Literatura

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Por Auspicioso Acapela – Parceiro Contramão HUB

Ela conhece o passado e vive o presente. Acorda todos os dias com o barulho do despertador, pensando nos cinco minutinhos a mais que ela pode ficar na cama. Quando se levanta, a cabeça já ligada no 220, considera todas as pendências que precisam ser resolvidas no trabalho, e ao pegar o telefone visualiza a mensagem no grupo do WhatsApp da turma da faculdade, lembrando do relatório que precisa ser entregue. O dia já começa com malabarismos.

Ao chegar no trabalho despacha as demandas mais rápidas, enquanto abre um documento em branco no Google Drive para escrever o relatório durante o dia. Conforme as horas passam, novas tarefas surgem e o documento continua em branco. De tempos em tempos, bate o olho no relógio e realmente o tempo não para, a sensação é que se passa cada vez mais rápido. A inquietação surge e, ao mesmo tempo que está escrevendo, o telefone sem fio toca. Rapidamente, atende o telefone e volta para a frente do computador – “família escola, fulano, boa tarde!” – conforme a pessoa fala, o foco é dividido em dois. A ligação é resolvida, mas é necessária a impressão de um documento para ser entregue no primeiro andar. O relatório é deixado de lado e ao passo que o documento é impresso e o elevador é chamado, na cabeça é montada uma possível ideia para finalizar o trabalho da faculdade.

Cinco horas da tarde, bater o ponto e ir para a faculdade. Ao chegar, ir direto para o laboratório de acesso livre, fazer a conclusão do relatório, imprimir e entregar. Tchau, foi! Hahaha. No momento que é entregue, o peso do dia é retirado da cabeça e agora continuar as poucas horas do dia, para ao fim dar “olá” ao travesseiro.

Penso sobre a correria do dia a dia e o fato das pessoas serem colocadas sempre no modo multitarefa. Acredito que a maioria delas conhece o passado e vive o presente, mas sempre tentando visualizar o futuro. Questiono se essa situação realmente favorece o futuro, ou é apenas uma forma de desgaste humano. Talvez esteja na hora das pessoas cuidarem mais de si mesmas.

Por Melina Cattoni

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Foto Reprodução Internet
Por Débora Gomes – . as cores dela . – Parceira Contramão HUB
Silêncio. Era tudo que sobressaía entre um chocolate gelado e uma xícara de chá. Ela não gostava de chá, mas abriu naquela tarde de sol se pondo, uma de suas raras exceções. Nas mãos, prendia Clarice Lispector com toda força. Nos pés, a sandália verde ofuscava qualquer chance de escurecer completamente a vida. Dali, talvez fosse convidada para a sessão das 19 no cinema ao lado, mas já não criava mais nem sequer expectativas. Sorriu. As mãos trêmulas sacudiam a xícara e o chá. Um gosto amargo lhe desceu pela garganta. Esquecera o açúcar aquela tarde. “Esquecera o açúcar a vida inteira”, pensou. E por isso estava ali, diante de um estranho que não bebia chocolates quentes e nem café. Um estranho, que usava camisas verdes e tinha um cabelo engraçado. Um estranho, que para quebrar o silêncio, abriu a mochila, tirou uma câmera fotográfica e uma caixa de lápis de cor. “A caixa é para você. Porque ainda existe muito mundo para colorir”. Não houve reação. “A câmera é para tirar uma foto sua, para que você fique sempre na minha vida”. Quase chorou. Não ele, mas ela. Levou as duas mãos cheias de anéis ao rosto, evitando que um click registrasse sua dor inteira. As unhas curtas vermelhas, a doçura daquele momento. “Guardar algo que pudesse recordar-te, seria admitir que pudesse esquecer-te.”, pensava mas não falava e só sentia dor. No fundo, sabia que o que doía era a realidade de se saber esquecida, e que a única forma de lembrança seria um retrato que amarelaria com o tempo. “Podia ter sido diferente?”, perguntou enquanto engolia um misto de choro e chá. Podia ter sido diferente… se tivessem se permitido. Se ao invés de perguntas, tivessem se preocupado apenas com as respostas. Se ao invés dos trovões e relâmpagos, tivessem apenas sentido os pingos da chuva. Se ao invés de paredes, tivessem construído sonhos…
“Preciso ir.”. Tirou do bolso uma nota num valor qualquer, deixou na mesa e se despediu. Coração na boca, suor nas mãos. Um abraço. Apertado. “A gente se vê!”… 
Ele ficou no vidro, olhando até ela sumir. E ela virou a esquina e chorou.
Ambos sabiam que que não iam nunca mais se encontrar.

