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transtornos psicológicos

No Brasil, 68,8% da comunidade LGBTQIA+ está em algum grau de Insegurança Alimentar, sendo 20,2% em IA grave, conforme levantamento do Guia de Cuidado e Atenção Nutricional à População LGBTQIA+

Por Júlia Garcia e Millena Vieira.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os transtornos alimentares são um conjunto de doenças psiquiátricas que se caracteriza por uma desordem no ato de se alimentar. Estima-se que mais de 70 milhões de pessoas no mundo sejam afetadas por algum transtorno alimentar, incluindo anorexia, bulimia, compulsão alimentar e outros, sendo a anorexia e a bulimia nervosa as de maior incidência entre o público jovem de 12 anos até o início da vida adulta, o que acaba dificultando o seu desenvolvimento. 

Para a nutricionista e professora Luana Santos, especialista em Adolescência pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), com Doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), os distúrbios alimentares estão vinculados a condições de saúde física ou psicológica, questões socioculturais e até mesmo fatores genéticos. Entre os adolescentes, o principal fator de risco, além da auto estima baixa, a distorção da própria imagem e os maus hábitos alimentares, é o culto excessivo ao corpo. “Isso tem sido muito valorizado, sobretudo nos últimos anos, com o avançar das redes sociais, há uma imposição pelas redes, pelas mídias de corpos que fogem do padrão, há um culto excessivo ao corpo esteticamente diferente do que é habitual da adolescência, isso favorece a ocorrência de distúrbios”, alerta.

Na visão da professora, existe uma linha muito tênue entre transtorno alimentar e transtorno de saúde mental. “Essa relação é uma via de mão dupla, aqueles indivíduos que têm o histórico de depressão, ansiedade e outros transtornos, vão ter maior propensão a ter um distúrbio alimentar, e aqueles indivíduos que têm um distúrbio alimentar também poderão ter maior chances de desenvolver qualquer transtorno de saúde mental, pela questão inerentes aos quadros de distúrbios”, afirma.

Em 2021, o Conselho Regional de Nutricionistas 1º Região (CRN-1), lançou a 1º edição do “Guia de cuidado e atenção nutricional à população LGBTQIA +”. Conforme levantamento, no Brasil, 68,8% dessas pessoas vivem com algum grau de Insegurança Alimentar (IA), sendo 20,2% em IA grave. De acordo com o Guia, entre os TAs mais comuns à população LGBTQIA+ e outros problemas correlacionados, estão: altos índices de insatisfação corporal devido ao padrão de corpo e beleza e à pressão estética hetero cisnormativa; estresse entre minorias (opressão sofrida pelos próprios membros da comunidade); estresse de minorias (opressão sofrida pela sociedade). Em relação às pessoas trans em comparação com cisgêneros, o uso de laxantes e outros remédios para fins de emagrecimento são muito comuns.

Aos 21 anos, Isaque Vieira, um homem negro, gordo, baixo, de cabelos cacheados e pretos, está dentro da estatística de 2% da população brasileira transgênera. Ele lembra as inseguranças que o levaram a desenvolver bulimia no início de sua juventude. “Eu comecei a passar pelo transtorno alimentar quando eu tinha uns 10 anos mais ou menos. Foi quando comecei a entender como as pessoas na escola eram diferentes de mim por conta do meu corpo. No twitter, descobri uma hashtag chamada #anaemia que é onde pessoas que sofrem anorexia e bulimia conversam entre si e colocam metas nada seguras para perder peso e eu comecei a praticá-las”, conta. 

Após o desenvolvimento do transtorno alimentar na adolescência, Isaque diz que ao se identificar como um homem trans, as influências das mídias digitais começaram a ser muito mais negativas. “Hoje quando vejo um corpo trans nas redes sociais, ao invés de olhar para esse corpo e me identificar, eu olho e me sinto triste. Muitas das vezes são corpos fora do padrão por serem corpos trans, mas são corpos padronizados dentro da comunidade trans, (corpos magros, brancos e principalmente transicionados) e daí se cria um enorme sentimento de insegurança em mim”, afirma. Embora seja um fator limitante, para o jovem negro e trans, o padrão de beleza vai muito além do corpo. “Quando a gente vê os padrões da sociedade sendo impostos, geralmente são pessoas brancas, de cabelo liso, olhos azuis. Padrões que uma pessoa negra não vai alcançar, sabe? E isso acaba sendo frustrante”, diz.

