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Foto Tumblr

O machismo velado em meio a padrões femininos

Fazemos parte de uma cultura em que ainda é necessário lembrar que mulher não é sinônimo de submissão e lutar por nossos direitos não é uma afronta à ordem natural, assim como dizer que algo não está certo não é vitimização: é questão de respeito.

Somos inundados diariamente com noticias em que a violência contra a mulher, seja ela qual for, é o personagem principal, e apesar dos dados mostrarem que 13 mulheres morrem, em média, por dia no Brasil, essa realidade ainda é tratada como algo fictício.

Começamos a semana em que um torturador, lê-se por tortura estupro, foi exaltado e parte da população parece, por desconhecer ou por simples omissão, não entender a gravidade do que está implícito. A sensação que fica é a de que em um país que se diz livre e moderno, a mulher ainda precisa e muito lutar para ter seu lugar ao sol.

Já que vivemos em uma sociedade machista, machismo esse que não discrimina sexo, raça, classe social ou orientação, pois está presente em todos os lugares.

Alheios à barbárie da justificativa do voto “sim”, a revista Veja “noticiou” no último dia 18 de abril, uma matéria que traz como personagem a esposa do Vice-presidente Michel Temer, Marcela Temer, em que é tratada como objeto. Pintando uma mulher sem vontade própria e, principalmente, sem ambições, em um texto tendencioso e cheio de preconceitos tornando a vida da Vice-primeira-dama e o que é ser dona de casa ou “do lar” em uma piada.

O texto que tenta nos vender uma história de amor, um conto de fadas, traz indignação ao final da leitura e nos faz questionar o que parte da sociedade entende por ser mulher, por ser esposa, por ser dona de casa, por ser mãe.

Um retrocesso na luta constante que se resume em matar um leão por dia. Para termos o direito de ir e vir, que traz a ideia de que a mulher ideal é aquela submissa e conformada. Despejando preconceitos e machismo a jornalista usa estereótipos como ideais para uma vida feliz, onde ter sorte é ter um marido que lhe traga flores.


A repercussão

Após a publicação da matéria houve uma mobilização na internet por meio das hashtags #BelaRecatadaeDolar e #freeMarcelaTemer, que em forma de humor traz de volta uma discussão séria sobre modelos e padrões femininos, ironizando mais uma vez : a mulher ideal.

Por Ana Paula Tinoco

Desde a publicação do artigo “Parada Gay, Cabra e Espinafre” por J.R.Guzzo, na revista Veja desta semana, uma série de protestos foram registrados nas redes sociais, especialmente, o Facebook, além de blogs e publicações de diversos jornalistas. As fontes desses protestos são as associações e definições sobre família que Guzzo apresenta em seu texto. O autor afirma, dentre outras coisas, que a comunidade “gay” não existe, que é contra o casamento entre pessoas domesmo sexo, pelo fato desses nunca poderem constituir família (visto que não podem ter filhos naturalmente) e que a homofobia não deve ser criminalizada, a partir do momento que, para o autor, essa comunidade não sofre agressões pelo fato de serem homossexuais, mas pelo simples fato de viverem em um país violento. Uma das sentenças mais polêmicas do artigo é: “Pessoas do mesmo sexo podem viver livremente como casais, pelo tempo e nas condições que quiserem. Mas a sua ligação não é um casamento – não gera filhos, nem uma família, nem laços de parentesco… Um homem também não pode se casar com uma cabra, por exemplo”. Para tratar deste assunto, o CONTRAMÃO entrevistou o advogado especializado em Direito Constitucional Fábio Miranda que aponta os equívocos e as ofensas ilícitas cometidas por J.R. Guzzo no artigo.

 

1) Do ponto de vista jurídico o artigo está de acordo com a liberdade de expressão?

A liberdade de expressão é uma garantia constitucional. Qualquer cidadão pode, em tese, publicar um texto sobre o que bem entender. No entanto, essa garantia não é absoluta, encontrando limites morais e jurídicos, conforme entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal. Assim, quem exerce sua liberdade de expressão de forma irresponsável, deve responder pelos seus atos. É por isso que a Constituição da República de 1988 veda o anonimato, em seu art. 5º, inciso IV, que dispõe: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Uma vez que o indivíduo “assina embaixo”, pode ser facilmente identificado e punido por eventuais abusos no exercício de sua liberdade de expressão.

O direito à liberdade de expressão não pode servir como desculpa para manifestações de conteúdo imoral ou ilícitas. A liberdade de expressão existe, mas deve conviver harmonicamente com os direitos e garantias fundamentais resguardados na Constituição da República de 1988, onde estão, dentre outros, o direito a não discriminação pela orientação sexual; o direito à liberdade e à igualdade.

Esses direitos fundamentais, inerentes à pessoa humana e a ela ligados de maneira perpétua e permanente são inalienáveis e imprescritíveis, prevendo o ordenamento jurídico como reação à sua violação a responsabilização do causador do dano.

2) O que o você tem a dizer sobre a comparação que o articulista faz de uma relação homoafetiva à uma relação entre uma pessoa e uma cabra?

Ao comparar a união homoafetiva à zoofilia, ou insistir na utilização do termo “homossexualismo” – que designa doença, e já não é mais utilizado desde 1993, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) retira o termo “homossexualismo” e adota o termo homossexualidade – o autor ofende a dignidade humana de toda a população LGBT, podendo e devendo ser responsabilizado juridicamente, juntamente com a Revista Veja.

3) Quais providências podem ou devem ser tomadas pelas entidades que representam a população LGBTs?

