Diversidade

0 1119
Crédito: Tuca Vieira

Existência, sobrevivência, respeito e dignidade são alguns aspectos que pautam o dia a dia de várias comunidades taxadas como minorias, em especial a população LGTBQIAP+

Por Italo Charles

A trajetória pela conquista dos direitos LGBTQIAP+ é longa e repleta de adversidades, e ainda continua assim. Segundo dados revelados na pesquisa “Homofobia de Estado”, desenvolvida pela International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association (ILGA) em 2020, cerca de 69 países, dos 193 membros da ONU, criminalizam práticas relacionadas à orientação afetivo-sexual.

Esses dados afetam diretamente a população LGTBQIAP+ ao redor do mundo. No caso do Brasil, a homossexualidade não é criminalizada. Entretanto, os grupos que formam a população LGBTQIAP+, no país, sofrem diariamente pela falta de direitos que constituem uma vida digna.

Por mais que o Artigo 5º da Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) garanta que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, é visto que as minorias são tratadas de forma distinta do que se estabelece a lei e, para além, existe a pressão social e a perda de direitos que inferioriza esses grupos.

A falta de amparo, muitas vezes legal, inviabiliza a prospecção de vida das pessoas LGBTQIAP+ resultando em violência, segregação e até homicídios contra essas pessoas. Os dados da Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra), no seu último boletim, mostraram que o Brasil continua no ranking de assassinatos contra pessoas LGBTQIAP+, sobretudo transexuais e travestis.

A resposta, que fica clara, para essa situação é que ainda vivemos em um país dominado pelos preceitos e estereótipos brancos, heteronormativos e com poder aquisitivo elevado, o que fomenta a construção de uma sociedade pautada pelo machismo estrutural, misoginia, racismo e homofobia.

Direito à cidade

O conceito de “Direito à Cidade” foi desenvolvido pelo filósofo francês, Henri Lefebvre, em  seu livro de 1968 “Le droit à la ville”. Lefebvre define como o direito à não exclusão da sociedade urbana das qualidade e benefícios da vida. No texto é destacado a segregação socioeconômica e seu fenômeno de afastamento. 

A referência se dá à “Tragédia dos Banlieusards” que obrigava pessoas a viver em espaços residenciais distantes das cidades. Devido ao cenário, Lefevre institui o direito à cidade como recuperação coletiva do espaço urbano por grupos marginalizados que vivem nos distritos periféricos da cidade. 

Em meados da década de 1990, as ideias de Lefebvre sobre direito à cidade foram aderidas no planejamento urbano em várias partes do mundo suscitando uma explosão de movimentos sociais.

Para a arquiteta urbanista e líder do Núcleo de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Una, Ana Karolina Oliveira, o direito à cidade vai além dos aspectos de moradia e infraestrutura.  “Poder andar na rua em qualquer horário, dar a mão para o seu companheiro ou companheira sem ofender ninguém e ter a possibilidade de transitar livremente e com segurança, isso é direito à cidade”.

População LGBTQIAP+

O direito de ir e vir serve para todos. Mas, os grupos denominados como minoria sofrem, diariamente, com a falta de liberdade de poder frequentar espaços e se habitar livremente. Pois, se tratando de uma sociedade que visa a padronização de corpos, classe e orientação sexual, é, quase que, inviável viver de maneira igualitária.

Andar na rua de mãos dadas, transitar em qualquer horário do dia para a maior parte da população – hétero e branca-, pode ser normal, mas para os demais grupos isso surge como estigma, insegurança e medo.

“Projetar ambientes de convívio público que permitam que as pessoas transitem de forma segura sem se sentirem julgados e com o mínimo de estrutura é papel do urbanista para promover o direito à cidade”, comenta Ana Karolina. 

A população LGBTQIAP+ até hoje é vista como um grupo marginalizado que percorre em meios às margens da sociedade em busca de existência e resistência, sofrendo violências, negações e muitas vezes a falta de estrutura para uma vida justa.

O direito à cidade pauta, também, a garantia de segurança, saneamento, moradia e espaços de convivência para todos os públicos. Entretanto, na maioria das vezes esses direitos são negados e as ditas minorias sofrem com essa situação

Papel da arquitetura 

A arquitetura e urbanismo, neste contexto, tem como função primordial promover meios para melhoria da infraestrutura urbana, de forma inclusiva projetando espaços de convívio e acolhimento, não somente para a população LGBTQIAP+, mas também para todas as pessoas.