De acordo com a psicóloga Dalcira Ferrão, pessoas fora do padrão normativo tendem a desenvolver mais transtornos pela cobrança excessiva imposta socialmente sobre os corpos, ou seja, sobre a forma como devem ser e existir. “Perceber que não se aproxima desse dito “padrão” faz com que as pessoas se vejam sem pertencimento no coletivo”, afirma. Ainda segundo a psicóloga, a maioria dos jovens utilizam as redes sociais como referencial para a construção de suas identidades. Espelham-se em pessoas públicas e naquilo que é divulgado nas mídias. “O tempo que os jovens têm destinado à tecnologia tem sido demasiado, o que acaba impossibilitando outras vivências no dia-a-dia. Ao mesmo tempo em que a internet pode interligar pessoas que estão distantes geograficamente, pode também afastar quem está ao nosso lado”, diz. 

Dalcira Ferrão é uma mulher preta de cabelos cacheados, feminista, bissexual, antirracista e militante LGBTQIA+ e Direitos Humanos. Psicóloga clínica e social desde 2007, ela trabalha no atendimento de pessoas LGBTIQIA+, suas famílias, mulheres em situação de violências e pessoas pretas. Além disso, durante o período de 2016 a 2019, Ferrão foi presidente do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG) e Conselheira Federal de Psicologia, entre 2020 e 2021. Hoje, a psicóloga é colaboradora das Comissões de Psicologia, Gênero e Diversidade Sexual e de Psicologia e Relações Étnico-Raciais do CRP-MG.

Outro fator preocupante sobre o transtorno alimentar, é o isolamento do indivíduo, podendo afetar de forma negativa a saúde mental e impactar nas atividades diárias. “No início pode ser que a pessoa se distancie da família ou do grupo, para que as pessoas não percebam vestígios do distúrbio. Esse indivíduo pode se tornar incapaz de participar de atividades por até mesmo sentimentos causados pelo transtorno e não querer estar de forma sociável com os demais”, afirma a profissional Luana Santos.

Desafio de ser um homem trans

Isaque acredita que o seu maior desafio seja parar de se comparar tanto. O jovem alega que até dentro da comunidade trans há padrões a serem seguidos. “Você sempre tem que ser alguém que toma hormônio, que já transicionou. Quando você olha pra você e vê que você tem traços femininos, você não se entende mais como um homem trans”, declara.

A divisão entre “ser um homem trans” e “ser um homem cis”, também é um desafio para Isaque. “Quando a sociedade impõe que homens trans não são “homens de verdade” por serem transexuais, você ouve isso e nega para si mesmo. É muito difícil, sabe? Porque tem mil coisas que a sociedade vai impor para você seguir, mil padrões, e quando você não tem como seguir, é mais complicado ainda”, diz.

Segundo o psicanalista Julian Silvestrin, ter seu modo de gozo, seu prazer, sua forma de viver a sexualidade encarada como um transtorno, pode produzir diversas formas de sofrimento e igualmente diversas formas de tentativa de apaziguamento. “É aí que cada sujeito vai construir sua trajetória de transição, que é sempre singular”, conclui.

Para Dalcira Ferrão, “é extremamente importante que as pessoas que apresentem sofrimento psíquico decorrentes dos transtornos alimentares ou das imposições de sexualidades e de gênero tenham suporte psicológico e/ou médico adequados, quando necessário, e que se constitua uma rede de apoio, de modo a promover relações de segurança e confiança”, ressalta.

Segundo o Guia de cuidado e atenção nutricional à população LGBTQIA+, o acesso à saúde também é limitado para a comunidade. “De forma geral, a experiência de pessoas LGBTQIA+ nos serviços de saúde é marcada por constrangimentos, falta de conhecimento e violências, o que resulta em um afastamento dessa população dos serviços de saúde”, afirma o estudo.

Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibilize atendimento para pessoas em sofrimento psíquico por meio dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), sendo os CAPS – Centro de Atenção Psicossocial, em suas diferentes modalidades, pontos de atenção estratégicos da rede, a espera pela disponibilização de um profissional qualificado e a falta de investimento na saúde mental no Brasil, que recebe menos de 2% do orçamento recomendado pela OMS, quando deveria receber no mínimo 6%, dificulta o acesso afetando toda a população.

Perguntado sobre o que gostaria de deixar para as pessoas que se identificam com Isaque, o jovem respondeu: “Eu diria que antes de tudo, reconhecer que precisamos de ajuda é o principal, a partir daí as coisas fluem naturalmente para o nosso bem. Quando a gente está nesse processo, é muito difícil enxergar que estamos precisando de ajuda, o primeiro passo é reconhecer isso. Meu maior conselho é que a pessoa encontre um profissional que a ensine a se enxergar de uma forma melhor e cuidadosa. Hoje eu digo que amar nossos corpos é uma luta diária que temos que ter em mente que vamos vencer, falo luta porque é realmente algo muito difícil. Mas sempre com a ajuda de um profissional, a gente consegue aprender o que é amar e respeitar nossos corpos.”

