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Por Jucimara B. Miranda

O cinema dos irmãos Dardenne desperta emoções que, em situações cotidianas, preferiríamos deixar guardadas no fundo da consciência. Eles evocam temas delicados como raiva, culpa, remorso, depressão e suicídio, que são abordados de forma difícil, pois a complexidade dos temas requer este tipo de tratamento. Qualquer outro tipo de abordagem para temas como estes seria injusta.

Os Dardenne nos convidam a explorar nosso lado mais oculto e sombrio. A sensação sufocante que seus filmes deixam, numa comparação leviana, lembra a sensação provocada pelos poemas de Augusto dos Anjos. Embora o poeta não tenha uma veia política-social tão marcante como os Dardenne, a obra desses artistas são viscerais e trazem questionamentos e sentimentos obscuros, que de outro modo jamais chegaríamos a visitar, ainda mais vivendo num modelo de sociedade que estimula a felicidade a qualquer custo. O poema Trevas (Augusto dos Anjos) fala justamente sobre a incapacidade de trazer à luz e transformar os pensamentos mais sombrios que cada um de nós enfrenta dentro de si mesmo. Eis um trecho: “Haverá, por hipótese, nas geenas; Luz bastante fulmínea que transforme; Dentro da noite cavernosa e enorme; Minhas trevas anímicas serenas?!”. Nos filmes e nos poemas, os temas são pesados demais para serem tratados no dia-a-dia. Os Dardenne nos forçam a pensar essas questões, eles as colocam sob os holofotes, o que incomoda, pois explorar o nosso próprio lado obscuro é duro, difícil e machuca.

O filme Dois Dias, Uma Noite (2014) é o objeto de análise deste texto. O longa conta a história de Sandra, uma mulher que precisou se afastar do trabalho devido a uma depressão e que, ao voltar, descobre que foi demitida. O chefe de Sandra organizou uma votação em que os funcionários deveriam optar pela permanência de Sandra ou pelo recebimento de um abono. A maioria optou pelo abono. Cientes de que seu encarregado influenciou na votação, Sandra e Juliette (uma colega de trabalho mais próxima) convencem seu chefe a repetir a votação. Assim, Sandra tem um final de semana para convencer seus colegas a votarem a favor de sua causa.

O primeiro plano do filme nos apresenta a personagem Sandra e já nele podemos ver as marcas características dos Dardenne: câmera na mão, personagem centralizado, além de sincronia entre ação de personagem e movimento de câmera. As informações sobre a personagem vão sendo descobertas ao longo do filme, e fica a cargo do espectador organizar a narrativa com os detalhes que vão sendo compartilhados sutilmente. Por exemplo, só temos a confirmação da depressão de Sandra quando ela comenta com outro personagem, antes disso só temos o abuso de remédios e a instabilidade emocional, que poderiam ter sido causados pela demissão repentina.

Assim que sabemos as circunstâncias que envolvem a demissão de Sandra, o espectador fica indignado com a capacidade que os colegas dela tiveram de escolher o abono ao emprego dela, mesmo sabendo que alguns foram influenciados pelo encarregado. O choque acontece quando vemos que alguns têm motivos realmente relevantes para optar pelo abono, como o casal que tem um filho na faculdade. Contudo, fazemos um julgamento interno de pessoas como Mirelle, que precisam apenas comprar coisas novas. O questionamento fica no ar: estes personagens não estavam sendo capazes de se manter, há cerca de um mês atrás, antes do abono? Por que o dinheiro é tão crucial agora? A sobrevivência de uma mulher e sua família é tão indiferente a eles assim? Os assuntos deles valem mais do que uma vida?