Pensar no papel do Arquiteto Urbanista na construção de direito à cidade, é pensar não apenas no alcance e conquista à moradia, educação, saúde e segurança é, mais do que isso, pensar em profissionais que exerçam a capacidade básica de socialização do habitar, se fazendo indivíduos ativos na apropriação do espaço urbano e garantindo o direito à cidade para todos.

“Nós, enquanto arquitetos e urbanistas temos o dever de desenvolver  projetos urbanísticos que tenham como base a infraestrutura  para garantir os direitos básicos da população”, comenta Ana Karolina Oliveira.

Neste cenário, existe outro papel fundamental que não cabe somente aos urbanistas, mas também à população. Trata-se da verba distribuída para manutenção de infraestrutura das regiões da cidade.

Ana Karolina explica que muitas vezes as regiões que ficam com a maior parte da verba são as que já tem mais infraestrutura, com isso, as localidades periféricas continuam distantes do processo de melhoria.

“O problema está na distribuição de verba para infraestrutura das regiões, por se tratar de bairros mais próximos aos centros, esses locais acabam recebendo mais verba e as periferias continuam da mesma forma ”, completa Ana.

 

*Edição: Bianca Morais

**Revisão: Daniela Reis

0 1068
Foto: Assessoria

Em um país que todos os dias pessoas transexuais e travestis são assassinadas, lutar por sobrevivência, respeito e dignidade é um ato político 

*Por Italo Charles

Sobrevivência, reconhecimento, voz e respeito são alguns aspectos que denotam a luta diária de pessoas tranvestigeneres. Viver em uma sociedade dominada por corpos brancos, cisgêneros e machistas que estabelecem a estimativa de vida de um grupo ou que cria estereótipos sobre seus corpos e atribuições, é, para as pessoas transexuais e travestis  um ato de resistência e política.

Falar sobre a visibilidade trans e travesti é compreender os estigmas que esses corpos carregam e, para além, é atuar na causa política para construção de dignidade às pessoas transvestigeneres.

Anualmente, janeiro é o mês que celebra a visibilidade trans.  Essa conquista se tornou possível a partir de uma manifestação por parte de um grupo trans ativista, no Congresso Nacional, no lançamento da campanha “Travesti e Respeito”  promovida  pelo Ministério da saúde no dia 29 de janeiro de 2004.

A partir de então, o mês de janeiro é marcado por uma sequência de ações que visam o reconhecimento, respeito e visibilidade de pessoas transvestigeneres que, diariamente, lidam com o preconceito e invisibilidade. 

Entretanto, as manifestações por respeito, equidade e, sobretudo, existência de pessoas transvestigeneres não pode ser vista pela mídia apenas no mês de janeiro, uma vez que, pessoas transexuais e travestis vivem diariamente uma luta constante por sobrevivência.

É importante ressaltar que o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais e travestis, e pelo 13º ano está no topo do ranking de assassinato de pessoas trans. Segundo dados divulgados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), no ano de 2020 foram mapeados 175 assassinatos de travestis e mulheres trans, número maior que o do ano anterior.

Entretanto, o país que mais mata pessoas transvestigeneres continua no ranking de maior consumidor de pornografia trans nas plataformarmos de conteúdo digital, justo no período em que houve o aumento de assasinatos – 2019 a 2020.

Os dados são alarmantes e mostram como a sociedade reage a esse grupo. Mas, para além dos números (inaceitáveis), a população transvestigere batalha todos os dias enfrentando ameaças, transfobia, racismo e a misoginia para construírem um país mais igualitário.

Dentro do meio político não seria diferente às agressões contra a comunidade transvestigenere, pelo contrário, por se tratar de um âmbito machista, cisgênero, misogino e racista, as pessoas transexuais e travestis enfrentam situações mais desafiadoras para conquitar seus espaços.

O ano de 2020, no viés político, foi muito positivo para a comunidade LGBTQIAP+ em um todo, principalmente para as pessoas transvestigeneres, pois, pela primeira vez na história elegeu um grande número de mulheres transexuais e travestis e homens trans.

Entre as pessoas eleitas, está Duda Salabert, professora de literatura, vegana, ativista, fundadora da ONG Transvest, mãe e a 25ª colocada na lista das 50 pessoas LGBTQIAP mais influentes do Brasil. Eleita pelo PDT com 37.613 votos, Duda é a mulher mais votada da história de Belo Horizonte.

Em entrevista ao Jornal Contramão, Duda Salabert conta sobre as necessidades de ser uma mulher trans na política, os desafios diários e o impacto que sobre a representativa e visibilidade trans.