 

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A prática é realizada por muitos jovens e está relacionada à depressão

 O problema grave muitas vezes é ignorado pelas famílias 

*Por Ingrid Moreira de Oliveira 

“…E Clarisse está trancada no banheiro

E faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete

Deitada no canto, seus tornozelos sangram

Quando ela se corta ela se esquece

Que é impossível ter da vida calma e força

Viver em dor, o que ninguém entende

Tentar ser forte a todo e cada amanhecer…

Como se toda essa dor fosse diferente, ou

E quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito

Clarisse sabe que a loucura está presente

E sente a essência estranha do que é a morte

Mas esse vazio ela conhece muito bem

De quando em quando é um novo tratamento

Mas o mundo continua sempre o mesmo…”  Clarisse (Legião Urbana)

 

A depressão atinge cerca de 6% da população brasileira, isso significa que são mais de 12 milhões de doentes, média maior que a global, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) que é de 4,4%. Esses dados colocam o país como o primeiro do ranking da América Latina em número de diagnósticos e deixa um grande alerta já que os casos de suicídios e automutilação também têm crescido drasticamente.

Ainda de acordo com a OMS, o suicídio é a terceira principal causa externa de mortes entre os brasileiros, atrás apenas dos acidentes e agressões. No que diz respeito a automutilação, o Brasil não tem dados específicos, mas o que os estudos apontam é que essa prática está ligada à depressão.

Vamos falar sobre automutilação

As mulheres e jovens são as maiores vítimas desses casos, um exemplo que trouxe repercussão mundial  é o da cantora Demi Lovato que já chegou a se automutilar, tendo marcas pelo seu corpo, por problemas como a autoestima, bulimia, entre outros. Após se recuperar, Lovato fez tatuagens em seus dois pulsos com a frase “ Stay Strong”,  que significa “Permaneça Forte”, para esconder as marcas dos cortes.

Muitas pessoas não entendem o porquê das outras se automutilarem e as julgam, sem saber sua história e os problemas. Porém o problema é um distúrbio emocional e suas vítimas sofrem, na maioria das vezes, caladas e sem saber aonde e como procurar ajuda.

Apesar de não existir pesquisas recentes, um estudo realizado no ano de 2014, na Inglaterra revelam que a automutilação cresceu mais de 70%, em relação a 2012, entre crianças e adolescentes. Os dados mostram que os casos entre 10 e 14 anos tratados em hospitais, ultrapassou os 2.700 desde 2012. Já entre os adolescentes entre 15 a 19 anos, o aumento foi de 23% no mesmo período.

De acordo com a especialista em Terapia Cognitiva Comportamental e Educação Especial e Inclusiva com ênfase em neurociência e aprendizagem, Daisimar Sampaio, a automutilação parece ser mais uma tentativa de projetar no corpo as tensões que os adolescentes vivenciam. “A dor da existência passa a ser refletida no próprio corpo envolvendo uma agressão direta, sendo um comportamento intencional. Normalmente sem intenção suicida e aparentemente por razões não socialmente ou culturalmente compreendidas. O adolescente usa a automutilação como uma fonte de amenizar a dor emocional, como se fosse uma troca da dor emocional por uma dor física. Os cortes são feitos em segredos e escondidos. As marcas só aparecem no corpo quando feridas muito mais profundas são formas abertas na alma”, salienta.

A psicóloga explica ainda que o ato de se auto machucar não é feito para chamar atenção, pelo contrário, é uma maneira de desfocar o sofrimento emocional para uma dor física. “O adolescente por se sentir acuado, sem saber o que fazer com aquela situação, agride o próprio corpo, assim vêm um alívio da sensação ruim,  pensando que a dor física não é nada perto da dor emocional”, reforça.

Daisimar acrescenta que a automutilação é sempre um pedido de socorro. E alerta para que os pais estejam sempre atentos às mudanças de comportamento, ao uso de roupas de mangas compridas e ao isolamento.

Contaremos a história de uma jovem, de  20 anos, a quem chamaremos de Luna, pois ela prefere não se identificar. Para ela, a automutilação não ocorreu da noite para o dia. Luna lutou anos para enfrentar sua depressão, e, aos seis anos, já tinha pensamentos suicidas. Aos 10, as coisas começaram a sair do controle,  devido ao bullying sofrido na escola. Tudo começou entre os 14 e 15 anos, quando as chacotas ultrapassaram os muros da escola e se instalaram entre os familiares.