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Arte retirada do blog .as cores dela .

Por Débora Gomes – . as cores dela . – parceira Contramão HUB

era ainda tardezinha quando cê entrou pela porta dos fundos, com os olhos cheios de adeus. eu tava lá, esquentando a água pro seu ‘thé de camomille’, que cê toma todas as noites e que te faz dormir melhor desde que voltou. 
cê não me olhou nos olhos – achei estranho. 
nunca foi do seu feitio encarar a vida com a cabeça no chão. também não perguntei o que tinha acontecido, um pouco porque tive medo, outro pouco porque tive medo também. 
mas se cê vem e me pergunta agora: “medo de quê, criatura?”, eu não saberia jeito nenhum de te explicar. 
talvez medo de que cê fosse embora ou de que me dissesse que era cedo demais pra ficar. vai ver, medo de que cê nunca mais me olhasse nos olhos ou de que cê me contasse que morreram todos os seus girassóis. medo de que cê tivesse desacreditado na gente e tivesse resolvido cortar o mal pela raiz de uma só vez. mas de tudo, o que dava mais medo, era dos seus olhos de adeus. e de que eles te levassem embora pra longe, antes do amanhecer. seria meu amanhecer mais triste: acordar, procurar por eles no quintal, não encontrar nenhum sinal do caminho que fizeram, te levando embora de mim… 
– não caibo aqui faz tempo – cê me disse baixinho, enquanto Holden cantava “Ce Que Je Suis”
aí eu entendi… que o mesmo tempo que te trouxe, também te levava aos poucos pra esse lugar longe de onde cê veio, mas nunca mais ficou.
“J’oublie, je bois, je bois l’oubli
Mais qu’est c’qui m’arrive”
– voa, passarinha – eu quis te dizer. mas uma parte egoísta do meu coração preferiu te aprisionar mais um pouquinho, até a próxima dança.

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Foto reprodução internet

Por Débora Gomes – .as cores dela. – Parceira Contramão HUB

“repara que o outono é mais estação da alma que da natureza”,
ah querido Drummond,

se soubesses o quão feliz fica meu coração nesses dias de sol-devagar!
não sei… mas uma vez me disseram que é por isso que fiz do outono minha estação preferida: por essa possibilidade de viver como se cada passo pudesse ser pensado e dado sem pressa. eu, por fim, não acho que escolhi o outono em momento algum, mas tenho quase certeza de que foi ele quem me escolheu, me presenteando com suas cores… tiveste a oportunidade de ver o céu em lilás, laranja e amarelo, dos fins de tarde de outono? é uma beleza que faz chorar de alegria.
“quanta melancolia!”, talvez alguém nos dissesse. 
“quanta poesia!”, a gente concordaria.
veja só: verso até sem saber fazer rima!
por essa possibilidade do tempo, fico mesmo mais recolhida. ando preferindo silêncios, tento não me irritar, sou capaz de perder mais de meia hora na janela, só observando as nuvens mudarem de lugar no meio do azul. 
é como se o tempo me dissesse lento: 
‘acalma coração! toma sua dose de esperança e vá ser feliz com (c) alma’.
e ele vai… como se sempre valesse a pena.
e porque ele sabe que vale…

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Arte reproduzida site Hype Science

Por Grégory Almeida

Naquela quinta-feira, 23/03, acordei com muita pretensão de sorrir e admirar o belo. E lá fui, disposto. Como na rotina, meu ônibus, depois o Move e depois outro Move para chegar à rua Paraná, próximo ao ganha pão. Até aí, tudo bem.