Não é de admirar que Sandra tenha desenvolvido uma depressão, à parte de seus assuntos pessoais e sua história de vida, e a atitude dos colegas parece só agravar o quadro. Tanto que, antes mesmo de completar a missão, Sandra desiste de tudo e toma todos os comprimidos de Xanax. Felizmente a consideração de uma das colegas, que no último instante desistiu do abono, faz Sandra admitir o feito e ser levada ao hospital. Mesmo debilitada, ela encontra forças para ir atrás dos últimos colegas restantes. É de se pensar, como um pequeno ato de altruísmo pode salvar ou mudar completamente uma vida. O uso da câmera na mão deixa a narrativa mais fluida e realista, além de intensificar os momentos tensos com a instabilidade, como na cena de suicídio em que Sandra está aparentemente calma em contraste com a câmera que balança como um navio, sentindo os ventos da tempestade que se aproxima. Sabemos o que vai acontecer e a calma de Sandra torna a cena quase insuportável de se assistir, isso aliado à câmera que concretiza a inquietação do espectador e releva o turbilhão de sentimentos que Sandra não nos mostra. Nós permanecemos tensos esperando o efeito dos remédios, ao ponto de sermos incapazes, num primeiro momento, de nos animarmos com a notícia de mais um voto a favor da causa de Sandra. Sabemos que Sandra já tinha optado por um ponto final.

Ao apresentar todos os lados da situação, o filme nos coloca a pensar: será que optaríamos pelo abono sabendo de todo o sofrimento de Sandra? Ou ainda, optaríamos por uma quantia a mais em dinheiro no lugar do emprego de alguém? Até que ponto seu colega de trabalho é importante para você? O curioso é que todos os personagens que optam pelo abono parecem livrar sua culpa dizendo que a votação não foi ideia deles. Realmente não foi, mas isso soa como uma desculpa para Sandra e para eles mesmos para justificar uma atitude que, no fundo, todos sabem que é cruelmente egoísta. Tensionar essa fronteira do individual com o coletivo é algo que o cinema dos Dardenne faz muito bem e, no caso de Dois Dias Uma Noite, um senso de “bem maior” fica no ar, pois achamos injustificável optar por dinheiro ao invés da manutenção de uma vida. Os trabalhadores, como a classe mais fraca nas relações de trabalho, deveriam permanecer unidos contra qualquer tipo de injustiça ou impasse, como no filme, provocados pelos empregadores. Jogar o individual contra o coletivo é uma estratégia inteligente para dividir o “movimento”, aproveitando-se de uma tendência individualista do ser humano.

O foco num único personagem e essa câmera que a segue (sem ser voyeurista), quase como se estivessem ligados, ajuda a criar uma profunda empatia com a causa da protagonista, ainda que alguns de nós não sejamos inteiramente capazes de entender tal situação por nunca termos passado por ela.

O filme termina com um toque dos Dardenne: a narrativa não se conclui em definitivo como no cinema narrativo clássico e o personagem central está em ação, seja andando como é o caso de Dois Dias, Uma Noite e de O Menino de Bicicleta (2011) ou no meio de uma tensão dramática como em Rosetta (1999).

Dois Dias, Uma Noite consegue criar uma imersão quase total com a câmera instável, e apesar do final aberto, difere um pouco do usual dos Dardenne ao deixar um clima levemente esperançoso no ar. Sabemos que todas as dificuldades passadas por Sandra nesses dois dias e uma noite foram mais eficazes para combater sua depressão do que o tratamento que ela fez nos últimos meses. As últimas obras dos Dardenne migram um pouco para a estrutura mais clássica, mas sem perder o toque característico dos diretores. Os temas continuam pesados e difíceis de lidar, e os Dardenne não estão interessados em facilitar esta tarefa para nós. Não seria justo com as pessoas que enfrentam essas situações em suas vidas romantizar um final ou idealizar uma solução mágica. É a realidade mais próxima possível: fria e crua. E você tem que engolir, ou ignorar, como os muitos colegas de Sandra.

Mais do que um cinema intelectual, os Dardenne produzem um cinema do sentir. Alcançando sua potência através de uma obra visceral, que encontra o calor da emoção causando reflexões muito profundas. O cinema dos Dardenne nos pega pelo âmago e pela força de cada filme.