A psicóloga Daisimar, fala que as maiores causas e consequências para um adolescente poder se automutilar são a maturação da sexualidade, as relações parentais e sociais, o bullying e a depressão. As angústias próprias da idade podem levar à prática da automutilação. Muitas vezes sendo uma maneira de se expressar ou lidar com uma angústia esmagadora ou aliviar uma tensão insuportável; às vezes, pode ser uma mistura de ambos. A auto agressão também pode ser um grito de socorro.

A relação complicada com a mãe, o transtorno alimentar e a depressão foram o gatilho para automutilação de Luna. Ela lembra que se trancava no banheiro de sua casa e cometia os ferimentos com uma tesoura. A mutilação começou nos braços, e como não sentia dor, ela começou a se ferir cada vez mais forte, até chegar ao ponto de sangrar. Foram anos de muito sofrimento e solidão. Durante esse processo, ela perdeu a mãe, conheceu uma pessoa com quem se relacionou e terminou, culminando ainda mais tristeza e isolamento. Entre uma crise e outra, em 2018, Luna tentou o autoextermínio.

Luna relata que o tratamento dela foi muito tardio, mas começou um acompanhamento psicológico e psiquiátrico, que a medicou corretamente. Ela afirma que não teve o apoio de sua família e isso seria fundamental para todo o processo. “Todo mundo tem vergonha de se automutilar, não existe uma pessoa que se orgulhe em dizer que se automutila, se corta, provoca vômito. Automutilação é muito mais do que você se cortar, é bulimia, anorexia”, desabafa Luna.

A psicóloga explica ainda que os pais nunca devem brigar, bater, culpar ou julgar, ao perceberem os cortes ou tratar o ato como travessura, mas sim oferecer conforto e compreensão. “A família precisa entender que é um problema e que existe tratamento”, pontua.

Emocionada, Luna manda um recado para as pessoas que estão passando por isso:“Eu sei que você não vai acreditar no que eu vou dizer, mas você vai conseguir sair dessa. Não é vergonha nem fraqueza pedir ajuda. Peça, se eu consegui, você também vai conseguir.”

E para concluir, “Procure e ofereça ajuda. Procure profissionais da saúde. Psicólogos e psiquiatras saberão como conduzir o tratamento e oferecer ao adolescente as ferramentas emocionais para enfrentar os problemas da vida e da adolescência com maturidade, sem precisar praticar mais o cutting ou se auto agredir”, reforça Daisimar.

Projeto Borboleta para automutiladores:

O projeto Borboleta para automutiladores foi criado originalmente no ano de 2009 por praticantes de cutting (os automutiladores) que sentiam necessidade em parar, e consideravam-se prontos para enfrentar o desafio. Criado em uma corrente de blogs americanos e não demorou muito a alcançar a maior ferramenta de acesso a jovens sentimentais, intitulada como Tumblr.

Com isso a ideia basicamente é, convencer os jovens a não se automutilarem, pois, através do desenho de uma borboleta em seus pulsos, eles dão nome a ela, e sempre que a pessoa se cortar, ela acaba machucando a pessoa homenageada no desenho.

Fazendo desta forma, a pessoa se motivar através de outra (homenageada) a não se cortar para que não lhe cause nenhum mal. A ideia é relativamente simples, e pode ser mais um aliado na luta contra a prática de automutilação, já que a ideia é fazer com que a pessoa treine / desenvolva seu autocontrole.

As regras são:

1) Quando você sente que quer cortar ou se ferir, com uma caneta ou marcador, desenhe uma borboleta em seu braço ou mão (ou em qualquer outra parte do corpo onde você quer infligir dor / auto ferir);

2) Nomeie a borboleta com o nome de um ente querido ou alguém que realmente quer que você obtenha melhora;

3) Você deve deixar a borboleta desaparecer naturalmente. Não esfregue a parte desenhada, ou aplique produtos que possam remover o desenho;

4) Se você cortar a parte do corpo onde há a borboleta, medite que você a matou. Se você não cortar, ela continua viva e livre! (Lembre-se que esta borboleta representa alguém importante para você);

5) Se você tiver mais de uma borboleta, e se cortar (ou machucar de alguma forma) você matou a todas elas;

6) Outra pessoa pode desenhá-las em você. Estas borboletas são especiais; Cuide bem delas!

7) Se em algum momento você perder o controle, e se cortar, não desista. Recomece todo o programa.
8) Mesmo que você não se corte, sinta-se livre para desenhar uma borboleta para mostrar seu apoio a uma pessoa que pratica o cutting. Se você fizer isso, e nomeá-la, estará ajudando-a (o) a treinar o autocontrole.

*A matéria foi produzida sob a supervisão da jornalista Daniela Reis