Duda, o que te motivou a entrar na política?

Para nós, travestis e transexuais, a política não é opção, ela é destino, é sina. Até porque os nossos corpos já são políticos por tensionar e questionar a estrutura e a visão binária da sociedade. Eu entrei na política institucional partidária para combater os números que solapão as identidades das pessoas travestis e ransexuais como fato de que o Brasil é o país que mais mata pessoas transsexuais do planeta há mais de 10 anos consecutivos e 90% das transexuais estão na prostituição.  Esses dois números já mostram a necessidade de construir políticas públicas para a nossa comunidade e a nossa pauta nunca foi protagonismo nem no centro, na esquerda, nem na direita, mas na necessidade de hackear e ocupar o espaço da política partidária institucional.

Quais foram e são os maiores desafios enfrentados na carreira política e como docente sendo uma mulher trans?

As dificuldades em relação à comunidade trans se assemelham às dificuldades enfrentadas pelos grupos tidos como minorias, a população negra, as mulheres, indígenas por que a política partidária institucional é feita para ser mais uma das ferramentas para privilegiar os privilegiados e excluir os excluídos. Então, as estruturas partidárias espelham os preconceitos e violências que são da própria sociedade, dessa forma, nós temos que combater essa estrutura que alicerça o patriarcado e que quer privilegiar homens brancos, cisgêneros e heterosexuais. E isso se espelha também em outras instituições, como no mercado de trabalho, na família, nas igrejas. 

No último ano (2020) você foi reconhecida pela Rede Guiya entre as pessoas LGBTQIAP+ mais influentes do Brasil. Na lista você ocupa a 25ª posição, qual a importância desse reconhecimento e o que muda para situação política atual?

O reconhecimento é importante não em dimensão particular, mas sim na coletiva. Uma vez que quanto mais pessoas transexuais ocuparem esse espaço mais  a pauta trans assume relevo no debate público, então não há vitória particular, mas sim uma vitória coletiva já que eu represento ali a comunidade das pessoas travestis transexuais. Isso é um avanço, porque  na comunidade LGBT a pauta trans ficou em segundo plano, assim, isso mostra que o movimento é organizado e tem ocupado e conquistado mais espaço.

Também em 2020 você foi eleita como a mulher mais votada da capital mineira. Qual a sensação desse marco e como isso influencia contra a transfobia existente na sociedade?

Ter sido a pessoa mais votada na última eleição é um recado que parte da sociedade em relação a não tolerar mais algumas estruturas de opressão, marginalização e exclusão que existia e existe na sociedade. Então, nesse sentido, essa é a vitória de um campo progressista que busca renovar e oxigenar a política e, também, trazer novamente a esperança para o campo da política que foi retirada na última vez devido a consquista do Jair Bolsonaro, que é uma vitória da anti-esperança, da anti-política. Então, em 2020 a sociedade se mobilizou para resgatar essa esperança e resgatar a necessidade de mudar os rumos da política regional que é um termômetro para o nacional também..

Como você enxerga o impacto e a responsabilidade de representar a causa LGBTQIA+ dentro da política?

Sou professora há mais de 20 anos e carrego essa ideia da responsabilidade com o coletivo na minha atividade profissional, no campo da política é uma forma de eu trazer essa preocupação que já tinha em sala de aula para o campo das políticas públicas. Então é uma responsabilidade coletiva que eu já fomentava e que agora é só uma dimensão maior pelo número de votos que tive, mas a ideia central é a preocupação com o social, com a formação de uma nova sociedade que busca a justiça social. Isso  já faz parte do DNA de quem é professora.

Segundo o boletim divulgado pela ANTRA, no período de janeiro a outubro de  2020 em relação ao ano anterior, a taxa de assassinato contra pessoas trans e travestis aumentou 47%. Dessa forma, como você enxerga esse aumento e quais medidas precisam ser tomadas para reduzir esses dados?

É ‘quem tem fome, tem pressa’ já falava o sociólogo Betinho,  importante na história recente do Brasil, que a gente tem que buscar por isso que você merecia mais né na garantia de renda das pessoas transexuais daí hoje uma criação de e aprovação de projetos que garantam a empregabilidade de pessoas transexuais e para Além disso as pessoas políticas estruturais como por exemplo de bater um projeto Educacional que traga a questão da diversidade do respeito à diversidade já que o que transforma a sociedade é educação Então a gente tem que repensar a escola brasileira a fim de que ela construa uma nova mentalidade uma nova perspectiva social de respeito à diversidade e respeito a transexualidade para a gente poder combater esses de violência contra pessoas LGBT especificamente transexuais .