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Por Vitor Miranda

Se o cinema moderno tem muito mais proximidade com a narrativa não-linear, os tempos mortos, a realidade e o cotidiano, podemos dizer que o cinema contemporâneo eleva essas características a outros patamares cada vez mais distantes do cinema clássico que ainda domina o mercado. E Hou Hsiao-Hsien, cineasta taiwanês, talvez seja um dos principais destaques dessa nova forma de se quebrar as regras da mise-en-scène. Seus filmes buscam experiências, climas e atmosferas. Através de longos planos-sequências, ele constrói blocos de sensações com corpos que moldam narrativas através de sua materialidade. O conteúdo é evocado através da forma: observamos os personagens e nos relacionamos sensorialmente com eles através de sua movimentação corporal.

Em Flores de Xangai (1998), Hou Hsiao-Hsien talvez experimente um dos momentos mais radicais de sua mise-en-scène. Fazendo uma construção de época que salta aos olhos e adaptando um romance publicado em 1894, o filme se passa em quatro bordéis de luxo em que acompanhamos jogos, negociações, triângulos amorosos, rituais coletivos de uma Xangai do século XIX. Apesar disso não vemos nenhum resultado aparente das ações discutidas pelos personagens do filme, não vemos relações sexuais nem casamentos; ele parece trabalhar com o “entre” uma coisa ou outra. Utilizando o plano sequência, com a câmera sempre distante, observativa e fluida, acompanhamos o cotidiano desses personagens de forma paradoxalmente fria: ao mesmo tempo que estamos inseridos naquele ambiente de forma realista também observamos tudo à certa distância, sem julgamentos, sem foco central, só um cinema quase beirando a interatividade plena.

Nas imagens acima vemos fragmentos do primeiro plano do filme, com a duração de 8 minutos; acompanhamos uma mesa farta, com diversos personagens, jogando um jogo típico taiwanês, bebendo, fumando e comendo. Com uma encenação que beira à perfeição, a câmera investiga e decupa aquele ambiente fascinante suavemente, semelhante ao olho humano, revelando os diversos personagens que se mantêm sempre em movimento. O quadro de HHH é maior que o enquadramento, ou seja, o que a câmera recorta é menor do que está de fato acontecendo: a encenação dos personagens é independente da câmera, constantemente eles entram e saem do enquadramento, brindam, abrem leques, se servem de comida e bebida, com ações que nunca param e que exploram e adicionam elementos ao que é visto e não visto. Os ruídos, luzes e gestos escorrem pelo fundo e cantos da imagem evocando um extra campo que nos deixa sempre estimulados a acompanhar esse quadro que é vivo e pulsante.

Assim como o ópio, utilizado por todos os personagens, o filme se preocupa em perturbar as zonas sensoriais do espectador. A hipnose anestésica que o ópio provoca se traduz em mise-en-scène narrativa, fazendo o espectador mergulhar em um delírio sonolento e imagético. Em certa cena, após um fade out, a câmera se pousa a filmar ritualmente uma mulher acendendo o ópio, lentamente, com movimentos pausados e uma música inebriante. A beleza da cena está justamente nessa pausa contemplativa, nesse tempo morto em que nada é dito, nessa forma densa de perder os sentidos do tempo e espaço por um momento.

Essa maneira sensorial do filme se torna radical quando acompanhamos por 120 minutos as cenas serem conduzidas quase que da mesma forma. O enclausuramento dos bordéis (não existem cenas externas), a utilização incessante da música (que tem uma pitada contemporânea com sintetizadores) e a maneira impressionista com que ele pinta com a luz permeiam todas as cenas do filme. E assim cria uma forma original de lidar com o tempo e o espaço através da câmera para criar peças cinematográficas estonteantes.

 

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Por Débora Gomes – . as cores dela . – Parceira Contramão HUB

as coisas crescem. e tomam forma do lado de dentro.
de fora, tudo é por enquanto.
vento.
vazio.
silêncio.
pra completar, tem ainda essa saudade virando mar.
“a gente não vê onde o vento se acaba”.
é Guimarães…
e me questiono:
‘onde foi que aprendemos que vento tem fim?’
deve ser lá, naquele mesmo lugar em que damos forma e sentido pra todas as coisas,
quando na verdade, vai ver é só uma questão de olhar adiante:
queixo erguido, coragem brilhando nos olhos, destino.
atrelado nessa vontade da gente de virar estrela e deixar de ser poeira, carregada de lá pra cá.
porque eu nem sei bem onde isso vai dar.
mas se tiver você no fim daquela curva, tá tudo bem.
eu aceito (re) caminhar.

