De cabelo e barba feita

De cabelo e barba feita

Um salão, seis barbeiros e muitas histórias curiosas na porta do Mercado Central, na Rua Goitacazes

Eram aproximadamente 11h15 quando um jovem rapaz parou na frente do Salão Kimila com seu filho para perguntar o preço do corte infantil. Assim que obteve uma resposta, seguiu a caminho do caixa eletrônico mais perto para que pudesse sacar a quantia. Antes mesmo de retornar, o barbeiro, de apenas 21 anos, Rodrigo Vinícius, comentou com seu outro colega de trabalho que não iria fazer o corte da criança. Sem entender muito bem, seu colega de trabalho apenas falou que estava tudo bem e que ele, ou outro barbeiro, cortaria. Cinco minutos depois, o pai e seu filho retornaram ao salão.

“Vamos cortar o cabelo”, disse o pai ao filho, que aparentava ter mais ou menos 3 anos de idade. A resposta da criança foi simples e firme: “Não”. Mas o pai insistiu, pegando seu filho no colo enquanto caminhava em direção à cadeira desocupada. A criança, que antes demonstrava apenas apatia, agora se encontrava chorando e, mesmo que seu pai insistisse em colocá-lo na cadeira, ele tentava pular para fora. “Por que não senta e o coloca no colo?”, sugeriu Sthefany Toso, que até então apenas estava ali observando o movimento do salão para que pudesse fazer anotações que a ajudassem num trabalho acadêmico. No mesmo instante o pai trocou de lugar com o menino e o colocou no colo. Mas isso não amenizou o choro.

Passados 10 minutos, a criança permanecia chorando, enquanto dois barbeiros tentavam chamar a atenção dele para que pudessem cumprir seu trabalho. “Alguém tem uma bala para dar a ele? Posso ir comprar na loja da frente”, mais uma vez sugeriu Sthefany. Um dos barbeiros lhe deu uma pequena quantia para que ela pudesse comprar algum doce a fim de acalmar o menino. Enquanto ela corria até a loja da frente, a criança permanecia chorando, até que um dos clientes retirasse uma bala de seu bolso e entregasse para ele. Naquele momento de distração, que durou bem menos de um minuto, o barbeiro conseguiu raspar a parte da frente do cabelo da criança, mas assim que ela notou ao se olhar no espelho, o desespero voltou a imperar. “Não, não, não”, gritava a criança. Sthefany retornou com uma sacola cheia de jujubas e a entregou para o pai do menino, que rapidamente colocou algumas na boca da criança. Outro barbeiro, que assistia a todo o desespero, se voluntariou para ajudar o que tentava finalizar o trabalho. Segurou com firmeza a cabeça da criança, sem o machucá-lo, e só assim todo o cabelo foi cortado.

“Viu, não foi tão ruim assim!” exclamou o pai da criança, que agora se levantava da cadeira para limpar seu filho. Enquanto ele retirava a camisa do menino para limpá-lo dos cabelos que haviam caído em seu corpo, o barbeiro que cortou o cabelo da criança ligou o secador para ajudar o pai. Se o menino já havia entrado em desespero só com o corte, ele gritou com ainda mais força ao ouvir o barulho do secador, e quarenta minutos depois de ter chegado, finalmente se sentiu aliviado por ir embora.

Segundo os barbeiros, histórias como essa são normais no Salão Kimila, que se encontra na entrada do Mercado Central, na Rua Goitacazes. Inaugurado a cerca de 30 anos, alguns barbeiros possuem casos engraçados ou no mínimo interessantes para contar. “Durante toda a semana, 300 pessoas, mais ou menos, passam pelo salão; em sua maioria para cortar o cabelo ou fazer a barba. O movimento nos finais de semana é bem maior do que de segunda a sexta, principalmente no sábado, onde atendemos cerca de 100 pessoas”, afirma o gerente José Lourenço, que trabalha no Salão Kimila há 11 anos. Os seis barbeiros trabalham durante seis dias da semana, e quase sempre estão muito ocupados, já que o local de espera para ser atendido sempre permanece cheio.

“Algumas semanas atrás, um rato entrou aqui e dois funcionários correram atrás dele e o chutaram ao mesmo tempo… O rato voou e foi parar no peito da mulher que estava sentada esperando o seu marido terminar o corte”, conta Rodrigo Vinícius caminhando até um cliente para cortar o cabelo, “ela xingou demais”.

Frequentador do Mercado Central há 70 anos, o senhor Raimundo Silva, 91, costuma recorrer ao Salão Kimila nos dias mais frios. O motivo? O salão que frequenta em seu bairro, Serra, fica distante do centro, não trabalha com água morna para lavar os cabelos. “Sempre que o clima está mais fresco, pego um ônibus até o centro, dou uma passada no Mercado Central e aproveito para cortar o cabelo. A água daqui é quentinha”, comenta.

Concorrência

O Kimila não é o único salão que podemos encontrar na entrada do Mercado Central, na Rua Goitacazes. De frete ao Kimila, existe outra barbearia, um pouco menor, com apenas três barbeiros. Para o gerente do Kimila, José Lourenço, existe concorrência sim, “eles cobram um real mais barato no corte e na barba, e os passageiros que passam uma vez ou outra preferem cortar lá por causa do preço, mas nada que dificulte nosso trabalho ou gere uma rivalidade. Temos clientes fiéis que cortam o cabelo e fazem a barba todas as semanas com a gente desde que o Kimila abriu”.

Apesar da concorrência, devido ao grande número de barbearias e salões na Rua dos Goitacazes, e também do maior preço de corte masculino da região, 16 reais, o Kimila possui uma clientela fixa e atrai os novatos com um ambiente descontraído graças aos seis barbeiros que trabalham no local e que interagem de forma divertida entre si e com seus clientes.

O Salão Kimila atende de segunda a sábado, das 8 às 18 horas, e aos domingos de 8 às 14 horas.

Reportagem produzida para o Trabalho Interdisciplinar Dirigido V que tem como temática o cotidiano das ruas de Belo Horizonte. Belo Horizonte, junho de 2015.

Matéria por Julia Guimarães, fotos por Sthefany Toso

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