Em relação ao SUS em  BH, existe algum acolhimento específico de pessoas trans e soropositivas, como funciona? 

Nós temos em Belo Horizonte um ambulatório trans que está situado no Hospital Eduardo de Menezes, lá tem uma equipe multidisciplinar para tratar temas referentes à transexualidade. Há  também em Uberlândia e em outros municípios no Brasil.

Como é lidar com a saúde mental em um meio quase que majoritariamente homofóbico, transfóbico e misógino?

‘Há que endurecer sem perder a ternura jamais’, já falava o Che Guevara. Então, o espaço político é espaço de muito enfrentamento e esse enfrentamento vai endurecendo cada vez mais, o casco vai ficando cada vez mais grosso, logo, para nós ativistas que estamos há muito tempo, a gente não sabe como lidar com a saúde mental.  O fato é  que a gente entra blindando e criando um escudo para evitar que a saúde mental seja abalada.

Como é ser uma mulher trans, vereadora, militante e vegana hoje?

A transexualidade e o veganismo têm inúmeros denominadores comuns, entre eles o fato de combater uma lógica sistêmica, estrutural,  histórica e atávica de privilegiar homens brancos, cisgêneros, heterossexuais, europeizados ricos e carnistas. Essa lógica que se configurou a partir do fortalecimento de uma perspectiva antropocêntrica responsável pelas inúmeras violências que tem não só em  relação a seres humanos e não humanos, como também ao meio ambiente, e essa lógica que alicerça o capitalismo, então tanto veganismo como a transexualidade são forças importantes no combate a uma lógica antropocêntrica capitalista é neoliberal.

Anualmente, durante o mês de janeiro, a mídia tem dado espaço para as pautas relacionadas ao mês da visibilidade trans. Entretanto, a cada ano o número de assassinato com transexuais e travestis tem aumentado. O que você acha que deveria ser feito para mudar esse cenário e como os meios de comunicação deveriam se posicionar diante disso?

Os meios de comunicação têm que entender o papel social que eles desempenham, sobretudo  os são concessões públicas. As mídias têm um compromisso com a questão pública e, a questão pública opera sobretudo na busca por justiça social, então os meios de comunicação deveriam ser, em tese, instrumentos para criação de novas consciências que lutam a favor da justiça social, e  a gente não vê isso justamente pelo Lobby que há entre os grandes veículos de comunicação e os oligopólios capitalistas. Entretanto,  uma coisa que deveria mudar é o  entendimento que a pauta das pessoas transexuais não deveria ser discutida só em janeiro, mas no ano inteiro, já que há um genocídio em curso contra pessoas transexuais.

Enquanto vegana e defensora dos animais, quais são os planos para o recolhimento e adoção de animais de rua, campanhas de castração e vacinação?

Há muito o que fazer como, por exemplo, lutar na política orçamentária para valores maiores destinados ao centro de controle de zoonoses, como também garantir o castramóvel nas regionais de Belo Horizonte. Além disso incentivos fiscais tais como: desconto no IPTU para ativistas que resgatam animais de rua e fazem papel que o poder público não faz, como também a criação de um banco de ração para que receba doações de empresas e pessoas da sociedade em geral para que esse banco posso distribuir as rações para os ativistas e ONGs cadastradas na defesa animal na prefeitura. 

Mas as pessoas têm que  entender que a pauta defesa animal não é somente sobre  “gato”, embora sejam problemas visíveis na sociedade, mas também nas outras espécies que coexistem conosco, sobretudo, em Belo Horizonte que há muitos espaços de vegetação com uma diversidade muito grande, então isso passa pelo debate sobre a valorização da educação ambiental nos currículos escolares.

Você acha que seria possível acabar com os preconceitos contra as pessoas lgbtqiap+, se sim, de qual forma?

Os preconceitos só podem ser rompidos a partir de uma revolução. Até porque o capitalismo se alicerça tendo como pilar a exploração e a opressão, então a própria dinâmica do capitalismo transforma as diferenças como um mecanismo de garantir mais lucro para as pessoas privilegiadas no campo da opressão e  também a exploração na luta de classe. Sendo assim, uma das formas de combater qualquer tipo de opressão é acabar com o sistema capitalista, isso não quer dizer que em uma sociedade socialista não teria preconceitos até porque o preconceito é uma coisa cultural e não acaba  da noite pro dia, mas a revolução seria uma das formas da gente buscar o combate às opressões.   Não é a garantia de que elas acabariam, mas é o único meio possível de sustentar o fim dela, já que na dinâmica capitalista a opressão e  exploração são duas faces da mesma moeda.