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Por Auspicioso Acapela – Coletivo parceiro Contramão HUB

Me vejo presa a um hábito e tento me enganar dizendo que tenho controle da situação. Eu estava e estou sozinha, então ocupo meu vazio com algo que me dá um esporádico prazer, que logo será substituído por arrependimento.

Menti para minha família, marcava datas e datas para ser melhor, abandonei por dias aquilo que me matava aos poucos, mas como em um “bom” relacionamento, sempre voltamos um para o outro.

Tentei por vezes ser uma pessoa melhor, quis ocupar minha mente com trabalhos, amigos, internet, festas. Mas nada consegue mudar o que eu realmente sou, ou melhor, estou, ainda não mudei.

Sinto vergonha por fazer o que faço e posso ver e sentir as pessoas me julgando, se houver uma maneira de me ajudar elas estão fazendo errado. Às vezes quero apenas que elas me deixem, mas também gosto quando se importam comigo.

Para muitos é drama ou falta de amor próprio, mas eu simplesmente não me importo mais, essa mania que as pessoas têm de acharem que sabem tudo sobre o problema dos outros.

Elas destroem uma as outros o tempo inteiro e quando faço algo que não seja saudável a mim elas são as donas da verdade.

 

Tenho consciência dos meus atos e também conheço as consequências, não há nada para refletir, escrevi por esclarecimento e estou bem, não precisa perguntar o tempo todo. Não comecei minha dieta, não parei de fumar, não parei de beber, não parei de me torturar e realmente não sei quando o farei, talvez na próxima segunda.

Por Rúbia Cely

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Por Thalita Vieira

Esta é uma típica manhã de sábado. O sol atravessa as cortinas me impedindo de abrir os olhos. O relógio avisa que já são 9:00 da manhã. Me levanto ou continuo deitada? Lentamente vou me levantando e curtindo a preguiça. Minha mãe sentada no sofá assistindo ao seu programa de TV favorito, me dá um “Bom dia” com um belo sorriso no rosto, como de costume.

Está última semana me deixou um pouco cansada, foram dias bem cheios, só de lembrar minha cabeça chega a doer. Havia combinado de sair com alguns amigos hoje, mas minha casa estava tão aconchegante que cheguei a cogitar em ficar por aqui mesmo. 

Já estava quase saindo quando  uma freada muito alta de um carro chamou minha atenção, logo depois um barulho estranho, algo que nunca tinha ouvido antes e mais barulhos como aquele… Em questão de segundos a rua estava lotada de pessoas. Pela janela da sala pude ver que aquilo não era apenas um barulho qualquer, foram disparos de arma de fogo.

Um sentimento ruim me tomou, minhas mãos congelaram, não conseguia entender. Um corpo estirado no chão, todo ensanguentado. Gritos de uma mãe desesperada. Ambulâncias. Polícias. Era tanta confusão que dava medo. Não sei dizer o motivo, mas mais um jovem morre assassinado. Era pra ser um sábado tranquilo, como normalmente é. Mas dessa vez não foi. Este sábado foi marcado por mais um derramamento de sangue. 

Por Glaudson Junior – Start – Parceiros Contramão HUB

 

Deadpool, o mercenário do super-herói da quarta parede, recentemente levou as redes sociais para parabenizar a Mulher-Maravilha por superar  seu primeiro filme na bilheteria doméstica.

 

Este fim de semana,Mulher-Maravilha (que ganhou US $ 368,5 milhões e contando) superou Deadpool (US $ 363,1M) na bilheteria doméstica, o que permitiu que a Guerreira da Amazônia ultrapassasse o Mercenário Tagarela  para o ponto # 10 nos dez melhores, Extraindo filmes de super-heróis nos Estados Unidos. A Mulher-Maravilha também pode superar o Deadpool na bilheteria global antes do final da sua corrida, já que o filme ainda não foi aberto no Japão e ainda está funcionando bem, tanto no país como no exterior, apesar da feroz competição de Homem-Aranha: De Volta ao Lar.