O ônibus começa a encher de homo sapiens na Avenida Brasília, em Santa Luzia. Eu, já em pé, naquele equilíbrio que não tenho, me pego observando uma moça. Ela, coitada, com uma bolsa enorme, fone de ouvidos e séria, mas percebi no abrir dos lábios que usava aparelhos. Fiquei lá na minha e ela no equilíbrio dela com aqueles olhos verdes. Lindos!

E o ônibus continuava a encher, até que ficamos lado a lado.

Vejo a “paisagem”, passamos a Linha Verde e chegamos a Pedro I. Ali começara a minha admiração à menina de olhos verdes. Com o celular a mão, a câmera frontal como espelho, a bolsa na frente. E a bolsa era enorme, quase uma mala. Ela me tira uma outra bolsa de dentro e o meu olhar se torna fixo.

Tira um tubinho, no equilíbrio, uma mão com o celular, a outra com a bolsa menor, e entre os dedos o tubinho com o creme. Faz cinco pontinhos no rosto. E eu pedindo a Deus para o motorista não frear bruscamente. E eu ainda a olhava, já com o olhar 43. Esfregou os pontinhos em movimentos circulares. Pensei, será que ela vai se arriscar mais? Arriscou. Meus caros, o ônibus não esvaziados e ela inerte. Linda, “lacrando” que diz, né? Pois estava.

Eu já a admirava pela astúcia, habilidade e indiferença. Indiferente aos meus olhares. E até que nós olhamos num momento que ela virou o celular e me pegou pelo reflexo da câmera. Disfarcei, mas ela me percebeu quase que batendo palmas.

Ela pega um pincel de tinta (não sei o nome correto) e uma esponjinha linda, da cor de salmão e me distraí, mas depois vi um potinho com um pó também salmão. Esponjinha no pó, esponjinha no rosto e o pincel de tinta também foi passado no rosto, tão leve, tão sutil, tão “Xuxa com Monange”. E ela estava lá. Tão, tão… com a bolsinha já dentro da bolsa grande, o celular permanecia em mãos e os olhos verdes? Esses realçavam a beleza da jovem que em pé, no ônibus lotado, equilibrista, se empoderou.  Desceu do ônibus como uma princesa e roubou o coração do plebeu, mas não sabia disso. Até porque, não cantei a moça. Otário que fui.

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Por: Auspicioso Acapela – Parceirxs Contramão

Sempre me gabei e me considerava em um nível acima ao dos humanos – meros mortais – quando se trata das suas “necessidades biológicas naturais”, popularmente conhecidas pelo codinome Amor. Porém ultimamente, em meu íntimo, existe uma verdade que mesmo bem escondida me destrói: eu sempre soube que no jogo do amor, eu tiro meu time de campo e assisto da arquibancada devido as incessantes derrotas, hoje me encontro muito bem acompanhado de uma solidão. Mas calma! Eu não estou me queixando. Pelo contrário, eu considero a solidão uma ótima companheira.
Antes eu me flagrava sofrendo pelos diálogos que eu poderia ter estabelecido, pelas tantas oportunidades de ser “feliz” com alguém ao meu lado. Mas hoje percebi que em quase todos os “amores”, estamos na verdade suprindo nossas ideologias, e sendo egoístas. O medo que todos alimentam sobre a solidão é uma maneira de não lidar com uma verdade que diz sobre todos, nossas vidas e pensamentos mesmos que expressados, fazem parte da consciência que é a unica que nos acompanha do nascer até a morte. Ela não é uma prisão, ela é mossa eterna companhia, por que mesmo rodeado de amigos, sempre fui o ouvinte vendo as pessoas falarem todo tempo por não saberem lidar com o silencio e terem medo dele, confundi-lo com rejeição. Sempre me dei bem com o silêncio, as vezes em uma multidão, todo o que escuto é o som do ar em meus pulmões.
Olhando assim, o que me resta é perceber que não estou um nível acima, mas em um planeta totalmente diferente dos humanos, eu estou dentro de mim. E sei que a tristeza e a solidão são forças exatamente iguais a felicidade, porém mal interpretadas e cheias de tabus que nos impedem de abraça-las. Não importa se você está feliz ou não, você sempre vai responder que está “tudo bem!”.