O que você mais se orgulha dentro do seu trabalho?

Me orgulho de ser professora em um país que não valoriza a educação nem os profissionais da educação, então só de estar 20 anos me mantendo nesse campo de atuação já é para mim motivo de orgulho.

Qual o impacto da criação e manutenção da Transvest?

Não dá para mensurar o impacto da Transvest, porque as principais transformações que a gente fez não está no campo da objetividade mas sim da subjetividade, no sentido de pessoas resgatarem autoestima, ter um espaço de encontro, de afeto e de congregação, então a Transvest acaba sendo uma ilha de afeto e acolhimento no oceano de transfobia que é Belo Horizonte. Isso está no campo do imensurável justamente por não operar na dimensão material, mas no campo do material nós tivemos pontos positivos, como a criação da primeira casa de acolhimento de pessoas trans na capital, também aprovações na UFMG, UEMG, PUC, Milton Campos, Una e outras universidade.

Qual seu posicionamento acerca da visibilidade trans e quais pontos devem e podem melhorar?

O que tem que melhorar não é a visibilidade trans, mas sim a sociedade.  A visibilidade trans é um movimento criado por pessoas transexuais que buscam tornar público alguns problemas que nos tocam, então não tem problema algum uma semana no mês da visibilidade trans, o problema está na na sociedade.

 

*Transvestigenere

Termo adotado pelas ativistas Erika Hilton e Indiana Siqueira, a fim de desconstruir os estereótipos negativos que as palavras “transexual” e “travesti” carregam, além de compreender todes e quaisquer pessoas que não se encaixem na cisgeneridade.

0 6802
Foto: Igor Cerqueira

A coordenadora de comunicação da Transvest, Luísa Reiff, conta sobre as ações da ONG e quais medidas adotadas no período de pandemia

Por Bianca Moraes

Em meio às comemorações do mês da visibilidade trans, o Jornal Contramão vem trazendo uma série de reportagens sobre o assunto. Mas, é no dia 29 que se celebra o marco das manifestações de pessoas trans que lutam por justiça, igualdade e reconhecimento todos os dias.

Para dar início, hoje você confere uma entrevista sobre a ONG Transvest com uma de suas voluntárias, Luísa Reiff, jornalista, pós-graduada em Comunicação Digital pela PUC Minas e mestranda em Comunicação e Gestão de Indústrias Criativas pela Universidade do Porto. Hoje, Luísa coordena o Núcleo de Comunicação da ONG desde fevereiro de 2020 ao lado das designers Fernanda Carvalho e Camila Moraes.

A TRANSVEST é uma ONG que tem como principal objetivo combater a transfobia e incluir travestis, transexuais e transgêneres na sociedade. E, foi fundada no final de 2015 a partir de uma inquietação de professores que lecionam em colégios de classe média e classe alta, acreditando no poder transformador da educação.

A idealizadora do projeto é Duda Salbert, ativista, professora e vereadora mais votada de Belo Horizonte. No Brasil, 90% das travestis e transexuais estão na prostituição. Segundo Duda, em um vídeo publicado em seu instagram sobre a Transvest, a transfobia odiosa da sociedade expulsa esse público do mercado formal de trabalho, e por isso, a ONG aparece como uma esperança para eles.

Confira abaixo a entrevista que conta um pouco sobre essa organização.

Qual a principal diferença da Transvest de quando começou para atualmente?

A pandemia alterou muito o funcionamento da ONG. O cursinho preparatório para Enem, as oficinas, aulas de defesa pessoal e passeios culturais foram inviabilizadas pelo Covid-19, portanto, hoje nossa atividade principal é o programa de Renda Mínima Trans, idealizado pela fundadora, vereadora e professora Duda Salabert e efetivado pela equipe da ONG, em especial a coordenadora e psicóloga Patrícia Oliveira. Temos cerca de 150 pessoas cadastradas e, mensalmente, trans e travestis recebem um depósito de R$100. Para trans e travestis idosas (ou seja, acima de 35 anos devido à expectativa de vida), o valor é R$200. Também distribuímos cestas básicas, roupas e outros artigos que chegam à ONG através de doações.