As associações de defesa dos direitos dos LGBTs devem procurar o Ministério Público para que sejam exigidos judicialmente desde um pedido de desculpas e/ou o exercício do direito de resposta, até o pagamento de indenização pecuniária por dano moral coletivo. O Ministério Público é uma espécie de “advogado da sociedade”, cabendo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

4) J.R Guzzo nesse artigo em questão defende a não criminalização da homofobia, alegando ser absolutamente desnecessária. O que você tem a dizer quanto a isso?

O Brasil é um dos países que mais matam homossexuais. A discriminação está nas ruas, nas casas e nas instituições. No entanto, lendo o texto publicado na Veja, pode-se ficar com a impressão de que tudo isso não passa de uma mentira, propagada por quem quer levar vantagem com a criminalização da homofobia.

As normas penais possuem dupla função: ético-social (educativa) e preventiva. A função ético-social realiza-se através da proteção dos valores fundamentais da vida social, os quais merecem esta proteção legal exatamente em razão de sua significação. Assim, ao punir determinadas condutas, o Direito Penal não apenas estabelece o que é permitido em uma coletividade, reafirmando seus princípios éticos, mas também educa. A presença do crime de homofobia na legislação brasileira ajudaria a conscientizar, a educar e a prevenir atitudes discriminatórias em razão da orientação sexual, efetivando os princípios constitucionais da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana.

A criminalização da homofobia não é uma “postura primitiva”, nem tampouco desnecessária, como afirma o autor do texto. Ao contrário, retrata a evolução de uma sociedade que deve adaptar-se às novas realidades sociais. Nas palavras do próprio autor, “um crime, antes de mais nada, tem de ser “tipificado” – ou seja, tem de ser descrito de forma absolutamente clara. Não existe “mais ou menos” no direito penal; ou se diz precisamente o que é um crime, ou não há crime”. E é exatamente por possuir características peculiares – a aversão ao homossexual – que o crime de homofobia deve ser tipificado na legislação brasileira.

 

5) O articulista da Veja afirma que homossexuais não constituem família, por não poderem ter filhos naturais. Quando ele faz essa declaração, podemos concluir que quando um casal heterossexual adota uma criança (por livre e espontânea vontade ou por esterilidade), esse casal não seria uma família?

O autor apresenta uma definição ultrapassada de família que já não é adotada pelo Direito moderno. Como ensina Cesar Fiuza, embora ainda vivamos, em muitos aspectos, em um modelo familiar patriarcal, tal sistema viu suas estruturas serem abaladas com a evolução da sociedade. O golpe fatal ocorre na década de 60, com a Revolução Sexual: a mulher reclama, de uma vez por todas, posição de igualdade perante o homem. Fato é que a família contemporânea mudou. Embora a sociedade ainda guarde muitas características patriarcais, o homem já não exerce mais a liderança absoluta em sua casa. O sustento do lar é provido por ambos: ora manda o homem, ora a mulher.

As transformações sociais refletiram no Direito, que tenta acompanhar a evolução da sociedade. Assim, tornou-se necessário que o Direito de Família reconhecesse outras formas de vínculo afetivo como constituidores de entidades familiares, além daquela constituída pelo casamento. Embora a Constituição relacione expressamente apenas a família decorrente da união estável e a monoparental (qualquer dos pais e seus descendentes), o direito vem reconhecendo outros modelos de família, como a fraterna ou sócia afetiva, as famílias simultâneas e as uniões homoafetivas.

 

6) No Código Civil temos alguns requisitos básicos para a constituição de uma entidade familiar. Quais são esses requisitos?

O direito de viver juntos é um direito fundamental, orientado pelo princípio da dignidade humana. Organizações afetivas que tenham as mesmas características, requisitos e finalidades não podem receber tratamento diferenciado. Da leitura do artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro, podemos inferir alguns requisitos essenciais para a configuração da entidade familiar, segundo a doutrina moderna:

AFETIVIDADE – nas palavras de Rosana Barbosa Cipriano Brandão, “esse seria o requisito preponderante; desloca-se o foco central da família da finalidade exclusivamente procriativa e geração de efeitos patrimoniais para o AFETO. A família é a sede do afeto e nicho de realização do ser humano”;

ESTABILIDADE – não seria toda e qualquer união afetiva digna de reconhecimento como entidade familiar, mas sim aquela contínua e duradoura cuja afetividade se protrai no tempo;

OSTENSIVIDADE – conforme palavras do próprio Código Civil Brasileiro é reconhecida como entidade familiar a união estável configurada na convivência pública. Dessa forma, para que ‘     seja reconhecida como entidade familiar, a relação não deve ocorrer às ocultas, de forma clandestina.  A família, enquanto espaço de afeto e amor entre seus integrantes impõe-se como tal diante de todos, ostensivamente;

OBJETIVO DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA – trata-se de um requisito subjetivo importante para a configuração da família.  Seria, portanto, a affectio familiae em que os integrantes da entidade relacionem-se entre si como uma família merecedora do amparo do Estado como tal.  São palavras do Código Civil Brasileiro: “com o objetivo de constituição de família”.

Dessa forma, qualquer entidade familiar que preencha os requisitos acima deve receber a proteção do Estado. A exclusão não está na Constituição, mas na interpretação. Não se pode enxergar na Constituição a proteção de tipo ou tipos exclusivos de família. Não há modelo preferencial de entidade familiar. Se há família, com ou sem filhos, hétero ou homossexual, com filhos adotados ou naturais, há tutela constitucional, com idêntica atribuição de dignidade.

Por Rafaela Acar

Foto Roberto Reis