que dar assistência em um parto natural que pode levar horas e não é lucrativo. Enquanto o parto continuar a ser um produto, o Brasil nunca deixará os números assustadores para trás. 

Uma mulher dando apoio a outra mulher

Em um parto humanizado a assistência é realizada por uma equipe multiprofissional que conta com enfermeiras obstétricas, médicos obstetras, doulas, entre outros.

Médicos e enfermeiras são nomes muito conhecidos na área da saúde, agora um nome que muitas vezes passa despercebido é o de Doula.

Doula vem do grego e significa “mulher que serve”, é a profissional que as gestantes procuram quando optam por um parto humanizado. Uma doula pode acompanhar o casal desde o início, os auxiliando com aulas e esclarecimentos, durante o parto ela fica ao lado da mãe, dando apoio físico e mental, ajudando com exercícios, respirações e após o nascimento a especialista também se dispõe a dar ensinamentos sobre a nova fase, quando o casal se torna uma família.

Adriana Vieira, 50 anos, se formou como doula e educadora perinatal em 2009, é brasileira e atua na Holanda.

Foi em uma viagem de férias, 15 anos atrás, que sua vida tomou um novo rumo que ela jamais esperaria. Ao ir fazer um curso de Yoga em Amsterdam, observou que na sala ao lado acontecia uma aula para casais grávidos, a cena deles aprendendo sobre respiração e posturas a emocionou. No intervalo foi procurar a professora e perguntar sobre o que ela fazia, em resposta a mulher respondeu que era “Instrutora de Yoga e Doula”

Na época, Adriana era jornalista, se interessou pelo assunto e pediu para fazer uma matéria sobre.

“Enquanto fazia eu pensava: Meu Deus, como ninguém fala disso no Brasil para nós mulheres? Por que não aprendemos a amar nossos corpos como são? Pois se geramos um bebê, somos perfeitas! Como nossos pais e médicos não nos incentivam a parir naturalmente, já que é o melhor pra mãe e pro bebê e é algo natural?”. 

Como já praticava yoga, a até então repórter, resolveu fazer uma pós-graduação em Yoga, onde aprendeu sobre a mente e seu poder sobre o corpo. No ano seguinte se especializou em yoga pré-natal. Sua intenção inicialmente não era mudar de profissão, mas de alguma maneira ela queria espalhar para mais mulheres o que havia aprendido.

“Comecei em 2006 dando aulas de yoga para gestantes, em 2009 fiz a formação de Doula e de Educadora Perinatal e tive minha primeira cliente como Doula nesse mesmo ano”, explica.

Para Adriana, o parto humanizado faz parte da luta das doulas a favor das mulheres terem escolhas e serem ouvidas em um momento tão marcante e importante de suas vidas. O parto deve ser algo marcado positivamente em sua vida e não como algo ruim e doloroso. “Mentir para gestante que o bebê está passando do tempo e que pode está em sofrimento para forçar uma cesária, obrigar a mulher a ficar sozinha em trabalho de parto, pressões psicológicas e físicas, como dizer que ela não vai aguentar invés de dar suporte” cita Adriana como exemplo de abusos a gestantes.

Na Holanda, onde atua na área, ela afirma que o sistema obstétrico é bem diferente do Brasil e muito mais humanizado. Quem acompanha o parto e faz o pré natal são as obstetrizes e a presença de uma doula é primordial. Os partos podem ser feitos na casa da gestante, nas casas de parto ou em hospitais. Todo o planejamento é fundamental para a mulher se sentir confortável, inclusive a equipe que irá participar de um momento tão íntimo.

“A gente precisa lembrar que parto é o resultado de um ato sexual e envolve sexualidade, nudez, gemidos, dor, amor, fluídos, homem, mulher, bebê, instinto, foco, concentração, detalhes que precisamos lembrar e para que isso aconteça tem que haver privacidade. Uma mulher em trabalho de parto fica nua, com dor e quer acolhimento, e não saber que tem gente estranha no quarto, entrando e saindo, isso atrapalha muito a entrega da mulher no trabalho de parto”, explica.

Com anos de trabalho, Adriana, afirma que um parto humano traz força para uma mulher ser mãe, um vínculo a mais para o casal e amor ao bebê que chega e deixa sua dica como doula “estude, obtenha informações antes de engravidar e veja o que é baseado em evidências, para que não seja enganada num momento tão especial e marcante de nossas vidas e da vida de quem ainda vai chegar”.

O parto humano durante séculos foi algo fisiológico, uma mulher dando a vida a um ser humano. Foi com o avanço da tecnologia que hospitais, antigamente conhecidos por serem lugares que recebiam pessoas doentes, passaram a ser o lugar onde aquelas mulheres dariam a luz. Mulheres que antes eram amparadas por outras, agora estavam nas mãos de médicos, entregando o controle para eles. Elas que antes eram as protagonistas de seu momento agora estavam entregues a padrões pré-determinados.

A mulher foi cada vez mais perdendo sua voz no parto, uma mulher deitada de pernas para cima é mais fácil para o médico realizar seu parto. Um evento natural passou a ser um evento cirúrgico, cercado por pessoas desconhecidas. O cordão umbilical, que conecta a mãe e o bebê, arrancado às pressas sem nenhuma compaixão. A cesária salva sim, diariamente, a vida de muitas mães e bebês mas ela não é a única opção, falar para uma mãe que ela não tem dilatação é não respeitar seu tempo, é preciso ter paciência e esperar acontecer, não submetê-la a um processo cirúrgico e invasivo por mera conveniência.

O sistema neonatal brasileiro está criando uma cultura de mulheres que se sentem incapazes de acreditar que podem ter seus filhos de forma fisiológica e natural, médicos sem tempo de dar atenção e carinho a mulheres que só querem ter o prazer de dar a luz ao seu filho com amor. É necessário rever o sistema de saúde brasileira e a cultura do parto, não dá para continuar a aumentar o número de mulheres infelizes consigo mesmas por não terem parido da maneira que desejavam. 

 

*Edição: Daniela Reis