Como o cursinho tem se mantido durante a pandemia? Como tem sido as aulas?

Todas as nossas atividades presenciais foram interrompidas. Nosses alunes não têm acesso garantido à internet ou a aparelhos que permitam o acompanhamento das aulas e nós não teríamos como garantir um ambiente seguro para todes. Neste momento, o foco principal é a sobrevivência.

Quais têm sido as maiores dificuldades para vocês nesse momento?

A manutenção das doações. Nossa vaquinha online  é nossa única forma de sobrevivência e o momento é delicado. Através das redes reforçamos a grande necessidade da ONG de manter – e aumentar – as doações e isso tem sido uma grande dificuldade. Vale dizer que temos profunda gratidão por todes que nos apoiam com doações fixas, pontuais ou que divulgam nosso trabalho.

Como são escolhidos os voluntários e quais são as principais funções que eles exercem?

Nossa equipe no momento é enxuta porque as aulas estão pausadas. No funcionamento normal temos uma série de professores que chegam até a ONG pelas redes sociais ou por conhecidos. Atualmente, nossa equipe fixa é a Duda Salabert (fundadora e coordenadora), Patrícia Oliveira (coordenadora e psicóloga), Luísa Reiff (coordenadora do Núcleo de Comunicação), Fernanda Carvalho e Camila Moraes (designers) e Luciana Gravito (dentista). Também contamos com a colaboração pontual de muitas outras pessoas e contamos com professores voluntários que são captados no início de cada ano letivo.

Qual nível de aceitação da ONG na cidade?

Temos uma resposta muito positiva em BH e em diversos outros lugares do Brasil (apesar de nossa atuação ser limitada à capital mineira). Porém é inegável o enorme preconceito e perigo passado pelas pessoas trans e travestis seja em Belo Horizonte ou em qualquer outro lugar. Nós somos um movimento de resistência.

Vocês ainda mantêm a sala no Maletta? E a casa? Se não, por qual motivo elas não funcionam mais?

Não temos uma sede fixa porque não há verba, mas esse é o nosso grande sonho! A sala do Ed. Maleta é cordialmente emprestada pela Patrícia Oliveira para algumas de nossas atividades.

Os cursos oferecidos aos alunes trans e travestis têm ajudado no mercado de trabalho?

Têm sim. Nós temos muites alunes que conseguiram entrar em cursos superiores graças à preparação que lhes foi oferecida. E para além disso, o atendimento psicológico gratuito também auxilia es alunes a lidarem melhor com os estudos, a vida e com suas lutas internas.

Houve avanço em relação aos alunes?

Houve sim, além dos citados acima, no ingresso a cursos superiores, também temos exemplos de alunes que abriram pequenas empresas ou conseguiram trabalhos e freelas com o auxílio da ONG e de voluntáries.

Vocês tem alguma notícias de ex alunes que fizeram o curso, se conseguiram passar em alguma faculdade, alguma história interessante?

Temos atualmente 3 ex alunas matriculadas em universidades públicas de Minas, um grande orgulho para ONG!

A iniciativa da ONG tem contribuído na autoestima e no aumento da confiança das pessoas trans?

A ONG viabiliza a autoestima de diversas formas, seja auxiliando no processo de retificação de nome e gênero, auxiliando na inserção social, apresentando novas possibilidades de existência e ajudando a executar a mudança concreta que é almejada por todes.

De qual maneira as pessoas podem estar ajudando a ONG?

Através da vaquinha online. Também temos um Picpay: @ongtransvest

E vale dizer que o engajamento em nossas redes sociais, comentários, compartilhamentos e indicações é de enorme ajuda!

Qual a importância da ONG na visibilidade trans e na luta contra a transfobia?

É um instrumento, mas uma andorinha só não faz verão. Formar profissionais trans e travestis é muito importante, mas precisamos de empregadores, colegas de trabalho, vizinhos, e conhecidos que sejam esclarecidos quanto à questão de gênero. Todes precisam ser agentes contra a transfobia. A luta por direito e igualdade vai além da própria bandeira e o nosso objetivo só será alcançado se tivermos todes ao nosso lado. É preciso ser atuante, ser aliado, ser agente de transformação e lutar sempre pela vida, respeito e justiça. Não podemos deixar de citar também a importância urgente de políticas públicas voltadas para os direitos das pessoas trans.

Conheça mais sobre a ação Renda Mínima Trans @ongetransvest

“As palavras destacadas em itálico tem como função promover a inclusão de todas pessoas sem o uso do gênero”.